Argentina: líder na corrida presidencial, Milei nega número de desaparecidos da ditadura

Organizações de direitos humanos no país estimam em 30 mil o número de desaparecidos

Um dos assuntos que mais mexem com os brios da sociedade argentina são as violações de direitos humanos da ditadura militar. Foi esse o tema escolhido pelo candidato Javier Milei para elevar a temperatura do debate deste domingo (1º), o primeiro antes das eleições presidenciais de 22 de outubro.

"Não foram 30 mil desaparecidos, foram 8.753", disse o candidato de extrema direita que lidera a maioria das pesquisas, subindo o tom de voz pela primeira vez após uma hora de evento. O número oficial é 8.631 mortos e desaparecidos no período de 1976 a 1983 — última e mais brutal etapa ditatorial — segundo o Registro Unificado de Vítimas do Terrorismo de Estado, mas o próprio relatório reconhece que a cifra é subestimada. Entidades de direitos humanos estimam o total em cerca de 30 mil.

Milei também afirmou que há "uma visão torta da história", chamou grupos guerrilheiros de terroristas e acusou pessoas de usar a ideologia dos direitos humanos "para ganhar dinheiro e realizar negócios obscuros".

A candidata Myriam Bregman (esquerda) contestou. "Eu precisaria de quatro ou cinco horas para responder às barbaridades que ouvi", afirmou, acrescentando que "são 30 mil e foi um genocídio". Também foi dela uma das frases mais comentadas nas mídias sociais: "Não é um leão, é um gatinho mimado do poder econômico", em referência ao animal com que Milei costuma se comparar.

Apesar da intervenção provocativa sobre as vítimas da ditadura, a avaliação geral da imprensa local é de que Milei se apresentou mais comedido que de costume, e que pode ter obtido um bom resultado caso sua intenção fosse consolidar apoios. Quanto aos principais adversários, Sergio Massa (peronista e atual ministro da Economia) buscou apresentar propostas e vender a ideia de um governo de coalizão. Patricia Bullrich (macrista) tentou reforçar a imagem de corajosa e linha-dura.

Inflação

Ao abordar a hiperinflação e a crise econômica, Massa disse apostar em investimentos nos setores energético, mineiro e agropecuário para inverter a balança comercial e obter mais dólares com exportações. Havia uma expectativa de que revelasse seus nomes cotados para comandar o Ministério da Economia e o Banco Central, mas ele não o fez.

A inflação foi o tema mais presente no debate. Os dois principais candidatos de direita, Milei e Bullrich, propõem, em diferentes graus, uma dolarização da economia, a redução de gastos públicos e a abertura dos mercados. Bullrich criticou a promessa de Milei de fechar o Banco Central dizendo que poucos países não têm bancos centrais, e são todos paraísos fiscais. Mas desviou de perguntas sobre seu plano econômico, o que foi ressaltado pelo adversário.

Massa, por sua vez, procurou se desviar do impopular presidente Alberto Fernández. "Eu tenho claro que a inflação é um problema enorme. Também tenho claro que os erros deste governo causaram danos às pessoas. E por isso, embora eu não fosse parte até assumir como ministro da Economia [em agosto de 2022], peço desculpas".

Pesquisas

Analistas consultados por jornais argentinos acham que dificilmente o debate, pelo menos este inicial — haverá outro no próximo domingo —, terá impacto profundo na intenção de voto. Até o momento, todas as pesquisas colocam Milei em primeiro lugar, porém estancado em torno de 35% das intenções de voto, portanto sem chance aparente de vencer no primeiro turno — precisaria de 45% dos votos válidos ou 40% mais uma distância de 10 pontos em relação ao segundo colocado.

A maioria das consultas coloca Massa em segundo lugar, perto dos 30%, e Bullrich em torno de 25%, embora algumas apontem Massa em empate técnico com Milei na liderança e outras enxerguem um crescimento de Bullrich, que poderia estar em empate técnico com Massa na segunda colocação.

Uma delas, divulgada antes do debate, é uma pesquisa do analista anti-kirchnerista Jorge Giacobbe, que coloca Bullrich em segundo lugar, com 27,8%, ante 27,4% de Massa — e 33,9% de Milei. Já uma pesquisa do Centro de Estudos de Opinião Pública da Argentina (CEOP), divulgada também pouco antes do debate, mostra empate técnico entre Milei (34,1%) e Massa (32,2%) — o primeiro parado em relação à sondagem anterior e o segundo, com 1,6 ponto a mais. Bullrich, também estagnada, aparece com 24,9%.

Aparentemente, a eleição está indefinida.

(Com informações da Folha de S.Paulo, Clarín e El País)

Edição: Leandro Melito