As direitas lutam entre si e vem aí lama

As declarações de Lula, repetindo o que sempre disse sobre a guerra, são um pretexto para uma luta de lama entre as direitas portuguesas. Mas o que está em jogo é saber quem vai comandar o cacete da milícia bolsonarista

Por Francisco Louçã

A fervente indignação do PSD contra as declarações de Lula são uma tentativa patética de disputar um espaço na radicalização da direita. Não há nessas posições do presidente brasileiro rigorosamente nada de novo: não só Lula já o tinha dito por várias vezes acerca da invasão da Ucrânia, como o mais raso conhecimento da diplomacia brasileira ou latino-americana permitiria compreender que todos aqueles países viveram casos de interferência direta dos Estados Unidos, que por vezes promoveu golpes militares (como no próprio Brasil em 1964 ou no Chile em 1973 ou no Uruguai e Argentina), noutros os invadiu (17 vezes no século XX em Cuba, República Dominicana, México, Guatemala, Haiti, Granada, Nicarágua e Panamá) e ainda noutros os asfixiou economicamente, pelo que muitos desses países protegem a sua soberania em desafio contra o senhor do Norte.

Os dirigentes do PSD sabem de tudo isso mas, como as sondagens lhes são problemáticas perante a subida da extrema-direita, sentem-se na obrigação de prestar serviço declarativo. Não lhes vai sair bem, dado que a contradição entre a bravata e a aceitação dos preceitos diplomáticos tem um custo. Não se pode tonitruar de manhã e fazer rapapés no banquete da noite sem que ninguém dê pela hipocrisia.

Ainda por cima, tudo isto é entretenimento para Ventura. Ele está-se nas tintas para a Ucrânia e para estas declarações de Lula. Aliás, anunciou com pompa que vai trazer a Portugal Bolsonaro (e que posição tinha esse homem sobre a guerra da Ucrânia?) e Salvini (que se passeava com uma tshirt com a cara do seu ídolo e aliado, Putin). Alguns dos melhores putinistas são os ilustres convidados de Ventura. Ora, o que a extrema-direita disputa não tem nada que ver com estes jogos florais protestativos: o que quer é constituir um confronto que desacredite ou avacalhe o parlamento fazendo uma cena, é a sua forma de combater o “sistema” para ganhar espaço no espanto da população, e, sobretudo, pretende mobilizar o bolsonarismo emigrado para Portugal. É aqui que devia estar a atenção das forças políticas.

Ventura precisa dessa manifestação por dois motivos. O primeiro é que o ano lhe está a correr mal. Prometeu em dezembro que ocuparia as ruas e houve grandes manifestações – da escola pública, do 8 de março, da Vida Justa, da habitação, haverá mais de professores, o 25 de abril e o 1º de maio, e ainda a manifestação pelo SNS – mas nenhuma da extrema-direita, a que falta povo para isso. Ora, o chefe está nervoso por saber que as tropas se acomodam e precisam de tensão, foi por isso que ensaiou um discurso tremendista sobre os assassinatos no Centro Ismaili, o que não lhe saiu bem, foi abutrismo a mais. A segunda razão é que faz parte da agenda da extrema-direita criar uma milícia e, matreiro, Ventura acha que o bolsonarismo avulso lhe vai dar esses recrutas. Alguns votam – Marcelo chegou a dizer, com algum exagero, que dois terços dos votos do Chega eram dessa gente – e alguns poderão estar dispostos a servirem de tropa de choque. Não é a rua que Ventura quer influenciar, é medo que quer criar. Precisa de lama e de um cacete e acha que os encontrou no ódio a Lula.