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O presidente norte-americano Joe Biden apelou ao Congresso para que impeça a realização de uma greve de ferroviários que acontecerá em dezembro se entretanto não houver acordo entre patrões e trabalhadores. Ao justificá-lo, auto-classificou-se como um “presidente orgulhosamente pró-trabalhadores” mas disse que “um encerramento dos caminhos de ferro devastaria a nossa economia” e “muitas indústrias dos EUA fechariam”.
Esta posição vem na sequência das pressões do patronato. A Câmara do Comércio dos EUA, a Associação Nacional da Indústria, a Federação Nacional do Retalho e a Federação Americana de Agricultura e mais de 400 grandes empresas tinham já enviado uma carta ao Congresso a exigir a sua intervenção, alegando que uma greve custaria dois bilhões de dólares por dia à economia norte-americana e “iria levar imediatamente a falta de bens e preços mais altos” num contexto de aproximação das compras de Natal.
Neste país, o Congresso tem poder para impor “acordos” laborais deste tipo aos trabalhadores, impedindo assim a realização de greves. Não será portanto a primeira vez que assim é travada uma greve no setor ferroviário ou nos transportes aéreos. Nomeadamente, no setor ferroviário existe o Railway Labor Act que limita legalmente o direito à greve. A última, em 1992, só durou dois dias antes de ter sido travada pelo Congresso.
E isto conta com o apoio dos dois partidos do sistema. Biden reuniu na terça-feira com os líderes republicanos e democratas do Senado e da Câmara dos Representante para garantir a sua aprovação.
Do lado democrata, o senador Bernie Sanders, ex-candidato à nomeação a uma candidatura presidencial por este partido, é uma das vozes da contestação, procurando opor-se a uma votação prioritária que aprovaria a medida muito rapidamente. Sanders tem apoio dos outros elementos mais à esquerda, nomeadamente Jamaal Bowman e Cori Bush na Câmara dos Representantes mas está numa posição muito minoritária. Para além de criticar as decisões de Biden, dispara também contra o dono da BNSF, uma das maiores empresas ferroviárias do país, Warren Buffett, denunciando na sua conta do Twitter que num dia este ficou mais rico 1,38 milhões de dólares, ou seja “ganhou o dobro do dinheiro” nesse dia do que custaria a assegurar 15 dias de baixa paga por ano a cada um dos trabalhadores ferroviários da América”.
As negociações entre o patronato e os trabalhadores têm-se arrastado e o próprio presidente mediou uma proposta de acordo em setembro. Dos doze sindicatos do setor, oito aceitaram a proposta de aumentos de 24% com um bónus de 5.000 dólares retroativo a 2020 e mais um dia de folga pago, defendendo serem os maiores aumentos em quatro décadas. Em troca, contudo, os trabalhadores serão obrigados a aumentar a sua contribuição para os seguros de saúde das empresas.
Mas quatro sindicatos, que representam diretamente mais de metade dos 115.000 ferroviários rejeitaram o acordo nos seus plebiscitos internos devido aos horários de trabalho compulsivos que os impossibilitam tirar faltas e à ausência de dias de baixa médica pagos pela empresa. Pretendem continuar negociações e marcaram greve se estas não chegarem a bom termo até 9 de dezembro. O compromisso que tinha sido assumido entre os sindicatos implicava que se um deles entrasse em greve, esta seria apoiada por todos.
Por seu lado, os patrões do setor, reunidos na Associação dos Caminhos de Ferro Americanos aplaudem a decisão de Biden e insistem em não querer pagar as baixas médicas. Todas estas empresas implementaram cortes e lucraram 196 mil milhões de dólares em dividendos aos acionistas desde 2010.
A decisão de Biden desapontou os dirigentes sindicais. Por exemplo, Hugh Sawyer, do Railroad Workers United, declarou que presidente “estragou tudo” quando podia ter pedido ao Congresso que votasse a legislação mais favorável aos trabalhadores. “Tristemente, não conseguiu defender uma mera mão cheia de dias de baixa. Democratas e republicanos são ambos peões das grandes empresas”, concluiu.