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COP 30: pegadinha?

8 de dezembro de 2025

Por Michael Roberts



A piada habitual sobre a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP) é que cada uma delas é uma forma de esquivar-se. Cada vez que se reúnem, as partes não conseguem concordar em acabar com a produção de combustíveis fósseis como fonte de energia, embora se saiba com certeza que o carbono e outras emissões de gases de efeito estufa vêm precisamente do uso de combustíveis fósseis. Cada vez se mostram incapazes de planejar e implementar reduções significativas nas emissões de todas as fontes: produção, transporte, guerras, etc. Em cada ocasião, deixam de concordar com qualquer reversão significativa do desmatamento interminável, da poluição dos oceanos e da extinção acelerada de espécies e da biodiversidade.


Imagem: Reprodução Brasil de Fato

A piada de dizer que é uma forma de esquivar-se já não tem graça. A COP30 não foi uma piada, por mais que o acordo alcançado realmente o seja. Não há tempo a perder. O mundo aquece até ao ponto de causar danos irreversíveis para a humanidade, para outras espécies e para o próprio planeta.

Probabilidade de que se limite o aquecimento abaixo de um limite de temperatura específico (%) ao longo do século XXI.

Harjeet Singh, da Fundação Climática Satat Sampada, declarou: "A COP30 passará para a história como o papo mais mortal de todos os tempos". Os negociadores passaram em Belém, Brasil, "alguns dias debatendo sobre o que era preciso debater e inventando novos diálogos apenas para evitar tomar as medidas que importam, comprometendo-se a empreender uma transição justa e colocando dinheiro sobre a mesa". Eles descartaram abordar a questão fundamental do abandono dos combustíveis fósseis devido ao bloqueio dos países petrolíferos e da maioria das potências ocidentais. Até se opuseram à ideia descafeinada de uma roteiro para uma transição.

Também foi adiada a questão de como os países deveriam responder ao facto de que os atuais planos climáticos nacionais, as chamadas contribuições determinadas a nível nacional (CDN), conduzirão a um aumento da temperatura global para cerca de 2,5°C acima dos níveis pré-industriais, muito acima do limite de 1,5°C estabelecido em 2015 pelo acordo da COP de Paris. O acordo da COP30 consiste em "continuar a falar" sobre a enorme distância que separa os objetivos nacionais e as reduções das emissões de carbono necessárias para não exceder os 1,5°C.


Os cientistas presentes na COP30 deixaram claro… mais uma vez. As emissões precisam começar a diminuir no próximo ano, afirmam, e depois continuar a decrescer de forma constante nas décadas seguintes: "É preciso começar já a reduzir as emissões de CO2 provenientes dos combustíveis fósseis a uma taxa de 5% ao ano. Isto é necessário para poder evitar impactos climáticos impossíveis de gerir e extremamente dispendiosos que afetarão todo o mundo." É imprescindível acelerar a redução de emissões: "É preciso que nos aproximemos o mais possível do zero absoluto de emissões dos combustíveis fósseis até 2040, o mais tardar 2045. Isto implica, à escala global, pôr fim a todo o investimento em combustíveis fósseis e a todo o subsídio à sua produção, e traçar um plano mundial para a introdução de fontes de energia renováveis e de baixas emissões de carbono de forma justa, abandonando rapidamente os combustíveis fósseis."

Acrescentaram que o financiamento – dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento – é fundamental para dar credibilidade ao Acordo de Paris de 2015 para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC. "Tem de ser previsível, baseado em garantias e coerente com uma transição justa e equitativa", declararam. "Sem aumentar e reformar o financiamento climático, os países em desenvolvimento não conseguem planejar, não conseguem investir e não conseguem realizar a transição necessária para assegurar uma sobrevivência compartilhada." A COP30 acordou aumentar o financiamento dos países ricos para os países pobres, mas este financiamento aumentado seria distribuído ao longo dos próximos dez anos, não em cinco como antes!


É preciso que as nergias renováveis substituam rapidamente outras fontes de energia para cumprir os objetivos climáticos/ Geração mundial de eletricidade em %.

Em contrapartida, de acordo com o último relatório da Agência Internacional de Energia, a demanda global de petróleo e gás aumentará nos próximos 25 anos se o mundo não mudar de rumo. As emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar, apesar do crescimento exponencial das energias renováveis. O uso de carvão atingiu um recorde no ano passado no mundo, apesar dos esforços para implantar as energias limpas.

Portanto, as emissões globais de CO₂ estão a aumentar, não a diminuir. As emissões anuais de CO₂ associadas à energia irão aumentar ligeiramente dos níveis atuais e aproximar-se-ão de 40 gigatoneladas de dióxido de carbono por ano no início da década de 2030, mantendo-se mais ou menos neste nível até 2050. As emissões podem diminuir nas economias avançadas, sobretudo na Europa, bem como na China a partir de 2030, mas aumentarão no resto.


E não se trata apenas das emissões de carbono. O metano é um gás de efeito estufa 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono e é responsável por cerca de um terço do aquecimento registrado recentemente. Nas *cop-outs* anteriores, tinha-se acordado reduzir 30% das emissões de metano até 2030. No entanto, as emissões deste gás continuaram a aumentar. Coletivamente, as emissões de seis dos Estados membros – EUA, Austrália, Kuwait, Turquemenistão, Uzbequistão e Iraque – situam-se acima do nível de 2020.

Emissões antropogênicas totais de gases de efeito estufa 1990-2024.

Assim, o planeta continua a aquecer. Este ano e os últimos dois foram os três mais quentes desde que este dado começou a ser registrado há 176 anos. E os últimos 15 anos, ou seja, desde 2015, também foram os 11 mais quentes que já foram registrados. Estamos a atingir os pontos de inflexão (irreversíveis): os glaciares derretem-se, as florestas desaparecem, há cada vez mais incêndios florestais, inundações e secas. O mundo está a caminho de um aquecimento de 2,8°C e, como revela o último relatório das Nações Unidas, as promessas climáticas não fazem outra coisa senão enganar.


O Relatório sobre a Lacuna de Emissões 2025: *Fora do Alvo*, do PNUMA, mostra que os novos compromissos climáticos disponíveis ao abrigo do Acordo de Paris apenas reduziram ligeiramente o ritmo de aumento da temperatura global no que leva do século XXI, lançando o mundo a uma grave escalada dos riscos e danos climáticos. Menos de um terço dos países (62 de 197) apresentaram os seus planos de medidas climáticas, as chamadas contribuições determinadas a nível nacional (CDN) do acordo de Paris. Os EUA, o país com mais emissões por habitante, abandonou o processo e não se fez presente na COP30. A Europa também deixou de contribuir. Nenhum dos 45 indicadores globais analisados está a caminho de cumprir os objetivos.

Nenhum dos 45 indicadores globais analisados no relatório seguem a caminho de cumprir os objetivos: Financiamento climático privado/ Eólica e solar/ Desmatamento/ Descarbonização do aço.

Os níveis de dióxido de carbono na atmosfera dispararam, estabelecendo em 2024 um novo recorde, segundo dados das Nações Unidas. A concentração média global do gás registrou um aumento de 3,5 partes por milhão (ppm) para alcançar 424 ppm em 2024, o maior incremento desde que se iniciaram as medições modernas em 1957, de acordo com o relatório da Organização Meteorológica Mundial.


Vários fatores contribuíram para o aumento do CO₂, entre eles mais um ano de queima incessante de combustíveis fósseis. Outro fator foi a proliferação de incêndios florestais em condições mais quentes e secas devido ao aquecimento global. As emissões provenientes de incêndios florestais nas Américas atingiram níveis históricos em 2024, que foi o ano mais quente já registrado.


Os cientistas climáticos também estão preocupados com um terceiro fator: a possibilidade de que os sumidouros de carbono do planeta estejam começando a falhar. Aproximadamente metade de todas as emissões de CO₂ cada ano são retiradas da atmosfera ao se dissolverem no oceano ou serem absorvidas pelas árvores e pelas plantas em crescimento. Mas os oceanos estão a aquecer e, portanto, absorvem menos CO₂, enquanto em terra firme as condições mais quentes e secas e o aumento dos incêndios florestais acarreta um menor crescimento das plantas.


Para cumprir os objetivos do Acordo de Paris de 2°C e 1,5°C, respectivamente, é necessário reduzir as emissões anuais em 35% e 55% em 2035, em relação aos níveis de 2019. Dada a magnitude das reduções necessárias, o pouco tempo disponível para as realizar e o difícil clima político, é inevitável que ocorra um aumento permanente da temperatura global antes do final desta década. O objetivo de Paris está tão morto como as pessoas e as espécies que morrem devido às alterações climáticas.

Probabilidade de que limite o aquecimento abaixo de um limite de temperatura específico (%) ao longo do século XXI.

De fato, o aumento do calor global está matando uma pessoa por minuto em todo o mundo, segundo revela um importante relatório sobre o impacto da crise climática na saúde. O relatório afirma que a taxa de mortes relacionadas com o calor aumentou 23% desde a década de 1990, mesmo tendo em conta o aumento da população, até alcançar uma média de 546.000 por ano entre 2012 e 2021. Nos últimos quatro anos, a pessoa média esteve exposta a 19 dias por ano de calor potencialmente mortal, e 16 desses dias não se teriam produzido sem o aquecimento global provocado pelo ser humano, segundo o relatório. No total, a exposição a altas temperaturas provocou uma perda recorde de 639.000 milhões de horas de trabalho em 2024, o que causou perdas de 6% do PIB nacional nos países menos desenvolvidos.


A queima contínua de combustíveis fósseis não só aquece o planeta, mas também produz poluição atmosférica, causando milhões de mortes por ano. Os incêndios florestais, avivados por condições cada vez mais quentes e secas, somam-se às mortes causadas pelo fumo, com um recorde de 154.000 mortes registradas em 2024, segundo o relatório. As secas e as ondas de calor prejudicam as culturas e o gado, e 123 milhões de pessoas a mais sofreram insegurança alimentar em 2023, em comparação com a média anual entre 1981 e 2010.


Por que não se estão a cumprir os objetivos de redução de emissões ou nem sequer foram acordados? A resposta é o dinheiro. Apesar do dano, os governos do mundo forneceram 956.000 milhões de dólares em subsídios diretos aos combustíveis fósseis em 2023. Este valor eclipsou os 300.000 milhões de dólares anuais prometidos na COP29 em 2024 para apoiar os países mais vulneráveis ao clima. O Reino Unido forneceu 28.000 milhões de dólares em subsídios aos combustíveis fósseis em 2023 e a Austrália destinou 11.000 milhões. Quinze países, entre os quais a Arábia Saudita, o Egito, a Venezuela e a Argélia, gastaram mais em subsídios aos combustíveis fósseis do que nos seus orçamentos nacionais de saúde.


As 100 maiores empresas de combustíveis fósseis do mundo aumentaram a sua produção prevista no ano até março de 2025, o que daria origem a emissões de dióxido de carbono três vezes superiores às compatíveis com o objetivo do acordo climático de Paris de limitar o aquecimento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, segundo o relatório. Os bancos comerciais estão a apoiar esta expansão, e os 40 principais prestadores do sector dos combustíveis fósseis investirão coletivamente em 2024 o valor mais alto dos últimos cinco anos, 611.000 milhões de dólares. Os seus empréstimos ao sector verde foram inferiores, com 532.000 milhões de dólares.

Financiamento acumulado dos combustíveis fósseis, 2016-2023.

A razão para ampliar a produção de combustíveis fósseis é que é muito mais rentável do que mudar para as energias renováveis. O problema é que os governos insistem em que o investimento privado deve liderar o impulso para as energias renováveis, mas o investimento privado só ocorre se for rentável.


A rentabilidade é o problema, em dois sentidos. Em primeiro lugar, a rentabilidade média à escala mundial encontra-se em níveis baixos, pelo que o crescimento do investimento em todos os âmbitos abrandou de forma similar. Os preços das energias renováveis caíram drasticamente nos últimos anos. Ironicamente, os preços mais baixos das energias renováveis reduzem a rentabilidade deste tipo de investimentos. A fabricação de painéis solares está a sofrer uma grave contração dos lucros, tal como os operadores de parques solares. Isto põe em evidência a contradição fundamental do investimento capitalista entre a redução de custos através de uma maior produtividade e a desaceleração do investimento devido à queda da rentabilidade.


Brett Christophers, no seu livro *The Price is Wrong – why capitalism won't save the planet* (O preço está errado – por que o capitalismo não salvará o planeta), sustenta que não é o preço das energias renováveis face ao dos combustíveis fósseis que representa um obstáculo para alcançar os objetivos de investimento destinados a limitar o aquecimento global, mas a rentabilidade das energias renováveis em comparação com a produção de combustíveis fósseis. Christophers mostra que, num país como a Suécia, a energia eólica pode ser produzida a um preço muito baixo. No entanto, a própria redução dos custos também reduz o seu potencial de receita.


Esta contradição reforçou os argumentos das empresas de combustíveis fósseis de que a produção de petróleo e gás não pode ser eliminada rapidamente. Peter Martin, economista-chefe da Wood Mackenzie, explicou de outra forma: “O aumento do custo do capital tem profundas implicações para as indústrias da energia e dos recursos naturais”, e que as taxas mais altas “afetam de maneira desproporcionada as energias renováveis e a energia nuclear devido à sua alta intensidade de capital e baixos rendimentos.”


Como assinala Christophers, a rentabilidade do petróleo e do gás tem sido, em geral, muito maior que a das energias renováveis, o que explica por que, nas décadas de 1980 e 1990, as grandes empresas petrolíferas e de gás encerraram sem contemplações as suas primeiras iniciativas no âmbito das energias renováveis quase nada mais pô-las em funcionamento. “O mesmo cálculo comparativo explica igualmente por que essas mesmas empresas estão a passar para a energia limpa a um ritmo mais lento que o de um caracol.”


Christophers cita o diretor-executivo da Shell, Wael Sawan, na sua resposta a uma pergunta sobre se considerava aceitáveis para a sua empresa os baixos rendimentos das energias renováveis: "Acho que, no que diz respeito às baixas emissões de carbono, permita-me ser categórico sobre isso. Buscaremos obter bons rendimentos em qualquer negócio no qual nos envolvamos. Não podemos justificar a busca de um rendimento baixo. Os nossos acionistas merecem ver-nos buscar, perseguir, fortes rendimentos. Se não conseguirmos alcançar rendimentos de dois dígitos num negócio, devemos ponderar seriamente se devemos continuar nele. Claro, queremos continuar a reduzir cada vez mais as emissões de carbono, mas tem de ser rentável."


Por estas razões, os economistas do banco JP Morgan concluem que "o mundo precisa de um banho de realidade na sua transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis", e afirmam que podem ser necessárias "gerações" para alcançar os objetivos de zero emissões líquidas. O JP Morgan considera que mudar o sistema energético mundial "é um processo que deve ser medido em décadas, ou gerações, não em anos". Isto deve-se ao facto de o investimento em energias renováveis "oferecer atualmente rendimentos inferiores à média".


A única forma de a humanidade poder evitar um desastre climático é através de um plano global baseado na propriedade comum dos recursos e da tecnologia, que substitua o sistema de mercado capitalista. Entretanto, o esquivar-se continua.