Por Chantal Liégeois
Equipe Radar Internacional
Cenas de júbilo em Paris, Berlim e Viena. Os refugiados sírios se alegraram pela queda de Bashar Al-Assad após 54 anos de ditadura, incluindo 13 anos de guerra civil. E agora? Voltar para casa ou continuar na sua “nova vida". Vários países da União Europeia (UE) já decidiram por eles e anunciaram congelar os pedidos de asilo de sírios, e até mesmo pretendiam deportá-los.
Desde 2011, a ONU estima que 6 milhões de sírios tiveram que deixar o país. 50% deles estão na Turquia, outros para países vizinhos como o Líbano. Apenas 20% dos sírios deslocados do mundo encontraram refúgio na União Europeia. De acordo com a Agência de Asilo da União Europeia, mais de 100.000 sírios - que continuam a ser a primeira nacionalidade a solicitar asilo na UE - estavam ainda aguardando uma decisão sobre seu pedido de asilo no final de outubro de 2024.
Na Alemanha - que desde 2015 acolheu mais de um milhão de sírios que fugiram da guerra - agora o Gabinete Federal para as Migrações e Refugiados decretou um “congelamento das decisões relativas aos procedimentos de asilo ainda em curso” , explicou a ministra do Interior alemã, Nancy Faeser.
A Áustria, sob o controle da extrema direita desde as eleições parlamentares de setembro, anunciou que quer expulsar os refugiados sírios que vivem no seu território (95.000 refugiados) “Ordenei ao ministério que prepare um plano para repatriações e expulsões ordenadas ”, disse o ministro do Interior austríaco, Gerhard Karner, na segunda-feira, 9 de dezembro. Também declarou que os arquivos das pessoas que já receberam asilo serão reexaminados e que a reunificação familiar será suspensa.
Na Suécia, a extrema direita exigiu que as autorizações de residência dos cerca de 200.000 sírios que vivem no país fossem revogadas. Morten Messerschmidt, líder do Partido do Povo Dinamarquês, foi ainda mais longe: “Além de ajudar a reconstruir o país, isso melhorará as estatísticas de estupro na Dinamarca”.
Em França, o Ministro do Interior demissionário também quer uma “pausa” no acolhimento dos refugiados sírios, “trabalhando na suspensão dos atuais processos de asilo da Síria”. A Holanda, a Suécia, a Dinamarca, a Grécia e a Bélgica seguiram a política da França de suspender os pedidos de asilo da Síria. O que explica essa pressa?
A extrema direita da Europa à espreita
Todos esses anúncios refletem considerações políticas e não jurídicas. A ONG Médicos Sem Fronteiras vê isto como uma “instrumentalização dos migrantes para fins políticos” e uma “ânsia profundamente vergonhosa” de restringir o direito ao asilo. Gérard Sadik, do La Cimade, critica: “É uma pressa que está ligada a um contexto político no qual os partidos de governo estão seguindo as exigências da extrema direita”. Nesse sentido, esses anúncios podem ter o efeito de “estigmatizar” os sírios na Europa, que são comparados a terroristas por Jordan Bardella na França, por exemplo.
Na realidade, o desejo de enviar de volta refugiados sírios por parte da UE, não é novo. Nos últimos anos, o discurso contra eles endureceu. A Dinamarca e a Suécia optaram por restringir a proteção a que podiam reivindicar, julgando que a cidade de Damasco era uma zona “segura” para refugiados. Nos últimos meses, vários países europeus já tentaram rever suas políticas de recepção e expulsão em relação à Síria, inclusive a Itália, governada pelo partido de extrema direita de Giorgia Meloni.
O que as leis internacionais e europeias têm a dizer sobre o assunto?
Temos de mergulhar nas profundezas do sistema europeu de asilo e fazer um balanço das consequências de tais medidas.
A Convenção de Genebra de 1951 estabelece as condições para a concessão de proteção internacional aos refugiados. Para obter esse status, você deve ter fugido de seu país de origem, temer perseguição no país por um dos critérios listados, como religião ou opinião política, e não poder reivindicar a proteção de seu próprio país.
No caso de pessoas que já receberam asilo e, portanto, têm status de refugiado, para que os países possam expulsá-las, a lei internacional exige uma “cessação” desse status, justificada, nesse caso, por “uma mudança fundamental e duradoura no país de origem”. Os refugiados não podem ser expulsos enquanto tiverem esse status.
Se uma região de um país ou um país no seu conjunto for considerada "segura", as pessoas exiladas destas áreas podem ser devolvidas para lá, sem violar o princípio de não repulsão imposto pela Convenção de Genebra relativa aos refugiados. Esta questão dos “países seguros", está no centro dos debates a nível europeu. A Itália lutou para retirar países como o Egipto e Bangladesh da lista de países “seguros”, para poder expulsar os seus nacionais. Até que um tribunal italiano cancelou o regresso de vários exilados, ao abrigo de uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Ao mesmo tempo, a UE não esconde o seu desejo de expulsar os exilados que não poderiam reivindicar qualquer proteção: o pacto europeu de migração votado na primavera passada deverá facilitar a tarefa aos Estados-Membros, enquanto o recente acordo assinado entre a Itália e a Albânia para externalizar os pedidos de asilo neste país terceiro já foram considerados pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, como fonte de inspiração.
Outra política da UE. é incentivar o retorno voluntário. A Áustria, por exemplo, prometeu um “prêmio de retorno” de 1.000 euros para os refugiados sírios que decidirem retornar ao seu país. Quando as pessoas retornam espontaneamente ao seu país, elas reivindicam novamente sua proteção e perdem o status de refugiado. Milhares de sírios, especialmente os que vivem em países fronteiriços como a Turquia e o Líbano, também voltaram para casa esta semana.
FONTES: https://www.mediapart.fr/journal/international/121224/syrie-peine-le-dictateur-dechu-l-europe-songe-se-debarrasser-de-ses-refugies-syriens
https://information.tv5monde.com/international/syrie-que-dit-le-droit-sur-la-suspension-de-lexamen-des-demandes-dasile-dans-lue
https://information.tv5monde.com/international/des-refugies-syriens-redevenus-indesirables-2752255