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“O que os povos da Europa precisam agora não é da indústria da guerra”. Entrevista com Irene Montero

12 de maio de 2025

Via Esquerda.net

Em entrevista ao Esquerda.net, a eurodeputada espanhola e ex-ministra da Igualdade, Irene Montero, parte do caso de importação de munições israelenses que dividiu o Governo espanhol para traçar o caminho perigoso que a Europa está fazendo na corrida armamentista.

Por toda a Europa, as elites anunciam o regresso da economia de guerra e da reindustrialização para a corrida armamentista. Com o pé no acelerador, os líderes europeus parecem seguir aquela sábia máxima de um líder militar britânico que dizia: “se nos prepararmos intensamente para a guerra, vamos consegui-la”. Para trás ficam os serviços públicos, a transição ecológica e as políticas para aumentar os direitos sociais.

Irene Montero é ex-ministra da igualdade de Espanha e eurodeputada do Podemos. Participou no lançamento da campanha eleitoral do Bloco de Esquerda, num comício internacionalista em Almada. Em entrevista ao Esquerda.net, fala sobre a política para o armamento em Espanha e na Europa.

O Governo espanhol dividiu-se recentemente numa polémica sobre a compra de munições a Israel. Que panorama é que isto cria sobre o aumento da despesa com defesa em Espanha?

O principal problema é que o Governo espanhol é cúmplice do genocídio. Criaram uma armadilha, que foi uma discussão entre membros do Governo, que aparentemente terminou com a anulação de um contrato de compra de material bélico a Israel. Mas o Governo espanhol mantém dezenas de contratos militares com Israel, segundo informações do movimento de solidariedade com a Palestina e das organizações de direitos humanos e pela paz. Dezenas de contratos com o Estado genocida de Israel ou com empresas ligadas a ele. Além disso, os nossos portos e aeroportos estão à disposição dos genocidas desde o início do massacre. A Espanha é uma rota essencial para que as armas cheguem a Israel. E o Estado colocou-as à disposição dos genocidas desde o início, o que é contrário ao direito internacional humanitário e ao direito internacional marítimo, mas também, é claro, à legislação espanhola, que diz que a Espanha não pode ser um país de trânsito de armas que serão usadas numa violação dos direitos humanos.

Como é que o Podemos respondeu a esta polémica?

O problema que temos é que o Estado genocida de Israel não poderia estar a cometer este genocídio se não fosse pelo apoio explícito, militar, económico e político da elite europeia, e, claro, dos Estados Unidos. Espanha faz parte disso. E nós acreditamos que não podem ficar impunes e que o genocídio só será detido pela mobilização popular. Mas também que temos de conseguir que aqueles que estão a colaborar com os genocidas, quer queiram ou não, paguem as consequências.

No que diz respeito à produção de armas, a Espanha produz e exporta muito material, ao contrário de Portugal. Como é que o debate sobre armamento está a acontecer no Estado espanhol?

Espanha é um país pacífico e tem uma longa tradição de ativismo pacifista. Em territórios como as Ilhas Canárias, mas também na Catalunha. Há territórios que se opuseram à entrada na OTAN. Já somos um país que investe muito em armas e, como demonstrou o apagão da semana passada, o verdadeiro problema de segurança que temos em Espanha e na Europa tem a ver com a segurança energética e com a soberania energética. Tem a ver com a segurança alimentar e tem a ver com direitos sociais. Digo mais, num mundo em que existem potências nucleares, por muitos gastos com armas que se façam, um país que não possui armas nucleares nunca poderá competir em poder com os países que possuem armas nucleares. E é por isso que estamos a afirmar que, neste momento, a tarefa política mais importante, é a paz. É defender a paz.

Como é que vês essa defesa na prática?

Significa também defender os serviços públicos. Como eu dizia, o apagão demonstrou que as verdadeiras ameaças para os povos da Europa têm a ver com o facto de estarmos nas mãos de grandes empresas, que não se importam que um país fique às escuras desde que continuem a aumentar os seus lucros e a encher os bolsos. Essas são as verdadeiras ameaças à segurança. Os fundos abutres, as grandes empresas que estão a monopolizar a habitação e a tornar impossível alugar uma casa em Espanha, mas também em Portugal, ou que tornam o nosso país dependente em termos energéticos. E, portanto, neste momento defender a paz, defender os serviços e o controlo público dos setores estratégicos da economia, é isso que é preciso fazer para garantir a segurança e não gastar mais em armas. O que, além do mais, está a ser feito em nome de uma suposta autonomia estratégica, quando, na realidade, o aumento das despesas militares e a estratégia de rearmamento que a Espanha está a seguir são exatamente os ditados por Donald Trump.

O caminho da União Europeia para o investimento militar é, portanto, uma submissão à estratégia económica de Trump.

É uma submissão absoluta às ordens de Trump e da OTAN. É por isso que estamos a propor exatamente o contrário: sair da OTAN para deixar de estar sujeitos às decisões militares e políticas dos Estados Unidos da América, e apostar decididamente pela paz. Agora, que as elites europeias finalmente encontraram para a guerra milhares de milhões de euros que nunca encontraram para a habitação, para a saúde ou para as pensões, que os dediquem aos serviços públicos e aos direitos das pessoas.

As principais potências económicas da União Europeia estão a entrar em recessão, segundo indicam os dados mais recentes. A corrida às armas é uma estratégia para fugir à crise económica?

Eu acho que esses dados macroeconómicos não correspondem à realidade que as pessoas estão a viver. Entre outras coisas, porque a dinâmica de geração de riqueza está a ser acumulada pelas grandes empresas, pelo rentismo e pelos fundos abutres, e não está a ser redistribuída para enfrentar os grandes problemas e as grandes violações dos direitos das pessoas. Portanto, acho que existe uma retórica entre as elites europeias de que o rearmamento servirá para uma espécie de reindustrialização, mas o que os povos da Europa precisam agora não é da indústria da guerra, nem do regime de guerra, nem de economias de guerra. O que precisamos é de economias que não desmantelem o nosso estado de bem-estar social. As pessoas não podem esquecer que uma economia de guerra e um regime de guerra só podem ser levados a cabo com cortes sociais drásticos, como reconheceu o primeiro-ministro da Finlândia. Se estamos de acordo com o facto de que as nossas economias [do sul da Europa] não podem ser dependentes do turismo, que temos de abordar uma reindustrialização e uma aposta nas indústrias verdes e na tecnologia, tem de ser numa lógica de paz e de garantia do Estado de bem-estar social, que precisamente o rearmamento e o regime de guerra vão desmantelar e destruir..