POR GUILLAUME BERNARD
Via Esquerda.net
Um movimento nebuloso de extrema-direita, um ressurgimento dos Coletes Amarelos ou uma reunião de ativistas de esquerda? Desde agosto que há assembleias gerais pra preparar este bloqueio em mais de 60 cidades. O que está acontecendo afinal?
Algo está acontecendo na rentrée de 2025. No dia 28 de Agosto, 400 pessoas reuniram-se no Parque de la Villette, em Paris, para a primeira assembleia geral do movimento do 10 de Setembro na região da Île-de-France. Na mesma semana, 200 pessoas reuniram-se em Montpellier, Grenoble, Lille… e 300 em Lyon. As cidades médias e até pequenas não ficam atrás: 60 pessoas em Alès, cerca de cinquenta em Le Havre, cerca de sessenta em Aix-en-Provence e Lorient, e cerca de vinte em Souillac, na região de Lot, ou em Romans-sur-Isère. De acordo com a nossa contagem, mais de sessenta cidades já realizaram assembleias gerais.
A transição do digital para o físico ainda não era uma certeza para o movimento do 10 de Setembro. Lançado em meados de julho por um grupo minúsculo conspirativo de extrema-direita chamado “Les Essentiels”, a primeira ação planejada para aquela data era nada mais nada menos do que um apelo ao “auto-confinamento generalizado”. O objetivo era vago: “retomar o controle sobre as nossas vidas” e o slogan pouco propício ao encontro. Mas, à medida que o verão avançava, graças a grupos do Telegram frequentemente intitulados “Vamos bloquear tudo” ou “indignemo-nos”, a face política do 10 de setembro mudou.
O apelo dos Essentiels foi gradualmente marginalizado. O seu canal Telegram tem dificuldade em ultrapassar os 500 membros, enquanto os concorrentes “Bloquons tout” se aproximam agora dos 10.000 membros e se multiplicam para cobrir uma variedade de áreas geográficas. Para o 10 de Setembro, o apelo ao “auto-confinamento” e à greve de consumo emudeceu globalmente face à organização de assembleias gerais que incitam bloqueios, greves e manifestações.
O objetivo a curto prazo é agora opor-se ao “orçamento Bayrou”, que promete poupanças de mais de 40 bilhões de euros com o corte de verbas para a Segurança Social e para a Função Pública, além da eliminação de dois dias de férias. A provável saída do primeiro-ministro em 8 de Setembro, depois do voto de confiança na Assembleia Nacional que o próprio solicitou, não altera nada. “Falamos de austeridade e do fim do Bayrou nas assembleias gerais, mas a essência da mensagem não mudou”, explica Pierre*, que participou nas assembleias gerais do 10 de Setembro em Alès.
Regresso dos coletes amarelos?
“Sim, algo está a acontecer. Há um impulso, isso dá vontade de nos envolvermos, mas é muito difícil dizer o que vai acontecer no dia 10 de setembro”, confidencia Gaël*, ativista libertário que participou na assembleia geral de Montpellier. Para tentar esclarecer, muitos observadores comparam o dia 10 de setembro de 2025 com o dia 17 de novembro de 2018, data de início do movimento dos Coletes Amarelos.
Tal como este último, o movimento do 10 de Setembro é uma iniciativa liderada por cidadãos, independente de sindicatos e de partidos políticos. A presença de ativistas que se reivindicam dos “coletes amarelos” nas assembleias de 10 de Setembro também ajuda a traçar este paralelo. “A primeira assembleia geral de Montpellier foi organizada pelos Coletes Amarelos a partir de um grupo que ainda está ativo na cidade”, explica Gaël*.
Contudo, as diferenças com o movimento social de 2018-2019 são muitas. A começar pelas potenciais ligações com a extrema-direita. O início do movimento dos coletes amarelos foi marcado por uma presença – certamente marginal – de militantes de extrema-direita. Desta vez, essa presença parece estar acantonada na Internet. “Vi principalmente militantes de esquerda e sindicalistas”, estima Cyril*, um jovem militante que participou na assembleia de Saint-Denis. Gaël concorda: “Para mim, em Montpellier, não havia “fachos”. Em contrapartida, havia militantes novatos”.
Em Paris, ou ainda em Toulouse, foi claramente referida a necessidade de distanciar a extrema-direita: “Se virmos um reacionário numa assembleia geral, discutimos; se for um ativista de extrema-direita, livramo-nos dele", pode-se ler num relatório. As temáticas do movimento giram em torno da justiça social, da democracia ou da ecologia. A questão palestiniana, a luta contra o sexismo e a LGBTfobia e a necessidade de dialogar com os bairros da classe trabalhadora são também frequentemente invocados.
“Não acho que o paralelo com os Coletes Amarelos seja positivo. Mas não é necessariamente uma coisa má. Na altura, as reivindicações específicas demoraram muito tempo a surgir, por isso talvez estejamos a ganhar tempo agora”, sugere Cyril*, de Saint-Denis. Outros são menos otimistas. “Ainda não sei até que ponto o 10 de Setembro conseguirá sair do quadro militante, como o movimento dos Coletes Amarelos conseguiu fazer”, acrescenta Pierre*, que já teve uma forte participação na mobilização cidadã em Alès.
Partidos e sindicatos de esquerda apoiam
Outra diferença notável em relação ao movimento dos coletes fluorescentes: a relação com os partidos políticos, os sindicatos e as organizações de esquerda. Se estes se mantiveram distantes, até desconfiados, durante a preparação do dia 17 de novembro de 2018, desta vez, os partidos de esquerda (Partido Comunista, França Insubmissa, PS, Verdes) e os sindicatos (Solidaires e CGT) sinalizaram, o seu apoio ao movimento do 10 de setembro, com mais ou menos insistência. A Attac e o Soulèvements de la terre fizeram o mesmo. Os partidos de direita e a União Nacional, por outro lado, distanciaram-se do movimento, ou mesmo condenaram-no.
Desde o início de agosto que várias federações da CGT, como a FNIC-CGT (indústrias químicas), a CGT comércio e serviços, e alguns sindicatos departamentais, como o da região Norte, convocaram uma greve para 10 de setembro. Estas organizações têm em comum mostrarem-se críticas à estratégia confederal da CGT.
Os seus apelos foram pouco a pouco apoiados por várias uniões sindicais locais e sindicatos de empresas. Finalmente, nos dias 26 e 27 de Agosto, a confederação CGT, que reunia as suas federações e sindicatos departamentais, decidiu incluir o dia 10 de Setembro na sua agenda mensal de mobilização. Não se tratava de um apelo firme à greve, mas sim de um incentivo para “debater com os trabalhadores e construir a greve onde seja possível”, o que mostra simpatia pelo movimento cidadão.
Do lado do Solidaires, as principais federações profissionais (Sud-Rail, Sud-Indústria, Sud-PTT e Finanças Públicas) também convocaram uma paralisação para esse dia. A 27 de agosto, todo o sindicato Solidaires optou finalmente por um apelo à greve e ao bloqueio. A Confederação Camponesa também se juntou ao movimento.
No entanto, a data de 10 de setembro não foi defendida pela união intersindical (que junta FO, CFDT, CFE-CGC, Solidaires, CGT, CFTC e UNSA), que preferiu o dia 18 de setembro para uma “jornada de mobilização, incluindo greves e manifestações”. Mas iniciativas intersindicais de escala mais pequena estão em curso. Respondendo a um apelo do STJV, sindicato dos trabalhadores de vídeo-jogos, do Solidaires Informática e da CGT (sindicatos minoritários no setor), os funcionários dos gabinetes de Tecnologias da Informação, consultoria e design vão reunir-se no dia 8 de Setembro na Bolsa de Trabalho de Paris para se prepararem em conjunto para a greve.
Em Seine-Saint-Denis, os sindicatos de professores da FSU, Solidaires e CGT assinaram uma declaração conjunta a apelar a uma greve para 10 de Setembro. “No meu setor, é muito fácil falar sobre o 10 de setembro com os colegas”, testemunha Cyril, que trabalha na Função Pública Local. Da mesma forma, “os sindicalistas também estão presentes nas assembleias gerais. Em Paris, intervêm em nome próprio, falando da greve e do seu setor”, confirma Quentin*, um ativista sindical recente de Paris.
Que ações?
Enquanto aguardamos pelo dia 10 de setembro, estão a ser preparadas ações em assembleias gerais e grupos do Telegram. Uma deles pode até acontecer antes da data fatídica. “No dia 8 de setembro, às 20h00, vamos encontrar-nos na Place des Terreaux para uma grande festa pública: a festa de despedida de Bayrou! Uma noite para criar ligações, divertirmo-nos e unirmo-nos antes do dia 10 de setembro”, resume uma publicação no Telegram do canal Insurreição de Lyon, seguida por 10 mil pessoas. Este apelo para se reunir em frente às câmaras municipais já foi replicado em várias cidades.
E no Dia D? “Planeámos um ajuntamento de manhã numa das principais praças da cidade. A ideia é tornarmo-nos visíveis e reunir o maior número de pessoas para decidir o que fazer”, detalha Pierre de Alès. Em Paris, a assembleia geral da Île-de-France não tinha vocação para definir qualquer ação, prerrogativa reservada às assembleias gerais das cidades. “As iniciativas propostas diferem necessariamente de acordo com o perfil das pessoas. Os sindicalistas falam em greves, enquanto outros falam em ocupações de rotundas ou bloqueios simbólicos. Para já, em Montpellier, parece que haverá bloqueios de manhã, depois uma concentração à tarde e, finalmente, uma assembleia geral”, enumera Gaël.
*Os ativistas entrevistados neste artigo preferiram manter o anonimato.
Texto publicado originalmente no Basta.