Claudio Bueno
Via Carta Capital
A Al-Haq é uma organização palestina de direitos humanos, fundada em 1979 e sediada em Ramallah, na Cisjordânia. A Forensic Architecture Investigation Unit (FAI Unit) é uma unidade recém-criada da Al-Haq, sendo a primeira desse tipo no Oriente Médio. A FAI Unit utiliza metodologias e tecnologias da agência de pesquisa Forensic Architecture, sediada no Goldsmiths, da University of London, para monitorar e documentar violações contra palestinos, visando responsabilização legal e defesa pública. Ao fazer isso, a unidade busca criar uma nova geração de investigações visuais conduzidas por profissionais palestinos.
Nesta conversa, o grupo explora o trabalho da FAI Unit e suas interações com epistemologias, práticas e experiências de vida do povo palestino, como Sumud, Intifada e Nakba.
Ao apresentar o trabalho da Al-Haq, que já dura mais de quatro décadas, o grupo compartilhou: “Trabalhamos com métodos locais e centrados na comunidade para coletar depoimentos e verificar dados em campo. Em 2021, fomos designados como uma organização terrorista pela ocupação israelense. Um ano depois, nossos escritórios foram fechados e atacados pelo exército israelense. A FAI Unit foi criada há dois anos, como parte do esforço da Al-Haq de expandir suas ferramentas além dos depoimentos escritos, que já eram documentados há algum tempo. Agora, incorporamos materiais visuais, ferramentas espaciais e de arquitetura ao trabalho de verificação de dados em campo.”
“A Al-Haq sempre se baseou na documentação e amplificação das vozes palestinas e das violações praticadas contra essa população desde 1979. Essas vozes têm sido historicamente silenciados , distorcidas ou destruídas, inclusive em arquivos materiais. Arquivos palestinos foram destruídos diversas vezes.”
“Universidades estão sendo bombardeadas. Arquivos são atacados. Alguns foram levados em caminhões até a Palestina ocupada. Entraram no prédio, confiscaram os materiais, colocaram tudo em um caminhão e levaram embora. Hoje, estão nos Arquivos do Estado de Israel. Perdemos o acesso ao nosso passado, mas ainda podemos registrar nosso presente. Podemos nos manifestar em nome do povo palestino. Com as mídias sociais e seu poder, estamos desafiando a narrativa convencional.”
“Gosto de pensar sobre a nossa contribuição nos termos de pessoas muito qualificadas em desmantelar estruturas, liderá-las, entendê-las, familiarizar-se com elas e, então, atacá-las em seu ponto mais fraco. Acredito que estejamos aperfeiçoando ou, de certa forma, criando protótipos de como combater a narrativa israelense sobre violações. O trabalho em Gaza exemplifica essa familiaridade com as táticas israelenses de reconfiguração de narrativas.”
A FAI Unit usa tecnologias da Forensic Architecture, integrando-as com depoimentos e vozes palestinas. Enquanto a Forensic Architecture foca em dados e provas materiais, a Al-Haq prioriza as vozes e as experiências diretas do povo em campo.
“Existe um conflito entre narrativas, experiências pessoais e a precisão científica, que é muitas vezes reivindicada por forças coloniais para legitimar seu poder. Estamos adaptando essas metodologias coloniais para agir de forma contraforense e defender o povo palestino. Nossa abordagem combina precisão com um foco no aspecto humano. Lidamos com várias camadas de tensão: somos, enquanto palestinos, subjugados a ferramentas de análise forense utilizadas para nos controlar. Ao mesmo tempo, há a fascinação ocidental pela ciência e a verdade objetiva, o que atrai a mídia para a criação de agências investigativas. Estamos reorganizando nossa abordagem, começando pelos depoimentos e depois estabelecendo dados concretos a partir da memória e do espaço.”
Sobre Sumud, o grupo destacou a conexão com a terra, com as pessoas e com a existência neste território, apesar de todas as formas de opressão.
“Insistimos em existir e continuar presentes apesar de tudo. Insistimos em fazer oposição a toda forma de opressão.
“Insistimos em existir e continuar presentes apesar de tudo. Insistimos em fazer oposição a toda forma de opressão, censura e vigilância. Insistimos em continuar fazendo o nosso trabalho apesar de todas as circunstâncias. É a ideia de presença. Nós estamos presentes. Nós existimos, e ninguém pode impedir isso. É uma crença inexplicável em um futuro promissor.”
Quanto à Intifada, o grupo explicou que ela representa um levante popular pela libertação, uma recusa ao estado de opressão prolongada.
“Intifada significa que já tivemos o suficiente. Não aguentamos mais. É um resultado cumulativo da opressão, uma , uma crença de que esse estado de opressão não vai mudar.” Por fim, ao abordar o estado de catástrofe contínua na Palestina, falaram sobre o Nakba e a sistematicidade da violência israelense, sentida diariamente.
“A Nakba, ocorrida em 15 de maio de 1948, é chamada de Grande Catástrofe. Para nós, não é um evnto do passado, mas algo que molda nossa vida até hoje. Nossos avós foram forçados a partir e despovoar seus vilarejos em 1948, o que os traumatizou, gerou medo e autocensura. Somos produtos do trauma que nossos avós sofreram em 1948, e o silêncio forçado continua a nos afetar. A tragédia Nakba é uma escolha feita pelo Estado de Israel. Isso produziu uma sombra coletiva sob a qual nós continuamos vivendo. É por isso que decidimos intitular nossa exposição ‘They are Shooting at Our Shadows’ – porque nós éramos invisíveis, não tínhamos permissão para mostrar nossa existência. Ao mesmo tempo, as sombras do passado seguem nos assombrando e continuarão fazendo isso em toda e qualquer parte daquilo que compõe uma comunidade, até mesmo um detalhe um detalhe ínfimo. Isso começou como um genocídio e continua sendo um genocídio.”