Por Camilla Viegas
Via RFI
O Partido Republicano conseguiu 22 vagas dentro do Conselho Constitucional e foi o grande ganhador da eleição de domingo (8) que escolheu os 50 membros do órgão que vai redigir, discutir e votar uma nova proposta de constituição para o país.
Em votação obrigatória, o Chile escolheu neste domingo (07) os membros do Conselho Constitucional, órgão que será responsável por redigir uma segunda proposta de Carta Magna para o país. Em um processo marcado por temas como segurança e imigração, cerca de 15 milhões de eleitores foram convocados às urnas em um segundo processo que acontece quase quatro anos após os protestos massivos de 2019, que deram início à reforma constitucional no país.
Das 50 vagas, o partido de extrema-direita Republicano conseguiu eleger o maior número de conselheiros: 22 contra os 17 da lista Unidad por Chile, integrada por partidos da coalizão de esquerda, à qual pertence o presidente Gabriel Boric: partidos Socialista (PS), Frente Amplio e Comunista (PC). Em terceiro lugar e com 11 vagas no Conselho ficou a lista Chile Seguro, composta por partidos da coalizão de centro-direita Chile Vamos, formada pelos partidos União Democrática Independente (UDI), Renovação Nacional (RN) e Evópoli.
Os membros do Conselho Constitucional foram eleitos seguindo as regras eleitorais do Senado, isso significa dizer que cada uma das 16 regiões do Chile elege dois, três ou cinco membros. Além disso, é aplicada a regra de paridade, com correções feitas nas alianças políticas menos votadas das regiões com menos votos. Também há reserva de vagas para representantes dos povos originários do país proporcionalmente aos votos obtidos. Até às 23h de ontem, somente uma vaga foi preenchida por um representante desse grupo, totalizando um Conselho Constitucional com 51 conselheiros.
Quando 90% dos votos tinham sido apurados, o presidente Gabriel Boric falou, em transmissão nacional de televisão, e parabenizou o Partido Republicano: “O processo anterior fracassou, entre outras coisas, porque não soubemos nos ouvir, mesmo que tenhamos opiniões diferentes. Quero convidar o Partido Republicano, que obteve uma primeira maioria inquestionável, a não cometer o mesmo erro que cometemos no passado. Este processo não pode ser sobre vingança, mas sobre colocar o Chile e seu povo em primeiro lugar, antes dos interesses partidários ou pessoais".
O presidente do Republicano e ex-candidato presidencial nas últimas eleições, o conservador José Antonio Kast, falou sobre os desafios dos conselheiros e aproveitou para criticar o atual governo: “Muitos se perguntaram o que os conselheiros constitucionais republicanos vão fazer e a resposta é evidente: o mesmo que sempre fizemos, amar profundamente nossa pátria. Hoje, não apenas nós, mas o Chile derrotou um governo fracassado, que foi incapaz de enfrentar a crise de segurança, imigração, econômica, social, saúde, educação, moradia e muitas outras".
Termômetro político
Esta não é a primeira vez que os chilenos buscam substituir a atual constituição do país, um texto de 1980 herdado da ditadura militar de Augusto Pinochet. Em setembro do ano passado, após pouco mais de um ano de trabalho de uma assembleia constituinte e através de um plebiscito, 61,8% dos eleitores optaram pelo “rejeito” e 38,1% votaram na opção “aprovo” para o texto proposto à época.
A votação deste domingo reabre o processo constituinte e é avaliada pelos especialistas como um termômetro político para o país, uma vez que, diante da polarização acentuada nos últimos anos, as pesquisas de opinião já indicavam que o Partido Republicano poderia se tornar a principal força política do pleito. Um grupo político que, não somente não rompeu laços com o pinochentismo, como também deixou claro que seu principal interesse é manter as bases da Constituição atual.
“Os resultados de hoje consolidam um projeto que, no caso do Republicano, se vem materializando antes mesmo das eleições presidenciais e parlamentárias de 2021. Recordemos que José Antonio Kast foi candidato em 2017 e em 2021. [...] Hoje, vimos a demonstração de um avanço. O Partido Republicano soube canalizar esse descontentamento das pessoas com o atual governo e com o processo constituinte anterior. Agora, a direita está em condições de fazer uma constituição que esteja de acordo com suas ideias e aprová-la”, explica Octavio Avendaño, Doutor em Ciências Políticas e acadêmico da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade do Chile.
O caminho até aqui
O processo de elaboração de uma nova Constituição no Chile teve início em novembro de 2019, logo após os intensos protestos sociais ocorridos em outubro do mesmo ano. Naquela ocasião, políticos de diferentes partidos, incluindo o atual presidente Gabriel Boric, que na época era deputado, assinaram um acordo intitulado "Acordo pela Paz Social e Nova Constituição", que deu início ao processo de redação da nova Carta Magna.
Desde então, o país passou por quatro processos eleitorais significativos: o plebiscito de outubro de 2020, no qual os chilenos decidiram que queriam uma nova Constituição e que o texto seria redigido por uma assembleia constituinte; as eleições de maio de 2021, nas quais foram escolhidos os membros dessa assembleia; as eleições presidenciais, cujo segundo turno foi realizado em dezembro de 2021, tendo como vencedor o atual presidente Boric; e o plebiscito de saída da proposta de constituição, que foi rejeitada por 61,8% dos eleitores em setembro de 2022.
Após a derrota do primeiro texto constitucional, os partidos políticos novamente se reuniram para definir os novos rumos do processo. Depois de intensas reuniões e com o partido do atual presidente Gabriel Boric, de esquerda, Câmara e Senado aprovaram o projeto que firmava as bases do novo processo, assim como os principais atores, prazos e normas institucionais. Assim, ficou estabelecido que este atual processo teria três organismos com diferentes funções: Conselho Constitucional, Comissão de Especialistas e Comitê Técnico de Admissibilidade.
A Comissão de Especialistas, formada por 24 membros eleitos pelo Congresso, começou os trabalhos em março deste ano. Eles tiveram um prazo de três meses para elaborar um anteprojeto de uma nova Constituição. O objetivo principal desse grupo foi propor uma redação inicial para evitar que se comece tudo do zero, a chamada "folha em branco", e assim evitar um excesso de entusiasmo como ocorreu no processo constitucional anterior, que resultou em 500 artigos.
O que acontece a partir de agora
O Conselho Constitucional, formado por 50 membros eleitos popularmente neste domingo, iniciará seus trabalhos dia 7 de junho e terá como única missão discutir e aprovar o texto proposto pela Comissão de Especialistas, podendo modificar, suprimir, substituir ou mesmo agregar artigos. Toda votação obedecerá à proporção de ⅗ e a única exigência é que o texto final obedeça às bases institucionais estabelecidas para o processo constituinte pelo Congresso.
O trabalho dos conselheiros durará 5 meses e serão implementados mecanismos de participação popular durante esses meses, que serão coordenados pela Universidade Católica e Universidade do Chile, e permitirão que os cidadãos possam enviar sugestões de artigos para o texto. A Comissão de Especialistas se unirá ao Conselho e terá direito a voz em todas as instâncias de discussão.
É nessa etapa que um outro organismo entra no processo constitucional: o Comitê Técnico de Admissibilidade. Composto por 14 juristas, que foram indicados pela Câmara e aprovados pelo Senado, a missão desse grupo é garantir que sejam respeitadas as normas do processo fixadas em outubro de 2022 pelo Congresso.
Dentre estas 12 normas, três se destacam. Uma primeira estabelece que o Chile é uma república democrática; uma segunda consagra o país como um Estado social de direitos (uma mudança importante com relação à atual Constituição); e uma terceira que determina que os povos originários devem ser reconhecidos como parte da nação chilena.
O que está em jogo
Uma das grandes dúvidas que marcam esse novo processo constituinte é sobre o trabalho dos conselheiros, que deverão estabelecer os pilares de uma nova constituição sobre duas perspectivas: de que o Chile continue sendo um estado subsidiário; ou que mude para um protagonismo mais solidário, com direitos sociais garantidos pela Constituição.
Além disso, temas como segurança e imigração estão cada vez mais presentes nos debates nacionais, seja por conta do tráfico de drogas crescente, das recentes mortes de policiais assassinados por criminosos no exercício da profissão ou ainda pelos conflitos ocasionados pela imigração irregular nas fronteiras com Bolívia e Peru.
Uma recente pesquisa (Pulso Ciudadado Abril) demonstrou resultados relacionados com as preocupações da população e também sobre o novo processo constituinte. Por exemplo, para 51% dos entrevistados, a criminalidade é um dos temas que mais os preocupa. Além disso, outra pesquisa (Plaza Pública Cadem Abril) perguntou aos entrevistados qual partido político mais os agrada e revelou que a maioria (16%) menciona o Partido Republicano.
“Há muitos fatores que influenciam para que o tema ordem pública esteja no topo da agenda nacional e este tem sido um governo ao qual está custando muito responder a este problema, porque é um governo de esquerda jovem e que nunca teve, entre suas prioridades, este tema”, explica Cristóbal Bellolio, PhD em Filosofia Política, acadêmico na Universidade Adolfo Ibáñez e autor do livro ‘O momento populista chileno’ (título original: ‘El momento populista chileno’).
Bellolio continua explicando que há dois climas na sociedade chilena que diferenciam o primeiro e o segundo processos constituintes e destaca que de um “desejo transformador que caracterizou os protestos de 2019 e o primeiro processo constituinte”, os chilenos passaram para um estado onde a “ansiedade pela economia e a preocupação pela ordem pública são prioritários”. “Sob este ponto de vista é normal que o eleitorado esteja olhando com mais interesse as alternativas de direita, que são as que usualmente falam de economia e de ordem pública em seus discursos”, finaliza o acadêmico.
As próximas datas importantes são: 7 novembro, que é o prazo máximo para o término do trabalho do Conselho Constitucional; e 17 de dezembro, quando se realizará o chamado “plebiscito de saída”, que deve aprovar ou rejeitar a nova proposta.sta.