A aliança suja da direita panamenha

POR OWEN SCHALK

TRADUÇÃO
PEDRO SILVA

Panamenhos foram às ruas para protestar contra a austeridade neoliberal, a mineração canadense e a presença militar dos EUA. O governo de direita de Raúl Mulino, intimamente ligado aos interesses estadunidenses, respondeu prendendo milhares de pessoas.

“Vivemos em uma ditadura de direita.” É assim que Joyner Myron Sánchez, secretário-geral adjunto da organização política anti-imperialista Juventudes Revolucionarias (JR), descreve a situação no Panamá hoje. “Se você discorda [do governo], pode ir para a cadeia ou ser assassinado.”

Desde o início de 2025, movimentos sociais panamenhos se mobilizam para protestar contra a agenda econômica neoliberal e a política externa pró-EUA de seu presidente, José Raúl Mulino. Especificamente, os panamenhos estão resistindo à reforma neoliberal da previdência social conhecida como Lei 462, aos planos de reabertura de uma mina de cobre canadense amplamente criticada e a um acordo de segurança assinado pelos Estados Unidos e pelo Panamá que aumentará a presença militar estadunidense no país. As autoridades panamenhas responderam prendendo milhares de pessoas, matando vários manifestantes e, na província de Bocas del Toro, suspendendo direitos constitucionais como a liberdade de reunião e mandados de prisão.

Em meio à repressão, os governos dos EUA e do Canadá não se manifestaram contra o governo. Isso provavelmente se deve ao fato de ambas as nações terem interesses materiais significativos no Panamá — para os Estados Unidos, interesses militares e estratégicos, e para o Canadá, investimentos em mineração. As demandas anti-imperialistas dos movimentos sociais panamenhos, a saber, a retirada militar dos EUA e o cancelamento permanente de um importante contrato de mineração canadense, representam um desafio direto aos interesses dos governos do norte.


A revolta que veio antes

No final de 2023, uma revolta contra a mineradora First Quantum Minerals, sediada em Vancouver, varreu o país, paralisando efetivamente a economia do Panamá até que o governo concordasse em fechar a mina. Inicialmente, o governo respondeu com intensa repressão para proteger o valioso projeto, incluindo repressão aos sindicatos e mais de 1.500 casos de detenção arbitrária. Quatro manifestantes foram mortos durante a revolta. Em seu auge, a mina Cobre Panamá representava cerca de 5% do PIB do Panamá e 40% da receita anual da empresa. No entanto, acordos corruptos de bastidores entre a First Quantum e o governo panamenho, o impacto ambiental devastador da mina e a resiliência dos manifestantes acabaram levando ao cancelamento do contrato com a empresa e ao fechamento da mina.

As eleições gerais de maio de 2024 no Panamá foram realizadas no contexto desses eventos. Nos dias que antecederam a eleição, todos os candidatos se comprometeram a apoiar o cancelamento do contrato amplamente impopular da First Quantum, incluindo candidatos pró-empresas como Raúl Mulino. Mulino, que só se tornou candidato à presidência depois que o empresário de direita e ex-presidente Ricardo Martinelli foi considerado inelegível por uma condenação por lavagem de dinheiro, acabou vencendo com 34% dos votos. A indignação popular com o Partido Revolucionário Democrático (PRD) no poder foi tão intensa que ele obteve apenas 6% dos votos na noite da eleição.

“Mulino prometeu trazer prosperidade econômica e harmonia social ao Panamá após meses de protestos. Mas, ao assumir o cargo, imediatamente irritou os panamenhos ao pedir a reabertura da mina de propriedade canadense.”

Durante sua campanha, Mulino prometeu trazer prosperidade econômica e harmonia social ao Panamá após meses de protestos. Mas, ao assumir o cargo, imediatamente irritou os panamenhos ao pedir a reabertura da mina de propriedade canadense. “A mina pagou o preço pelo descontentamento nacional acumulado”, disse o presidente em novembro de 2024. “Para mim, a mineração é uma questão de extrema importância no atual contexto econômico do país.”

A reviravolta de Mulino em relação à mina não se deveu apenas a considerações econômicas. Ele provavelmente também cedeu à pressão para agradar aos operadores canadenses da mina, uma atitude perfeitamente plausível para um homem que passou sua carreira política se recusando a enfrentar o imperialismo ocidental. Às vezes, até o cortejando diretamente.


Uma história de subserviência aos Estados Unidos

Ofracasso de José Raúl Mulino em defender a soberania panamenha não é surpreendente, dados seus laços com os Estados Unidos. Além de ter estudado lá, buscou ativamente a intervenção estadunidense.

No final da década de 1980, Mulino pressionou pela intervenção dos EUA contra o então líder militar Manuel Noriega. Mulino foi um dos fundadores da Cruzada Cívica, um movimento de oposição que incluía ativistas e sindicalistas, mas era liderado e criado por empresários que sentiam que Noriega os havia despojado de poder e influência. Essa facção esperava recuperar sua influência por meio de uma intervenção estrangeira, um desejo que os Estados Unidos atenderam com prazer. Foram enviados US$ 10 milhões à oposição de Noriega para concorrer às eleições de maio de 1989. A vitória da oposição e a anulação do pleito pelos militares deram aos Estados Unidos mais justificativa para atacar.

A invasão do Panamá pelos EUA, promovida por Mulino e outros empresários, acabou matando milhares de pessoas e transformou o bairro pobre de El Chorrillo, na Cidade do Panamá, em uma “Pequena Hiroshima”. A influência de Mulino foi logo restaurada; ele atuou como ministro das Relações Exteriores no governo que sucedeu Noriega. Essas histórias não passam despercebidas pelos manifestantes de hoje. Como Sánchez, do JR, afirmou: “[Mulino] fazia parte do grupo que pediu a invasão militar dos EUA. Há até fotos dele comemorando na embaixada dos EUA — enquanto isso, panamenhos estavam sendo assassinados pelo exército estadunidense.”

Os laços estreitos de Mulino com os Estados Unidos continuaram. De 2009 a 2014, ele foi conselheiro próximo do presidente Martinelli, cujo governo supervisionou a assinatura do Acordo de Livre Comércio Panamá-Estados Unidos. Como Ministro da Segurança Pública de Martinelli, Mulino anunciou que os militares estadunidenses haviam obtido acesso a duas bases navais panamenhas sob a justificativa de combater o narcotráfico. Agora como presidente, Mulino aprovou novamente a presença de tropas dos EUA no Panamá, desta vez com a justificativa adicional de “proteger” o Canal do Panamá.

A subserviência de Mulino aos Estados Unidos — em questões militares, política econômica e o Canal do Panamá — é um dos vários fatores que impulsionaram movimentos sociais à ação. Como disse um manifestante à agência de notícias alemã DW: “Este homem no governo estadunidense [Donald Trump] decidiu que o canal pertence a eles e, no Panamá, ele tem um presidente obediente.

Protesto e repressão

Odescontentamento público começou a aumentar em janeiro de 2025, em meio às ameaças de Donald Trump de “retomar” o Canal, que os Estados Unidos entregaram ao Panamá em 1999. Manifestantes foram às ruas para denunciar as ameaças de Trump e queimar bonecos do presidente dos EUA.

No mês seguinte, o Secretário de Estado Marco Rubio visitou a Cidade do Panamá e disse a Mulino que a presença econômica da China no Canal era “inaceitável”. Mulino entendeu a mensagem: anunciou rapidamente que o Panamá reverteria sua decisão de 2017 de aderir à Nova Rota da Seda da China. Para muitos panamenhos, isso foi mais uma indicação da ânsia de Mulino em sacrificar a soberania do país para agradar aos Estados Unidos.

E não para por aí. Mulino concordou em fechar o Estreito de Darién para limitar a migração irregular para os Estados Unidos e ofereceu o Panamá como destino para “nacionais de países terceiros”, deportados enviados dos Estados Unidos para um país que não é o seu. Em abril, Mulino assinou um acordo de segurança com o governo Trump que dá prioridade a navios estadunidenses no Canal do Panamá. O acordo também prevê que militares dos EUA realizem “permanências rotativas” em bases panamenhas.

“A indignação com a austeridade neoliberal, a corrupção da mineração canadense e o imperialismo estadunidense convergiram para um poderoso movimento de protesto no qual uma parcela diversa da sociedade panamenha desempenhou um papel crucial.”

A indignação com a austeridade neoliberal, a corrupção da mineração canadense e o imperialismo estadunidense convergiram para um poderoso movimento de protesto no qual uma parcela diversa da sociedade panamenha desempenhou um papel crucial. O maior sindicato da construção civil do país, o SUNTRACS, tem sido uma força motriz por trás dos protestos. Em resposta, o governo invadiu sua sede, emitiu mandados de prisão falsos contra seus membros e até mesmo forçou seu líder, Saúl Méndez, a buscar asilo político na embaixada da Bolívia.

Enquanto a SUNTRACS, juntamente com dezenas de sindicatos de estudantes e professores, realizava protestos massivos na capital, os trabalhadores da indústria da banana em Bocas del Toro também estavam em greve. Francisco Smith, líder de um dos seus principais sindicatos, o SITRAIBANA, foi preso no mês passado sob a acusação de orquestrar bloqueios de estradas em Bocas del Toro. Antes de sua prisão, milhares de trabalhadores da indústria da banana haviam sido demitidos pela Chiquita — anteriormente conhecida como United Fruit Company — por aderirem às greves.

Grupos antimineração que se opõem à reabertura da Cobre Panamá e organizações juvenis como a JR também aderiram aos protestos e enfrentaram repressão. O mesmo aconteceu com as comunidades indígenas Ngäbe-Buglé. Segundo relatos, elas foram monitoradas por drones e helicópteros, submetidas a cortes de energia deliberados e ameaçadas com o uso de armas de fogo.

Por sua vez, Mulino insultou quase todas as parcelas do movimento. Ele chamou os oponentes da Cobre Panamá de “parasitas”. Disse que os estudantes que se manifestavam se comportavam como “terroristas”. Suas forças de segurança rotularam os grevistas de “radicais” e “vândalos”. Agora, o índice de desaprovação de Mulino está próximo de 70%. Sob seu regime de austeridade, apenas 9% dos panamenhos acreditam que seu país está caminhando na direção certa.


“Sonhamos com um Panamá livre”

Os protestos no Panamá são uma luta por soberania, desenvolvimento igualitário e pelo direito de protestar. A violência da resposta do Estado deve ser atribuída, em primeiro lugar, ao presidente Mulino, que reprimiu com afinco, recusou-se a negociar e voltou atrás em promessas importantes de campanha. Ao pressionar por um maior domínio militar na região, no entanto, os Estados Unidos também estão profundamente implicados no descontentamento popular.

O mesmo acontece com o governo canadense. Em 2023, durante a revolta nacional contra a First Quantum, o silêncio dos políticos e da mídia canadenses foi profundamente intrigante para os panamenhos, que esperavam alguma forma de condenação da corrupção da empresa. Desta vez, a história é praticamente a mesma. Mark Carney, eleito primeiro-ministro como oponente do expansionismo estadunidense e defensor estoico da soberania canadense, não se pronunciou sobre os protestos. Carney, em vez disso, deu continuidade à tradição de governos canadenses apoiarem mineradoras sediadas no Canadá em disputas com governos do Sul Global.

O Panamá, há muito tempo submetido à dominação de potências estrangeiras, agora tem um presidente que pouco faz para reagir. Não é surpresa, portanto, que a liberdade se agigante como um sonho entre os manifestantes.Como disse Sánchez: “Sonhamos com um Panamá completamente livre, onde não haja presença do imperialismo estadunidense em lugar nenhum. Nosso hino começa dizendo que ‘finalmente alcançamos a vitória’. É isso que queremos. Alcançar finalmente a nossa verdadeira e única vitória, que é romper com as amarras do imperialismo e deixar nosso povo livre para construir a soberania, a soberania de verdade.”

Owen Schalk

é colunista da revista canadense Dimension. Seu livro sobre o papel do Canadá na guerra no Afeganistão será lançado pela Lorimer Books ainda este ano.