As rachaduras da poderosa Alemanha

Flavio Aguiar

 

Antes motor da economia europeia, o país enfrenta grave crise. A guerra estrangula o fornecimento de gás russo e de grãos da Ucrânia. O resultado: indústria em depressão e alimentos caríssimos. E a ultradireita alemã torna-se uma ameaça real…

 

Com tais predicados, o governo de Berlim se tornou o fiel da balança da União Europeia e do continente como um todo, exercendo uma parceria sobretudo com Paris. Ao mesmo tempo, se revelou o carro-chefe da economia continental, graças à sua variada pauta de importações e exportações.

Dos dez países que mais importam da Alemanha, oito são europeus – os outros dois são a China e os Estados Unidos. O mesmo se aplica às exportações. A economia continental europeia está presa à alemã como um comboio em uma locomotiva. Ou um peixe no anzol?

De repente, não mais que de repente, este belo edifício mostrou rachaduras nos alicerces, e hoje ameaça ruir, arrastando o continente inteiro. A inflação subiu meteoricamente, de quase 0% para cerca de 10% ao ano, em média, com alta de 20% no setor de alimentos, e de 40% do na energia. A demanda interna caiu, a externa balançou perigosamente com as oscilações da economia chinesa e a pressão protecionista dos Estados Unidos.

A indústria alemã, setor estratégico das exportações e importações, sobretudo de veículos, auto-peças e acessórios, de produtos farmacêuticos, artefatos elétricos, aviões e helicópteros, além de outros, entrou em depressão. No começo de 2023, o FMI previu uma retração de 0,1% na economia do país. Depois aumentou a cariação para 0,2%, e agora a estimativa está em 0,4% negativo.

Como assim? O que aconteceu? As respostas são várias e variadas, mas há alguns pontos de convergência.

 

Alimentação e energia

Em geral, as consequências da guerra na Ucrânia são apontadas como o principal fator inflacionário, sobretudo nos setores já em destaque: alimentação e energia. Com a redução das importações de grãos e óleos da Ucrânia, o preço de produtos agrícolas foi para as nuvens.

A indústria alemã também dependia fortemente das importações de gás russo, e, com as sanções econômicas impostas ao país, Moscou apertou a torneira do fornecimento. Além disso, os gasodutos que ligavam os dois países sofreram atentados até hoje sem explicação oficial. As previsões parecem ter subestimado as consequências do incidente, e o efeito imediato sobre a indústria alemã foi muito pesado.

Há outros fatores menos evidentes entre as raízes da crise. A pandemia atingiu duramente o comércio, provocando o fechamento a princípio de pequenas lojas e logo depois também de alguns grandes estabelecimentos, em função inclusive do aumento exponencial de compras pela internet, que permanecem em alta. As reformas de inspiração neoliberal implementadas no começo do século, com o aperto nos investimentos sociais e a compressão das aposentadorias, começam a cobrar seu preço, diante de uma população cujo envelhecimento cresce a olhos vistos.

 

Extrema direita

Para completar este quadro sombrio, as intenções de voto no partido Alternative für Deutschland, AfD, de extrema direita, anti-União Europeia, ameaçador para imigrantes e refugiados, crescem assustadoramente, sobretudo nos estados da antiga Alemanha Oriental e entre os jovens, região e faixa etária mais duramente atingidos pelo desemprego e pela queda do poder aquisitivo.

O AfD está em segundo lugar nas pesquisas, atrás apenas da democrata CDU, que, pressionada pela deserção de eleitores, vem tornando seu programa cada vez mais conservador. Não há risco imediato para as instituições democráticas da Alemanha, mas já há coriscos e trovoadas na linha do horizonte.

As previsões e declarações mais otimistas arrefeceram. A guerra se prolonga, e a recessão alemã veio para ficar, afetando o continente inteiro. A questão mais relevante hoje é o quanto esta crise vai durar. E até o momento nenhuma bola de cristal de economista, de político, jornalista, banqueiro, agente financeiro, sindicalista, etc., arrisca seu pescoço em uma previsão.