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Licença para matar”: Boluarte assina lei que legitima assassinato como método policial no Peru

16 de junho de 2025

Tradução: Beatriz Cannabrava

Argumento de “legítima defesa” ou percepção de “vida em perigo” permitem às forças de segurança executar cidadãos sem qualquer represália.

Primeiro foi um rapaz contra quem atiraram quando pretendiam capturar alguns suspeitos da prática de delitos. Depois, outro, um “barrista” esportivo que foi abatido porque acreditaram que lançava pedras e bombinhas.

Foram esses fatos o símbolo de um novo período: o da vigência de uma nova disposição legal que faculta à Polícia Nacional o uso de suas armas de fogo quando considera estar diante de um perigo.

Dina Boluarte, sorridente e feliz, promulgou a disposição ditada nesse sentido pelo Congresso da República, e ficou muito satisfeita ao assegurar que, desse modo, contribuiria decisivamente para a luta contra o crime organizado. Sua precária inteligência a levou a supor que, cometendo crimes – isto é, matando –, acabaria com o crime.

Em ambos os casos, a versão dos meios de comunicação foi curiosa. Em um, acusaram os delinquentes de “provocar ações”, no outro, os entusiastas torcedores foram apontados como vândalos e violentos. Em nenhum momento mencionaram a polícia como a responsável.

Fato é que sabem que agora os uniformizados gozam de uma estranha Licença para Matar. Podem fazer uso de suas armas de fogo e não sofrerão qualquer represália por isso.

O argumento é simples: agem “em legítima defesa” ou quando “veem sua própria vida em perigo”, justificativas absolutamente subjetivas, é claro, mas muito úteis: permitem justificar qualquer coisa.

O pano de fundo para essas ações também é simples: “estamos em guerra civil”, diz alarmado o prefeito da capital, Rafael López Aliaga, que ainda culpa Pedro Castillo pela “onda de criminalidade”; enquanto Mávila Huerta, na televisão, clama contra “a crescente onda que é preciso combater”. Com esses discursos, justificam tudo.

Peru: a nova Yanquilândia

Parece, no entanto, que essa campanha é respaldada por um critério mais comercial. Soube-se que novos comerciantes da guerra oferecem hoje pela internet armas como se fossem bolachas, assim como os Estados Unidos da América, onde basta ter dinheiro suficiente para adquirir um fuzil AKM em qualquer supermercado.

E a dedução é lógica: se em um país que é “o berço da democracia” isso acontece, por que não haveria de ocorrer algo semelhante aqui? Afinal, adoramos imitar a Yanquilândia.

Nos Estados Unidos viveram assim há alguns anos – Tom Mix, Roy Rogers e Billy the Kid, lembram? – e hoje são “o país da liberdade”. Foram o país do ouro da Califórnia e do Arizona. O dos desertos claros, das montanhas rumorosas.

E o simples fato de raciocinar desse modo os faz esquecer que hoje têm mais de dois milhões de presos por diversos delitos, e condenações que se acumulam e ultrapassam os 800 anos de prisão.

Eles são também o país onde matam crianças em escolas, como ocorre quase cotidianamente em Kansas, Baltimore, Chicago ou Nova Orleans, para citar apenas algumas localidades, onde o uso de armas de guerra é permitido na vida civil sem qualquer restrição. Por isso, a violência dita as ações daqueles que antes foram os pistoleiros do oeste e hoje são os banqueiros de Nova York.

Há alguns anos, quando a Tchecoslováquia era um país socialista, foi produzido um sugestivo filme que causou furor no mundo e chegou até a ser exibido em Lima. Chamava-se “Joe Cola Loca”. Era uma espécie de paródia bem-humorada em que se misturavam as andanças de um cowboy e sua sede infinita, que o levava a consumir Coca-Cola a todo instante.

Essa mistura do pistoleiro com o refrigerante era, e em boa medida continua sendo, o símbolo do país dos hambúrgueres e da comida lixo.

A classe dominante, nos Estados Unidos e aqui, busca adestrar a sociedade, estabelecendo para ela uma espécie de nomenclatura que a padronize. A ideia não é nova. Nos anos da Alemanha hitlerista, circulava muito uma consigna que constituía uma espécie de receita para as mulheres e mães: “Kinder, Kirche und Küche” (“Crianças, Cozinha, Igreja”). Encaixar a mente das pessoas para que se atenham a ideias pré-estabelecidas é uma espécie de “legado nazista”.

Por ora, os peruanos podemos dizer que temos parlamentares, como o congressista Muñante, para quem “o conhecimento analítico pode perturbar as finas artérias da feminilidade, já que o talento criador foi reservado por Deus para as inteligências dos varões”, como registra Juan Gasparini em sua análise da sociedade espanhola do franquismo.

Aqui buscam cravar em nós a ideia da “guerra” e da “morte” como uma forma de adestrar o cérebro dos peruanos, a fim de assegurar que pensem como eles querem, consumam o que eles oferecem e comprem pistolas e balas para “derrotar” aqueles que se oponham a eles.

Há, no entanto, uma objeção de fundo: essa política só leva a acirrar a natureza do conflito proposto. Já não se resolve com leis nem com detenções, e sim com balas. Os policiais têm direito de matar, e os delinquentes sabem disso. Então, saem para o mesmo. Atiram quando lhes atiram, ou até antes.

Isso leva a enfrentamentos como os ocorridos recentemente na avenida Arequipa ou na Via Expressa. Para uns, trata-se de impor a ordem à bala. Para outros, de defender a própria vida também à bala. Quem ganha com isso? É a cultura da morte que se impõe, mas o que se necessita é a da vida. E isso é o que deve ser construído.

Para gerar o que hoje nos oferece o regime — estender, em benefício de policiais e militares, uma licença para matar — constitui um passo aparentemente seguro; mas não conduz à paz, e sim à guerra. Com certeza, esse não é o caminho do povo.