Cecilia Vergara Mattei
Via Esquerda.net
Com 33 votos a favor e 17 votos contra, foi aprovada a proposta de nova Constituição para o Chile, depois de a proposta anterior, aprovada por uma maioria de esquerda, ter sido rejeitada em referendo no ano passado.
O plenário do Conselho Constitucional, assembleia dominada pela direita tradicional do Chile Vamos e sobretudo pela extrema-direita do Partido Republicano, votou na íntegra a proposta de nova Constituição para o Chile, um processo que terminará com o referendo previsto para 17 de dezembro.
Com 33 votos a favor, 17 votos contra e nenhuma abstenção, a aprovação do texto constitucional marca o fim dos 80 dias de trabalho do órgão de redação e abre a porta a um novo quadro jurídico que reflita as aspirações e os valores da sociedade chilena.
Este feito representa o resultado de um trabalho árduo que ganhou vida desde a explosão popular de outubro de 2019, um movimento que impulsionou dois processos constitucionais em menos de quatro anos. A atual Constituição é a que foi imposta durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Na próxima terça-feira, 7 de novembro, o texto será entregue ao Presidente Gabriel Boric, que deverá convocar o referendo para o dia 17 de dezembro. Nessa mesma terça-feira, se iniciam as campanhas a "Favor" ou "Contra" para definir se o Chile aprovará ou não uma nova Constituição.
No último dia, e como um sinal claro do carácter não consensual da proposta, o Partido Republicano - que liderou o órgão - e os representantes do Chile Vamos manifestaram-se em bloco a favor com os seus 33 votos, enquanto a esquerda - agrupada na Unidade pelo Chile - fez o mesmo com 17 votos de rejeição.
Esta nova proposta segue-se à elaborada pela Convenção Constitucional, que tinha um claro perfil de esquerda e foi rejeitada com 62% dos votos no referendo de 4 de setembro de 2022.
Estas eleições serão com voto obrigatório - para os 15.262.012 habitantes do território chileno e para os 127.546 cidadãos residentes no estrangeiro - tal como as duas eleições anteriores, em setembro de 2022 (o plebiscito que pôs fim à primeira e frustrada tentativa) e em maio passado (do Conselho Constitucional que elaborou o novo texto).
O texto que será submetido à vontade dos cidadãos no final deste ano - que agrada mais "do centro-direita à direita", segundo admitiu o chefe da bancada de vereadores republicanos, Luís Silva - tem 182 páginas, 17 capítulos, 216 artigos e 62 disposições transitórias. Inclui 51.352 palavras, com "República", "Constituição", "Presidente", "Estado" e "Chile" entre as mais mencionadas.
O documento começa por recordar que foi redigido por um Conselho de 50 membros que trabalhou "com base no anteprojeto elaborado pela Comissão de Peritos, nomeada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado", e enumera os nomes dos 74 membros de ambos os órgãos constituintes.
O artigo 1.º do Capítulo I, relativo aos "Fundamentos da Ordem Constitucional", começa por afirmar que: "A dignidade da pessoa humana é inviolável e constitui o fundamento do direito e da justiça. As pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. O seu respeito e a sua garantia são o primeiro dever da comunidade política e da sua forma jurídica de organização".
Assinala em seguida que "a família é o núcleo fundamental da sociedade" e que "o Estado do Chile é social e democrático de direito, que reconhece os direitos e liberdades fundamentais, os deveres constitucionais e promove o desenvolvimento progressivo dos direitos sociais, com base no princípio da responsabilidade fiscal e através de instituições estatais e privadas.
Acrescenta ainda que "os grupos que livremente se constituam entre as pessoas gozam de adequada autonomia", que "o Estado serve as pessoas e a sociedade e (...) promoverá as condições de justiça e de solidariedade para que a liberdade, os direitos e a igualdade das pessoas se realizem, removendo os obstáculos que o impeçam ou dificultem".
Os capítulos seguintes tratam de temas como "Direitos e Liberdades", "Governo e Administração do Estado", "Defesa Nacional", "Segurança Pública", "Poder Judicial", "Provedoria das Vítimas", "Ministério Público", "Controladoria", "Proteção do Ambiente" e "Processo de Revisão Constitucional".
Críticas
Para o advogado Ignacio Walker, antigo presidente dos democratas-cristãos, ex-senador e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, "não faz sentido substituir uma Constituição de direita por outra Constituição de direita; não faz sentido substituir a Constituição de Jaime Guzmán pela de José Antonio Kast. Estão em causa 200 anos de tradição republicana".
O texto proposto pela maioria de direita tem muitos aspetos positivos, mas não é a expressão de um acordo transversal; não há unidade na diversidade, mas sim uma tentativa de um setor político impor a sua vontade a outro sector, acrescentou.
Alejandro Köhler, deputado socialista, criticou duramente a proposta, afirmando que a direita "optou por impor um texto excludente, dogmático, retrógrado e polarizador". Uma Constituição democrática não pode ser redigida sob o viés de um único ponto de vista ou de uma única moral", acrescentou.
Um dos aspetos mais marcantes desta aprovação é a forte divisão política que a rodeia. O bloco da oposição, constituído por deputados do Partido Republicano e do Chile Vamos, apoiou unanimemente a proposta de nova Constituição. Em contrapartida, o bloco pró-governamental manifestou uma posição totalmente contrária, o que não é surpreendente, uma vez que já tinha anunciado anteriormente a sua intenção de o fazer.
A conselheira Paloma Zúñiga (RD) apelou às mulheres para que analisassem atentamente os pormenores e tivessem cuidado com os slogans populistas, afirmando que a proposta "vai contra os direitos das mulheres". Estas preocupações realçam a importância de a nova Constituição garantir direitos e a igualdade de género.
Por outro lado, o comunista Fernando Viveros considerou que se construiu uma Constituição sem a garantia dos direitos sociais, e que o Estado social e democrático de direito não passaria de palavras no papel. Afirmou que a proposta constitucional é mesquinha e é considerada insatisfatória.
Não é só o partido no poder que apela ao "não" à proposta de nova Constituição que tem a marca do Partido Republicano de direita. Os dirigentes do próprio partido do ultradireitista José Antonio Kast estão divididos. A oposição interna, liderada pelo senador Rojo Edwards, chegou a pedir para "abortar" o plebiscito para evitar uma eventual derrota nas urnas, já que as sondagens indicavam um possível triunfo do voto "Contra".
Transmissão e votação
A fase de tempos de campanha eleitoral na TV terá início 30 dias antes do dia da votação (17 de dezembro) e deverá terminar três dias antes do dia da votação. Durante parte deste período, será transmitido um espaço eleitoral em todos os canais de televisão de acesso livre, que será organizado pelo Conselho Nacional de Televisão (CNTV), o organismo público responsável pela regulamentação da indústria televisiva chilena.