Por Iosu del Moral, militante anticapitalista de Euskal Herria
Via El Salto
A rejeição do conflito na Ucrânia não é uma questão de neutralidade: nem com a OTAN, nem com Putin, nem com o expansionismo ocidental, nem com o neoczarismo russo.
Desde o início, a infame invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou um caráter que transcendeu a mera ocupação territorial. Desde o início, foi um conflito que respondeu a dinâmicas geopolíticas mais amplas, com implicações que foram muito além do direito legítimo da Ucrânia à defesa ou da firme condenação da agressão russa. A guerra na Ucrânia deve ser entendida como mais uma expressão da luta interimperialista entre dois blocos de poder: por um lado, a Federação Russa, com seus próprios interesses expansionistas e influência na região; e, por outro, a OTAN e os Estados Unidos, que instrumentalizaram o conflito para seus propósitos estratégicos na recomposição do tabuleiro de xadrez geopolítico global.
O conflito, longe de ser um episódio isolado, tem suas raízes na crise de 2014, quando o Euromaidan e a derrubada de Viktor Yanukovych marcaram um ponto de virada na orientação política e econômica do país. A partir desse momento, a Ucrânia ficou presa entre a pressão do Ocidente para consolidar sua adesão ao bloco euro-atlântico e a reação russa, que não estava disposta a tolerar uma maior penetração da OTAN em sua esfera de influência. A anexação da Crimeia e a guerra no Donbass foram as primeiras manifestações desse choque de interesses. A narrativa ocidental, que insiste em apresentar o conflito como uma luta entre democracia e autocracia, ignora deliberadamente o papel das milícias ultranacionalistas ucranianas, a perseguição da população de língua russa e a incorporação de facções de extrema-direita nas forças armadas oficiais da Ucrânia. Essa realidade não justifica a agressão da Rússia, mas qualifica a visão maniqueísta que a grande mídia impôs.
Os Estados Unidos, com sua política histórica de desestabilização e controle de áreas estratégicas, usaram a Ucrânia como peão em seu confronto com a Rússia.
O caráter interimperialista da guerra torna-se ainda mais claro quando se analisa seu desenvolvimento e suas consequências. Os Estados Unidos, com sua política histórica de desestabilização e controle de áreas estratégicas, usaram a Ucrânia como peão em seu confronto com a Rússia. O fluxo incessante de armas e o financiamento maciço do esforço de guerra ucraniano por Washington e seus aliados europeus não respondem a um ideal altruísta de defesa da soberania ucraniana, mas a uma tentativa de desgastar a Rússia por muito tempo, ao mesmo tempo em que fortalece os complexos militar-industriais ocidentais. A Europa, por seu lado, assumiu um papel subordinado na estratégia dos EUA, financiando o esforço de guerra com os seus próprios recursos e justificando uma política de rearmamento que favorece apenas as grandes corporações da indústria de armamento.
Na fase atual do conflito, estamos testemunhando o prelúdio de uma partição neocolonial do território e dos recursos ucranianos. O governo Trump, ao suspender toda a ajuda militar à Ucrânia, está pressionando-a a chegar a uma resolução rápida do conflito, exigindo a privatização de setores estratégicos e concedendo às empresas americanas o controle sobre os principais recursos. A Rússia, por sua vez, já consolidou seu controle sobre 20% do território ucraniano, estabelecendo administrações fantoches em áreas ocupadas e protegendo seus corredores estratégicos no Mar Negro. Nesse cenário, a Ucrânia, longe de ser um sujeito soberano na tomada de decisões, tornou-se uma peça secundária na mesa de negociações entre as potências.
A União Europeia, entretanto, foi reduzida a um ator irrelevante que encontrou na guerra uma desculpa para justificar sua reindustrialização militar. A paranóia belicista tem servido de pretexto para o aumento das despesas com a defesa e para a consolidação de um mercado europeu de armamento que beneficia as grandes empresas do sector. No entanto, a suposta ameaça russa não tem base real, se Moscou, após anos de guerra, não conseguiu colocar a Ucrânia de joelhos, é implausível imaginar que esteja interessada em lançar uma ofensiva contra toda a UE, sabendo que seus exércitos excedem em muito a capacidade militar russa. O que realmente está subjacente a essa estratégia é a criação de uma economia de guerra permanente, onde os orçamentos do Estado são desviados para o complexo militar-industrial em detrimento das políticas sociais.
Como em todas as guerras imperialistas, são as classes populares que pagam o preço, sem terem escolhido ou desejado o conflito, enquanto são reduzidas a meras espectadoras do delírio belicista de poucos. Enquanto os oligarcas russos e as grandes empresas americanas compartilham os lucros do conflito, são os trabalhadores russos e ucranianos que morrem nas frentes de batalha. A guerra, longe de responder aos interesses dos povos, serve apenas para enriquecer a elite que a promove.
Portanto, a posição da esquerda revolucionária não pode ser outra senão a rejeição categórica da guerra e do rearmamento. Dizer "não à guerra" não é uma posição neutra, mas uma posição clara contra a militarização, o expansionismo imperialista e a lógica da pilhagem neocolonial. As mesmas forças que ontem justificaram o envio de armas para a Ucrânia enfrentam agora a contradição de rejeitar o rearmamento da Europa. Mas não pode haver ambigüidades, ou se está do lado dos povos e da paz, ou não se entende que a guerra só alcança a perpetuação da ordem capitalista de que a guerra precisa como motor de acumulação e dominação.
É urgente reconstruir uma alternativa política baseada no internacionalismo e na solidariedade de classe entre os povos. Somente a luta contra o imperialismo em todas as suas formas pode impedir que a classe trabalhadora continue a ser a bucha de canhão para os interesses das elites econômicas. A rejeição do conflito na Ucrânia não é uma questão de neutralidade, mas de coerência revolucionária: nem com a OTAN, nem com Putin, nem com o expansionismo ocidental, nem com o neoczarismo russo. Só uma solução baseada na transformação social, na autodeterminação real dos povos e na desmilitarização do continente pode abrir caminho a uma paz justa e duradoura.