Michael Roberts
Tradução de Eleutério F. S. Prado
Os impactos dos cortes de orçamento de Trump aprofundam as desigualdades promovidas pelas políticas neoliberais, trazem riscos econômicos e incertezas fiscais
1.
A Câmara dos Deputados, a câmara baixa do Congresso dos EUA, na qual o Partido Republicano tem uma pequena maioria, aprovou as propostas de orçamento do governo do presidente Donald Trump. Trump o chama de “The big, beautiful bill“.
Se aprovado, esse projeto estenderia os cortes abrangentes de impostos para os ricos – e especialmente para os mais ricos –, os quais foram aprovados em 2017, durante o primeiro mandato presidencial de Donald Trump. O “belo projeto” de lei também faria grandes reduções no financiamento do seguro saúde (Medicaid), assim como no programa de ajuda alimentar (Food stamps), os quais visam suprir carências de indivíduos e famílias de baixa renda. E, claro, ele também propõe cortes nos subsídios fiscais para energia renovável (drill baby, drill, como costuma entoar).
Donald Trump pediu US $ 163 bilhões em cortes nos gastos federais. Os gastos não relacionados à defesa devem ser reduzidos em 22,6%, ou seja, para seu nível mais baixo desde 2017. E ele vem junto com um aumento acentuado no orçamento de defesa. Embora os serviços governamentais não relacionados à defesa devam ser drasticamente cortados, os gastos do governo aumentarão 13% na “defesa” e 65% na “segurança interna”, com o objetivo de reprimir a chamada “imigração ilegal”.
Os cortes planejados no Medicaid são particularmente brutais. A América é a única economia avançada sem um sistema de cobertura universal de saúde. Os EUA gastam mais de US$ 4,5 trilhões anualmente em saúde. O dispêndio com doenças é o maior componente dos gastos do consumidor norte-americano com serviços (bem acima dos gastos com recreação, alimentação fora de casa e hotéis).
Programas de rede de segurança como o Medicaid tiram 45% dos americanos, que estão abaixo da linha da pobreza, da pobreza extrema. Cortes substanciais nesse programa resultarão em milhões de pessoas e famílias sem seguro saúde. E esses programas não atendem apenas aqueles abaixo da linha da pobreza, mas também milhões de famílias que se encontram um pouco acima dessa linha.
Os cortes de impostos beneficiarão principalmente famílias de alta renda e grandes empresas; já os cortes de gastos afetarão desproporcionalmente as famílias de baixa e média renda. Isso inclui reduções no programa de ajuda médica, nos programas de assistência nutricional, assim como a demissão de centenas de milhares de funcionários federais e o desmantelamento de agências governamentais inteiras.
De acordo com estimativas recentes do Yale Budget Lab, a renda média após impostos e transferências das famílias no quintil inferior e no quintil inferior deve diminuir 5% e 1,4%, respectivamente. Por outro lado, as famílias no quarto e no quintil superior verão suas rendas aumentarem 1,4% e 2,5%, respectivamente. Essas perdas se somam à redução estimada na renda familiar média em 2,8% devido às tarifas de Donald Trump.
O órgão que estima os impactos das mudanças no orçamento – e nas prioridades políticas aí expressas – calcula que essas perdas estimadas dos quintis inferiores são provavelmente conservadoras. Eis que não levam em conta os cortes supervisionados pelo Comitê de Educação e Força de Trabalho da Câmara, que devem afetar as condições de pagamento dos empréstimos estudantis.
2.
O que esse dado diz é que toda a conversa de Donald Trump referente a mudanças nas políticas neoliberais em prol do livre mercado, as quais estão em vigor nos Estados Unidos, em direção a alguma “estratégia industrial”, baseada em protecionismo, pode acontecer apenas no comércio internacional.
As políticas domésticas de Donald Trump são neoliberais com esteroides – mais para os ricos e menos para o resto; mais gastos com a indústria de armas e menos em serviços públicos para o resto; e mais para as grandes empresas e menos para os trabalhadores e para as pequenas empresas. O orçamento de Donald Trump só aumentará a grotesca elevação da desigualdade de riqueza e renda nos EUA vista nos últimos 40 anos.
Mas não é isso o que preocupa a elite dominante dos Estados Unidos. O que é feio para eles não é o aumento da desigualdade, mas o aumento acentuado do déficit orçamentário do governo e da dívida geral do setor público que se seguirá à implementação deste orçamento. O apartidário Comitê para um orçamento federal responsável estima que a proposta orçamentária de Donald Trump aumentaria a dívida pública em pelo menos US $ 3,3 trilhões até o final de 2034. Também aumentaria a relação dívida pública/PIB de 100% hoje para um recorde de 125%. Isso excederia o aumento para 117% projetado durante esse período sob a lei atual. Enquanto isso, os déficits anuais aumentariam para 6,9% do PIB, de cerca de 6,4% em 2024.
Será que isso é importante? Afinal, as autoridades dos EUA podem tomar emprestado mais dólares junto aos bancos e instituições financeiras por meio da emissão de títulos do governo. Mas o governo deve pagar juros sobre esses títulos extras por uma década ou mais à frente. Ora, pode-se confiar no governo dos EUA sob Trump para controlar os gastos e cumprir suas obrigações?
A Moody’s, a maior agência de crédito dos EUA, que monitora a probabilidade de inadimplência de dívidas de empresas, não tem agora tanta certeza quanto antes. Ela anunciou um rebaixamento na qualidade de crédito da dívida do governo dos EUA. Como resultado, os juros exigidos pelas instituições financeiras na compra de dívida do governo dos EUA aumentaram de imediato. O rendimento dos títulos do tesouro de 30 anos subiu para um pico de 5,04% e este é o nível mais alto desde 2023.
Isso aumentará o custo dos juros da dívida do governo. De acordo com a Moody’s, os pagamentos de juros nos EUA estão a caminho de consumir 30% da receita do governo federal até 2035, em comparação com 9% em 2021. Contudo, o mais importante é que isso também se refletirá nos juros cobrados em todos os empréstimos de empresas e hipotecas domésticas.
Se as empresas não conseguirem acesso ao crédito, isso pode interromper o investimento e levar à perda de empregos ao longo do tempo. Aqueles que querem viajar pelo mundo e aqueles que desejam comprar uma casa, ou mudar para uma casa melhor, também podem enfrentar custos mais altos.
3.
Os conselheiros da MAGA de Donald Trump dizem que o aumento do orçamento se pagará com maior crescimento devido aos cortes de impostos e às desregulamentações em curso. Trata-se da clássica teoria do “gotejamento” segundo a qual os cortes de impostos para os ricos impulsionarão o crescimento econômico. Ora, essa teoria, continuamente reivindicada pelos economistas do livre mercado, tem sido refutada repetidamente na história recente; ela não se mostra como uma teoria correta e eficaz.
Os afiliados à MAGA argumentam que as receitas dos aumentos tarifários propostos sobre as importações estrangeiras compensarão a perda de receita devida aos cortes de impostos propostos. Isso, é claro, é um absurdo. O Escritório do orçamento do Congresso calcula que os aumentos tarifários de Trump arrecadarão US$ 245 bilhões a mais em receitas fiscais do que no ano fiscal de 2024. Mas essa é uma pequena quantia em relação aos US $ 5,2 trilhões em receitas fiscais totais que esse órgão espera para este ano e o déficit orçamentário de US $ 1,8 trilhão.
Os conselheiros da MAGA no governo Donald Trump querem que o Federal Reserve desregulamente o setor financeiro para remover as restrições à alavancagem financeira (ou seja, os limites de compra de ativos) dos bancos para que eles possam comprar mais títulos do Tesouro dos EUA. Parece que a lição da crise bancária de março de 2023 vai ser agora ignorada. Eis que nessa crise alguns bancos regionais faliram porque detinham muitos títulos do governo dos EUA, os quais na conjuntura desfavorável, de repente, caíram de valor.
Alguns até sugeriram que a generosidade fiscal de Donald Trump realmente levará a uma crise financeira – assim como aconteceu com Liz Truss no Reino Unido. Muito brevemente (47 dias) Liz Truss foi primeira-ministra do Reino Unido no governo conservador, em 2022. Ela introduziu um “orçamento para o crescimento” que reduziu os impostos para os ricos segundo a fórmula do “gotejamento”. O aumento projetado do déficit orçamentário e da dívida pública do Reino Unido assustou os detentores de títulos do Reino Unido. Os fundos de pensão em particular, que detinham uma grande parte dessa dívida, recuaram na compra de tal modo que o valor desses títulos despencou.
Por isso, o Banco da Inglaterra foi forçado a intervir e comprar títulos para impedir que as taxas de juros saíssem do controle. Além disso, a libra esterlina caiu para seu nível mais baixo de todos os tempos nos mercados de câmbio. Em poucas semanas, o Partido Conservador removeu Liz Truss da liderança, sob a pressão das instituições financeiras que financiaram os conservadores. O ex-gerente de fundos de hedge e executivo do Goldman Sachs, Rishi Sunak, assumiu o seu lugar. Foi assim que os mercados governaram mais uma vez.
Ainda assim, um “momento Truss” não vai acontecer nos EUA. O Reino Unido tem déficits gêmeos na balança comercial e no orçamento público tal como os EUA; no entanto, ele depende muito mais da “bondade de estranhos” – usando aqui um termo empregado pelo atual primeiro-ministro canadense e ex-governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney.
Em outras palavras, os déficits, assim como os investimentos na indústria do Reino Unido, devem ser financiados por investimento estrangeiro, mediante a compra de seus títulos e uso de sua moeda. Essa “bondade” desapareceu da noite para o dia sob Liz Truss. Mas isso não deve acontecer sob Donald Trump porque o dólar americano é a moeda de reserva mundial, ou seja, é a principal moeda de comércio e de investimento. É verdade que o dólar caiu nos últimos meses sob Trump após sua guerra tarifária e após seus planos orçamentários. Mas ainda está em níveis relativamente altos historicamente.
4.
A verdadeira questão não são os déficits comerciais e governamentais ou as oscilações e reviravoltas da guerra tarifária de Trump. Mais importante é a decisão de impor uma tarifa de 50% sobre todas as importações da Europa na próxima semana, a menos que haja um acordo comercial. Os economistas dos mercados financeiros e dos bancos de investimento ficam confusos diante das birras de Donald Trump, porque eles não têm certeza se o fator “taco” está operando – ou seja, a noção de que Trump sempre se acovarda em suas ameaças no final.
A verdadeira questão é saber se a economia dos EUA está caminhando para uma recessão, ou seja, se haverá um declínio na produção e no investimento nacionais, assim como um aumento significativo no desemprego; ou, alternativamente, se o país viverá uma estagflação, situação na qual a economia fica parada em termos de produção e renda, mas a inflação e as taxas de juros permanecem altas.
No primeiro trimestre de 2025, o PIB dos EUA caiu 0,3% em relação à primeira estimativa – que pode ser revisada para cima na próxima estimativa. Ao se retirar as exportações e importações e os gastos do governo, o setor privado doméstico ainda está crescendo modestamente. Mas a economia dos EUA está à beira de um precipício, pois as tarifas de Trump, que permanecem em vigor e que são cerca de 15% mais altas em média do que antes, podem derrubá-la do penhasco.
Um indicador de recessão muito utilizado é a chamada “medida de Sahm”. A estatística, batizada em homenagem à ex-economista do Federal Reserve Claudia Sahm, compara a taxa média de desemprego de três meses mais recente com a média mínima de três meses do ano anterior. Se a diferença for maior que 0,5% pontos, isso é sinal de que uma recessão já está em andamento.
A medida de Sahm atualmente está perto de 0,3%; em consequência, os aumentos mensais da taxa de desemprego teriam de estar na casa do 0,1% até setembro de 2025 para atingir o limite. Portanto, segundo este indicador, a economia dos EUA não está em recessão; ademais, mesmo um outro trimestre de crescimento negativo provavelmente também não será suficiente para gerar uma crise mais forte.
Mas, para mim, o desemprego não é um bom indicador do movimento da economia. Uma teoria marxista das crises começa com os lucros, passa daí para o investimento e somente depois chega na renda e no emprego. Portanto, o principal indicador são os lucros. Por enquanto, os lucros corporativos ainda estão aumentando, embora em ritmo lento. Mas se os lucros começarem a cair, não demorará muito para que o investimento nos setores produtivos da economia (indústria, informação, transporte, produção de combustíveis fósseis etc.) comece a despencar. Isso sinalizará o início de uma recessão.
As empresas americanas agora enfrentam uma desaceleração da demanda por seus bens e serviços, principalmente por aqueles destinados à exportação. Ademais, as tarifas aumentarão os custos de produção, os quais terão de ser absorvidos pelas empresas, o que reduzirá os lucros. Assim, elas terão de optar entre demitir trabalhadores ou repassar o aumento de custo para os preços pagos pelas famílias e por outras empresas – ou ambas as alternativas.
Adicione ao aperto nos lucros as taxas de juros crescentes e relativamente altas sobre os novos empréstimos e sobre o serviço da dívida existente. O Citibank calcula que o crescimento médio dos lucros corporativos cairá para apenas 1% este ano. E um estudo recente do Fed descobriu que uma “parada repentina” nas importações chinesas afetaria 7% do investimento corporativo dos EUA.
Além disso, as empresas que obtiveram lucros no ano passado não estão reinvestindo em nova capacidade. Ao contrário, elas estão comprando de volta suas próprias ações para aumentar os seus preços. Importa mencionar de passagem que o montante dessa compra chegou a US$ 500 bilhões nos últimos três meses.
As famílias americanas também não estão confiantes sobre os rumos da economia e o mesmo vale para os consultores da MAGA ou para os economistas dos bancos de investimento. A confiança do consumidor caiu para o segundo nível mais baixo já registrado.
E isso não é surpreendente já que uma certa diferença está crescendo: a diferença entre o que os americanos ganham e quanto eles precisam trazer para casa para alcançar um padrão de vida decente. De acordo com o Instituto Ludwig para a Prosperidade Econômica Compartilhada (LISEP na sigla em inglês), uma “qualidade de vida mínima” está fora de alcance para 60% das famílias americanas mais pobres segundo o critério da renda.
A taxa oficial de desemprego dos EUA de 4,2% subestima muito o nível das dificuldades econômicas por que passam os trabalhadores desse país. O LISEP leva em consideração os trabalhadores que se encontram empregados, mas recebendo salários muito baixos, assim como as pessoas que não conseguem encontrar emprego em tempo integral. Considerando tudo isso, a taxa de desemprego nos EUA vai além de 24% da força de trabalho.
As famílias americanas, que em 2023 ganharam em média US$ 38.000 por ano, precisariam ganhar US$ 67.000 para pagar os bens e serviços que uma família precisa para ter uma vida decente. Os custos de moradia e saúde aumentaram, enquanto o montante necessário para frequentar uma universidade pública aumentou 122%. Enquanto isso, os ganhos médios dos 60% mais pobres caíram 4% entre 2001 e 2023.
E agora eles devem receber a “grande, bela” conta do corte de impostos de Donald Trump.[1]
Nota do Tradutor
[1] Veja agora o que William L. Silber (ex-professor de finanças e economia da Stern School of Business da Universidade de Nova York) diz numa nota publicada pelo portal Project Syndicate sobre as perspectivas do segundo mandato de Donald Trump e sobre o risco de inadimplência da dívida dos EUA:
“Há boas razões para se preocupar. Donald Trump exibe toda a imprudência e comportamento arriscado que caracterizou os presidentes anteriores dos EUA em seus segundos mandatos. A questão mais urgente e óbvia a ser observada seria a dívida dos EUA, dada a conhecida propensão de Trump a declarar falência.
Donald Trump sabe uma coisa ou duas sobre inadimplência de dívidas. Os seus negócios entraram com pedido de reorganização sob código de falências dos EUA pelo menos quatro vezes. Visavam para superar o endividamento excessivo – primeiro com Trump Taj Mahal, em 1991, depois Trump Plaza Hotel, em 1992, Trump Hotels and Casino Resorts 12 anos depois e Trump Entertainment Resorts, em 2009.
Além disso, Donald Trump se gaba abertamente dessa estratégia. “Eu usei as leis deste país assim (…) para fazer um ótimo trabalho para minha empresa, para mim, para os meus funcionários e para a minha família”, disse ele em 2015. Não é de admirar que tenha havido especulações de que ele possa escolher a falência em vez de pagar uma multa de US $ 450 milhões devida por ele ao Estado de Nova York após sua condenação civil por fraude.
Embora a falência pessoal seja uma questão entre Donald Trump e Nova York, a sua predileção por usar desse modo a lei de falência deve preocupar a todos nós. Ao ser eleito, o governo Trump passou a enfrentar um problema de crédito semelhante, mas muito maior: o crescente fardo da dívida do governo dos EUA. Trump pode tentar resolver o problema por meio de inadimplência, assim como o fez em seus negócios privados. Este é um evento de baixa probabilidade, mas que teria consequências catastróficas. Ora, isso poderia ajudar a explicar o aumento do preço do ouro para valores máximos este ano, à medida que as perspectivas presidenciais de Trump foram se impondo.
Para ter certeza, não há nenhuma disposição no atual código de falências que permita ao governo federal buscar proteção da mesma forma que uma empresa ou um indivíduo. Mas, como presidente, Trump pode ordenar que o secretário do Tesouro se abstenha de pagar juros ou pagar o principal da dívida federal. A falta de um pagamento colocaria os Estados Unidos em inadimplência. Mas os detentores de títulos, nesse caso, poderiam fazer pouco mais do que processar o Tesouro dos EUA para tentar obter de volta o seu dinheiro. Ora, Trump pode acreditar que pode negociar um acordo com os principais credores da América (Japão, China etc.).
É claro que um calote destruiria a imagem da dívida dos EUA como porto seguro para o investimento de capital financeiro – o dólar, como se sabe, é a pedra angular do mundo financeiro contemporâneo. Mas por que isso deveria parar Trump? Ele gosta de correr riscos com o dinheiro de outras pessoas, especialmente quando sua própria exposição é limitada. Como ele diz em The Art of the Deal, “Proteja o lado negativo, pois o lado positivo cuidará de si mesmo”. Além disso, os presidentes em segundo mandato tendem a se tornar mais imprudentes porque não são mais restringidos pelas urnas. A sua desvantagem limitada incentiva a tomada de riscos.
Por exemplo, os presidentes republicanos Richard Nixon e Ronald Reagan e o presidente democrata Bill Clinton abusaram da opinião pública em seus segundos mandatos. Nixon encobriu o roubo de Watergate, Reagan admitiu ter trocado armas por reféns no escândalo Irã-Contras e Clinton sofreu impeachment por perjúrio e obstrução da justiça.
Mas esses casos parecem anedóticos. Para demonstrar de forma convincente que as dificuldades enfrentadas pelos “patos mancos” tendem a incentivar ações arriscadas exigiria um experimento rigoroso. Se fosse possível colocar o executivo-chefe em um reality show, se em adição fosse admissível fabricar perigos semelhantes durante dois mandatos em sequência, poder-se-ia comparar os resultados, chegando a uma melhor conclusão.
Na verdade, os dois experimentos ocorridos no século XX substituem bem esse experimento. O presidente Woodrow Wilson foi eleito em 1912, reeleito em 1916 e enfrentou o problema da Primeira Guerra Mundial durante os dois mandatos. Ele evitou entrar na Grande Guerra durante seu primeiro mandato, apesar da pressão de seus conselheiros mais próximos e do naufrágio do Lusitânia pela Alemanha em maio de 1915 (que custou 128 vidas americanas). Mas em 6 de abril de 1917, cinco meses após sua reeleição, ele descartou seu slogan de campanha, “Ele nos manteve fora da guerra”, e declarou guerra contra a Alemanha.
O segundo experimento envolve Franklin D. Roosevelt, um “pato manco” presuntivo que foi reeleito para um segundo mandato em 1936. Roosevelt discutiu com seu gabinete uma ação agressiva para restringir o poder da Suprema Corte em 1935; eis que esse Tribunal derrubou partes importantes de sua legislação do New Deal. Mas os seus conselheiros consideraram próxima a eleição que ocorreria em 1936 e, por isso, Roosevelt resolveu atrasar os seus planos. Então, em 5 de fevereiro de 1937, três meses após sua vitória esmagadora, ele propôs uma legislação para aumentar o número de juízes da Suprema Corte de nove para 15.
A proteção contra perdas políticas incentiva a tomada de riscos. O segundo mandato de Donald Trump pode se juntar à lista de presidentes imprudentes, colocando os EUA em inadimplência em seus títulos. A dívida dos EUA perderia sua posição singular e todos os privilégios que a acompanham. Ao mesmo tempo, Donald Trump culparia os democratas por seus excessos.
Como observou um editorial recente do Wall Street Journal, se “as tarifas não conseguirem reordenar o sistema de comércio global”, alguns temem que Trump “imponha um corte da taxa juros sobre a dívida do Tesouro, tal como propôs o economista-chefe da Casa Branca, Stephen Miran”. Como isso, “a taxa de retorno seria reduzida”, o que “equivaleria a um calote parcial dos EUA”. Os advogados de falências podem discutir se essa estratégia tributária conta como inadimplência, mas a lógica é aparentemente tão convincente para o conselho editorial do aludido jornal quanto para mim”.