“A voz das mulheres é a força da democracia, não aceitamos que nos interrompam”

Mariana Mortágua dedicou o discurso no comício deste domingo às mulheres, lembrando o papel do Bloco na luta pelo direito ao aborto e contra a violência doméstica e o papel destas enquanto “barreira contra a direita do extremo retrocesso”. Fernando Alves, Catarina Martins, Pedro Filipe Soares e Jorge Costa também juntaram a sua voz.

No comício do Bloco deste domingo, em Lisboa, Mariana Mortágua quis falar das mulheres. E começou com o momento, há 25 anos, em que “o Bloco nasceu de uma das maiores lutas das mulheres pelo respeito que nos é devido e que constitui a democracia” e se juntou “contra a humilhação, a pena de prisão e mesmo o risco de vida das mulheres condenadas a abortos de vão de escada, depois de um voto em que a participação foi tão pequena que o reacionarismo venceu”. A isso respondeu-se fazendo “a esquerda mais forte” e poucos anos depois ganhámos o novo referendo que acabou com a vergonha da perseguição”.

De seguida, lembrou que “o vice-presidente de um dos partidos da AD, falando em nome da AD” veio “a proclamar a necessidade de voltar atrás para reverter a lei com um novo referendo”, questionando sobre se a pergunta seria “concorda que se volte a aplicar à mulher que aborte a pena de três anos de prisão?”

A coordenadora bloquista não acredita que se vá “mexer no referendo que encerrou o assunto” mas alerta que “o perigo” está na “ameaça da repetição do que o PSD e CDS já fizeram no seu último governo” e que Paulo Núncio traçou: “obrigar as mulheres a humilharem-se com assinaturas em ecografias, obrigarem-nas a pagar, olharem para elas como incapazes de decidir por si próprias”. Mas tem a convicção de que, pelo contrário, “a lei será melhorada, os serviços de saúde serão adaptados para a aplicar plenamente e as mulheres continuarão a fazer as suas escolhas ainda mais livremente”.

Recordou ainda que a primeira lei que o Bloco propôs, quando entrou no Parlamento, foi a da consagração da violência doméstica como crime público e que “os passos que desde essa aprovação foram dados trouxeram para o conhecimento público a violência contra as mulheres que se escondia dentro de portas”, tendo desde então sido conseguido o mais importante “melhorar a prevenção”.

Mariana Mortágua pensa que “a voz das mulheres é a força da democracia, e não, não aceitamos que nos interrompam”. Para ela, as mulheres são “uma barreira contra a direita do extremo preconceito e do extremo retrocesso”, destacando-se na luta pela escola pública, pelo SNS, pela habitação, “com o arco-íris contra o conservadorismo”, pelos cuidados, das pessoas com deficiência, das pessoas racializadas, entre outras. E terminou apelando a que “votem como mulheres”.

A voz de Fernando Alves veio fazer coro pela vida boa

Fernando Alves, voz da rádio, veio a este comício para lembrar, em primeiro lugar, que “a voz ganha uma dimensão operática que está presente nas grandes transformações sociais quando faz de coro, quando é polifonia. A voz abraça. A voz é olhar que se ouve. A voz é tão tátil como o olhar. A voz ou é tátil ou de pouco valor”.

Aquele que trabalhou com a voz e com ela sinalizou “muitas vezes politicamente”, veio afirmar já ter votado “de modo diverso”, “sempre à esquerda”, “privilegiando” a “palavra nítida, precisa, sem ambiguidade, aquela que se afigura, capaz de abrir novas de possibilidades para como os do Bloco dizem com apreciável clareza, construir uma vida boa”.

Mostrou-se assim “tocado” quando escutou pela primeira vez que Mariana Mortágua dando voz a este compromisso, uma “complexidade simples”, “modo de juntar as palavras umas às outras por amor e não por sintaxe”. Portanto, o que o “aproxima dos caminhos propostos pelo Bloco é o facto de eles dispensarem o bordão e o jargão”, deste privilegiar “a pergunta cuja resposta ainda pergunta”, ser um “movimento para a escuta do outro”.

A força da esquerda para abanar o barco

Catarina Martins respondeu à metáfora do “jogo interrompido antes do fim”, trazida por António Costa, afirmando que “o jogo começou a acabar no momento em que houve uma maioria absoluta”, com a “degradação acelerada” e “esse bloqueio permanente de não haver solução nem para a escola, nem para a saúde, nem para a educação, nem para o salário, nem para o trabalho, nem para nada”.

De seguida, tratou de desmontar outro argumento, o de que a culpa da situação é da conjuntura internacional. Para ela, “não há pandemia, não há guerra na Ucrânia, não há quebra das cadeias de produção que justifique rendas sempre a subir, miseravelmente a subir, estratosfericamente a subir”, “há sim uma decisão nacional de alimentar a especulação imobiliária” como é decisão a economia que cresce e “os horários de trabalho cada vez mais longos” com “tão pouco salário”

Em terceiro lugar, analisou o argumento de que “a direita fará pior” que achou ser “poucochinho”. Para a dirigente bloquista “dizer que nessas eleições toda a nossa responsabilidade é travar a direita é muito pouco e não trava direita nenhuma” porque a forma de a travar “é ter uma maioria que responda ao país”. Lembrando a “força de esquerda para abanar o barco” e os cravos ao peito que “estão bem vivos” e são “o nosso sangue a bombar”, invocou a vontade de mudar. Para isso, é preciso uma maioria à esquerda e “um pouco por todo o país ou elege o Bloco de Esquerda ou elege a direita.

“Orgulhamo-nos de cada um dos combates destes 25 anos”

Jorge Costa invocou o recente aniversário do Bloco mas foi “pela mão da direita” que a história dos últimos 25 anos entrou na campanha. Sinal dado pela entrada de Durão Barroso na campanha que acusou de ter sujado “de sangue inocente” a bandeira nacional por ser o anfitrião da cimeira da invasão do Iraque que foi “o primeiro grande extermínio do século XXI”. O Bloco, por seu turno, contribuiu para “a força e o empenho do movimento pela paz”. No mesmo sentido, hoje, o partido acredita que “não temos o direito de fechar os olhos ao apelo que, de Gaza, nos envia quem está a morrer”.

De seguida, o dirigente bloquista destacou três vitórias que, nestes 25 anos de lutas, “mudaram vidas”. A despenalização do consumo de drogas, a “vitória da igualdade” e dos direitos LGBT e a da luta das mulheres pelo direito ao aborto. A primeira retirou “os consumidores e as pessoas que procuravam apoio e tratamento do âmbito da criminalização” e isso “foi o primeiro passo para uma viragem que fez do nosso país o exemplo mundial”. A segunda mudou o estatuto legal das pessoas LGBT, afirmando a igualdade no acesso ao casamento e acabando com a discriminação na adoção por casais LGBT. A terceira “é uma vitória completa porque o avanço civilizacional com a despenalização é tão evidente e indesmentível que não há no parlamento português nenhum partido, nem um único, que se atreva a propor o regresso da proibição do aborto e da perseguição às mulheres”.

Por último quis ainda trazer “a vitória do alívio, da dignidade e da esperança”. Isto é, a geringonça, com a qual se abriu “a porta de saída do deserto da austeridade” e que demonstrou que “não era inevitável a política de restrição e ataque permanente que a direita impunha e que o PS pretendia manter”, recordando que “uma das condições do Bloco para o novo governo foi recuperar as pensões e retirar do programa do governo o congelamento previsto pelo PS” e que o programa deste também “previa facilitação do despedimento e menor contribuição patronal para a segurança social”. E concluiu afirmando: “orgulhamo-nos de cada um dos combates destes 25 anos, dos que vencemos e digo-vos mais, isso é o que nos dá força para os que estão ainda por vencer.”

A alternativa ao desfile de horrores da direita e ao PS que deu primazia aos interesses

Pedro Filipe Soares partiu das palavras de Miguel Torga e da memória de Amílcar Cabral “para dizer que aqui estão aqueles que não calam perante o genocídio, que não calam perante a violência de disparar contra uma fila de pessoas que, morrendo à fome, procuravam comida, morrendo à sede, procuravam bebida”, referindo-se também à situação palestiniana.

Entrando no “cardápio eleitoral” desta campanha, avaliou o que a direita tem mostrado como um “enorme desfile de horrores”: “xenofobia, misoginia, ataque aos direitos das mulheres, às suas liberdades e à sua saúde, e a má convivência com princípio tão simples de igualdade”.

Por outro lado, constatou que “o país está zangado com o Partido Socialista” tal como a esquerda o está, concordando com as razões desta zanga: filas no SNS, falta de médicos de família, aumentos de preços e das prestações das casas, “rendas milionárias de especulação”, salários baixos, precariedade, pobreza energética, caos climático, o caos climático.

Defendeu que a maioria absoluta do PS não protegeu os direitos das mulheres, o SNS, a educação pública, o direito à habitação, deu “primazia” aos interesses da banca, aos especuladores, a quem quer atacar os nossos direitos, justificando assim a necessidade de voto no Bloco de Esquerda porque “se levarmos os fardos do dia a dia até às urnas podemos vencer”.