A batalha dos Groypers dentro do Partido Republicano

Por Craig Johnson

Tradução de Gabriel Macedo


No outono de 1964, o Partido Democrata parecia ter assumido o controle decisivo da política nacional dos EUA. O ex-vice-presidente e então titular Lyndon B. Johnson¹ recuperou-se do terrível revés do assassinato do presidente John F. Kennedy no ano anterior, e derrotou seu desafiante hiperconservador republicano, Barry Goldwater, por uma margem quase sem precedentes. Johnson, com 61%, ganhou mais votos eleitorais estaduais e mais votos populares do que qualquer candidato desde 1820. Os democratas também varreram as eleições para o Congresso, ganhando um total de 36 cadeiras para garantir uma maioria de dois terços na Câmara dos Representantes. Foi a melhor eleição que os democratas já tiveram em seus quase 150 anos de história.

No entanto, em vez de estabelecer bases firmes para uma política nacional dominada pelos democratas, a eleição Johnson-Goldwater inspirou uma geração de estrategistas e organizadores de direita. Após a vitória de Johnson em 1964, apenas um outro democrata (Jimmy Carter) conseguiu vencer a presidência até 1992 (28 anos), e o Partido Republicano — e, em muitos aspectos, a política americana como um todo — deslocou-se decisivamente para a direita. Isso foi em grande parte o resultado da organização bem-sucedida de um movimento que ficou conhecido como Nova Direita², organização que parecia, para observadores externos, uma luta interna constrangedora dentro do Partido Republicano entre os republicanos centristas e os chamados republicanos de Goldwater. Porém, em vez de prejudicar o Partido Republicano, essa guerra civil de direita foi o precursor da ascensão da direita cristã que dominaria o partido pelas próximas décadas.

Um padrão semelhante pode estar se repetindo no Partido Republicano de hoje, desta vez não na esteira de uma derrota terrível, mas de uma vitória decisiva. Tendo se atado a Donald Trump, a coalizão do Partido Republicano está em crise. E, como no caso da campanha de Goldwater, a ala extrema e agora marginal do partido pode expandir sua influência.

Delimitando os Groyper’s

As pessoas que tentaram e falharam em eleger Goldwater não desistiram. Elas permaneceram na política por décadas depois, trabalhando arduamente para colocar suas ideias na corrente principal. Lutando não apenas contra os democratas, mas contra forças moderadas dentro do Partido Republicano. Esses jovens radicais fundaram e compuseram dezenas de organizações de direita relevantes, desde a Moral Majority até a Heritage Foundation. Alguns de seus líderes se tornaram famosos: Phyllis Schlafly, que liderou a campanha bem-sucedida contra a Emenda dos Direitos Iguais, ou Paul Weyrich, que desenvolveu a Heritage Foundation e lançou as bases para novos quadros de líderes extremos de direita. A eleição de Ronald Reagan em 1980 e a de George W. Bush em 2000 foram os frutos de seu trabalho, uma transformação completa do Partido Republicano de um partido menos ideológico de grandes negócios para uma coalizão de evangélicos e devotos do “livre mercado”.

Atualmente, podemos estar vendo algo similar dentro da campanha de Trump e entre a direita mais ampla. Não surpreendentemente, muitos membros da equipe de campanha eram significativamente mais conservadores do que o infamemente não ideológico Trump. História após história tem mostrado que os escritórios de muitos políticos republicanos de direita agora são compostos por “Groypers”, um movimento fascista liderado pelo jovem Nick Fuentes.

Um subconjunto particularmente nocivo da “alt-right”³, que ganhou notoriedade na mídia após a vitória de Trump em 2016, os Groypers surgiram em 2019, pouco antes da derrota de Trump na reeleição (à medida que a Nova Direita emergiu da derrota de Goldwater em 1964). Os Groypers representam a extrema direita da política dos EUA, a linha tênue entre os forasteiros fascistas e a facção nacionalista cristã que tenta surfar na campanha de Trump em direção ao domínio do Partido Republicano. Eles são abertamente antissemitas, espalham ameaças contra judeus e empatizam abertamente com Hitler. Eles são nacionalistas cristãos e brancos, usam imagens e linguagem associadas às Cruzadas para descrever suas postagens raivosas e sua violência. Eles também são orgulhosamente misóginos e anti-LGBTQ, invertendo o slogan“my body, my choice” para “your body, my choice”4,sublinhando sua oposição ao aborto e seu apoio explícito à dominação patriarcal.

Eles são, em sua maioria, jovens, e não são muitos. Mas são barulhentos, ativos e determinados actransformar a política dos EUA.

Antes da reeleição de Trump, seu golpe mais público foi um jantar em 2022 que contou com a presença de Donald Trump, Fuentes e Kanye West, mas seu foco principal tem sido organizar conferências alternativas da extrema direita, fora da Conferência de Ação Política Conservadora e do Turning Point USA. Mais recentemente, eles dispararam os primeiros tiros na disputa pelo poder interno do Partido Republicano, neste caso sobre o uso de vistos H-1B para atrair especialistas de
outros países a trabalharem em empresas dos EUA.

De acordo com os Groypers e seus aliados da extrema-direita, esses vistos incentivam a imigração, diluem a branquitude natural da população dos EUA e tiram empregos dos americanos. Eles caracterizam sua oposição dentro do Partido Republicano como "globalistas", em conluio com grandes empresas (e implicitamente uma conspiração judaica global), em oposição à sua própria posição abertamente nacionalista e racista. Essa outra facção do Partido Republicano poderia ser chamada de "tecnocratas", como foram rotulados por Laura Loomer, uma ex-candidata do Partido Republicano ao Congresso e conselheira informal de Trump da extrema-direita (pelo menos em um determinado momento).

Os Groypers não esperaram Trump vencer para começar a contestar o controle do Partido Republicano. No verão passado, os Groypers "declararam guerra" à campanha de Trump na esperança de mover o ex-presidente ainda mais para a direita. A esperança deles é "salvar" Trump do que consideram seu maior fracasso — ouvir os republicanos mais moderados que ainda estão em sua folha de pagamento, assim como seu apoio a Israel em sua guerra em Gaza e no Líbano, que eles se opõem não por solidariedade com os palestinos, mas por causa de seu antissemitismo. Desde que lançaram sua "guerra" contra Trump e a direita mainstream, eles expressaram orgulho em seu poder de influenciar a política de direita ao estarem "nas respostas de Donald Trump" e influenciar a conversa online.

O que vêm depois?

Os Groypers têm sido indiscutivelmente bem-sucedidos em criar um espaço para suas ideias na política republicana, à medida que seus pontos de vista e retórica entram no léxico cotidiano do partido. O fato de que sua oposição aos vistos H-1B foi suficiente para causar dias de histórias sobre uma guerra civil no Partido Republicano é evidência suficiente de sua influência, além do fato de que ajudaram a levar a linguagem extremista sobre supremacia masculina, nacionalismo branco e antissemitismo para o mainstream do discurso republicano.

Trump parece estar se alinhando com seus doadores na questão do visto H-1B, e alguns observadores celebram isso como uma evidência de que, quando a situação apertar, Trump trabalhará com bilionários como Elon Musk e Mark Zuckerberg, em vez dos elementos mais extremos de sua base. Eles podem estar certos. Mas esta é apenas a primeira batalha em o que certamente se tornará uma longa guerra pela liderança da coalizão de Trump, e os Groypers, que, como os republicanos de Goldwater de uma era anterior, estão se preparando para uma luta prolongada.