Por HEATHER COX RICHARDSON
A eleição de Mamdani pode ser antídoto para a tirania do dinheiro e das ideias pequenas, uma esperança teimosa, cultivada porta a porta, que ergue um governo do povo, para o povo.
1.
O prefeito eleito de Nova Iorque, Zohran Mamdani, membro do Partido Democrata e dos Socialistas Democratas da América, começou seu discurso da vitória na noite do dia 05 de novembro com uma referência a Eugene V. Debs, sindicalista e candidato socialista à presidência nos primeiros anos do século passado: “O sol pode ter se posto em nossa cidade esta noite, mas, como Eugene Debs disse uma vez: ‘Vejo o alvorecer de um dia melhor para a humanidade’”.
O discurso do prefeito eleito de 34 anos foi além de um discurso de vitória. Ele marcou uma nova era, muito semelhante àquela que deu origem ao próprio Eugene Debs. Após mais de quarenta anos em que os americanos comuns viram o sistema político se voltar contra eles e, com o tempo, esqueceram que tinham o poder de mudá-lo, eles despertaram.
Zohran Mamdani começou exaltando os trabalhadores da cidade de Nova Iorque, observando que “até onde podemos nos lembrar”, eles “ouviram dos ricos e dos bem relacionados que o poder não está em suas mãos… E, no entanto”, disse ele, “nos últimos 12 meses, vocês ousaram alcançar algo maior”.
“Esta noite”, disse ele, “contra todas as probabilidades, conseguimos conquistá-lo. O futuro está em nossas mãos”. Nova Iorque, disse ele, obteve “[um] mandato para a mudança. Um mandato para um novo tipo de política. Um mandato para uma cidade pela qual podemos pagar. E um mandato para um governo que cumpra exatamente isso”.
Zohran Mamdani agradeceu “à próxima geração de nova-iorquinos que se recusam a aceitar que a promessa de um futuro melhor seja uma relíquia do passado”. E esse era o cerne de sua mensagem: que a democracia pertence às pessoas comuns. “Lutaremos por vocês”, disse ele, “porque nós somos vocês”.
Ele agradeceu “aos proprietários de bodegas iemenitas e às abuelas mexicanas. Aos taxistas senegaleses e às enfermeiras uzbeques. Aos cozinheiros de Trinidad e às tias etíopes”. Ele garantiu “a todos os nova-iorquinos de Kensington, Midwood e Hunts Point” que “esta cidade é a cidade de vocês, e esta democracia também é de vocês”.
Zohran Mamdani celebrou o árduo trabalho da democracia em sua vitória. Foi uma vitória não apenas para todas aquelas pessoas que compõem a cidade de Nova Iorque, disse ele, mas também para “os mais de 100 mil voluntários que transformaram esta campanha numa força imparável… Em cada batida de porta, em cada assinatura de petição obtida e em cada conversa duramente conquistada, vocês erodiram o cinismo que passou a definir nossa política”.
Com essa base de americanos engajados no trabalho democrático, Zohran Mamdani deu as boas-vindas a uma nova era. “Muitos pensavam que este dia nunca chegaria, temiam que fôssemos condenados a um futuro pior, com cada eleição nos levando simplesmente a mais do mesmo”, disse ele. “E há outros que veem a política hoje como algo cruel demais para que a chama da esperança ainda arda”.
2.
Mas naquela noite, em Nova Iorque, ele também disse: “Nós respondemos a esses receios… A esperança está viva. A esperança é uma decisão que dezenas de milhares de nova-iorquinos tomaram dia após dia, turno após turno do voluntariado, apesar dos ataques publicitários sucessivos. Mais de um milhão de nós estivemos em nossas igrejas, ginásios, centros comunitários, enquanto preenchíamos o livro da democracia”.
“E embora tenhamos votado sozinhos, escolhemos a esperança juntos. Esperança em vez de tirania. Esperança em vez de muito dinheiro e ideias pequenas. Esperança em vez de desespero. E ganhamos porque os nova-iorquinos se permitiram ter esperança de que o impossível pudesse ser possível. E ganhamos porque insistimos que a política não seria mais algo que nos é imposto. Agora, é algo que nós fazemos”.
Zohran Mamdani prometeu um governo que responderia às demandas do povo. Abordaria a crise do custo de vida da cidade, investiria em educação, melhoraria a infraestrutura e reduziria o desperdício burocrático. Ele disse que trabalharia com os policiais para reduzir o crime, ao mesmo tempo em que defenderia a segurança da comunidade e exigiria excelência no governo.
Zohran Mamdani rejeitou não só as calúnias lançadas contra ele durante a campanha, mas também a divisão deliberada do país que tem sido um elemento fundamental da retórica republicana desde 1972, quando o vice do presidente Richard Nixon, Spiro Agnew, assumiu seu papel como principal promotor da “polarização positiva”. Em vez disso, ele apelou à comunidade e à solidariedade.
“Nesta nova era que criamos para nós mesmos”, disse Zohran Mamdani, “recusaremos permitir que aqueles que traficam divisão e ódio nos coloquem uns contra os outros… Aqui, acreditamos na defesa daqueles que amamos, seja você um imigrante, um membro da comunidade trans, uma das muitas mulheres negras que Donald Trump demitiu de um emprego federal, uma mãe solteira que ainda espera que o custo dos mantimentos diminua ou qualquer outra pessoa que esteja com as costas contra a parede. Sua luta também é a nossa”.
Zohran Mamdani, que é muçulmano, prometeu “construir uma prefeitura que se mantenha firme ao lado dos nova-iorquinos judeus e não hesite na luta contra a chaga do antissemitismo. À qual os mais de 1 milhão de muçulmanos sabem que pertencem – não apenas nos cinco distritos desta cidade, mas nos corredores do poder”.
3.
Ele apelou a um governo competente e compassivo. “Durante anos”, disse ele, “os responsáveis pela prefeitura só ajudaram aqueles que os podiam ajudar. Mas, no dia 1 de janeiro, inauguraremos um governo municipal que ajuda todas as pessoas”.
Zohran Mamdani abordou o problema da desinformação na política moderna, observando que “muitos ouviram nossa mensagem apenas pelo prisma da desinformação. Dezenas de milhões de dólares foram gastos para redefinir a realidade e convencer nossos vizinhos de que esta nova era é algo que deve assustá-los”. Ele atribuiu essa desinformação aos muito ricos, em sua busca por dividir os trabalhadores americanos para garantir que manterão o poder. “Como tantas vezes aconteceu”, disse ele, “a classe bilionária procurou convencer aqueles que ganham 30 dólares por hora de que seus inimigos são aqueles que ganham 20 dólares por hora. Eles querem que as pessoas lutem entre si para que continuemos distraídos do trabalho de reconstruir um sistema há muito tempo falido”.
Zohran Mamdani exortou os nova-iorquinos a abraçarem um “novo rumo corajoso, em vez de fugirem dele”. Se fizerem isso, disse ele, “podemos responder à oligarquia e ao autoritarismo com a força que eles temem, não com a apaziguamento que eles desejam”.
Zohran Mamdani identificou o ímpeto popular para derrotar o presidente Donald J. Trump, mas salientou que o objetivo não é simplesmente parar Donald Trump, mas também parar o próximo Trump que surgir. Embora a receita de Zohran Mamdani se concentrasse nas vias de resistência abertas ao governo da cidade de Nova Iorque, ele enfatizou que, para o presidente “atingir qualquer um de nós”, ele terá que “passar por todos nós”.
Zohran Mamdani exortou os nova-iorquinos a “deixarem a mediocridade no passado” e os democratas a “ousarem ser grandes”. Quando Zohran Mamdani disse “Nova Iorque, este poder é de vocês”, e falou aos nova-iorquinos, “esta cidade pertence a vocês”, milhões de americanos ouviram um lembrete de que eles também são poderosos e que o governo dos Estados Unidos da América lhes pertence.
Zohran Mamdani venceu a eleição na quarta-feira com o apoio de pouco mais da metade dos eleitores da cidade, numa eleição caracterizada por uma participação extraordinariamente alta. Andy Newman, do New York Times, observou que, nas últimas quatro eleições para prefeito da cidade de Nova Iorque, menos de um terço dos eleitores registrados compareceram às urnas. Na quarta-feira, mais de 2 milhões de eleitores votaram, a maior participação numa eleição para prefeito desde 1969.
E essa participação é uma parte fundamental da história da onda democrata da última quarta-feira. Como disse Zohran Mamdani, os eleitores americanos parecem, mais uma vez, estar cientes de sua capacidade de ação em nossa democracia.
*Heather Cox Richardson é professora de história no Boston College (EUA). Autora, entre outros livros, de To make men free: a history of the republican party (Basic Books). [https://amzn.to/4qJbLvf]
Tradução: Fernando Lima das Neves
Publicado originalmente na newsletter da autora.
Referências