Ainda segundo a especialista, apagamento acontece inclusive no Brasil: “Falar da crise no Sudão é falar de nós, sobre como as periferias são tratadas como descartáveis”
“A guerra do Sudão é esquecida por escolha política.” Com essa fala contundente, a historiadora Patricia Teixeira Santos denuncia o silêncio da comunidade internacional sobre o conflito que já desloca mais de 12 milhões de pessoas.
Em entrevista ao jornalista George Ricardo Guariento, que apresentou excepcionalmente o programa Dialogando com Paulo Cannabrava desta terça-feira (13), a docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) afirma que o caso sudanês escancara como o neocolonialismo do século 19 ainda opera sob novas roupagens no século 21.
Segundo a pesquisadora, o discurso de que guerras africanas são motivadas por conflitos religiosos ou étnicos serve apenas para ocultar os reais interesses por trás da violência: “São estratégias coloniais que seguem operando para manter o controle sobre as riquezas naturais da África.” Ela explica que a disputa por ouro, petróleo e urânio transforma populações civis em alvo direto de grupos paramilitares, armados e financiados por países estrangeiros, como os Emirados Árabes Unidos, com apoio também de potências ocidentais.
A entrevistada chama a atenção para a atuação do grupo Janjaweed, base das chamadas Forças de Apoio Rápido, que promovem massacres, estupros e expulsões em massa para garantir o domínio de áreas estratégicas. “O objetivo é o mesmo do colonialismo: tomar a terra e seus recursos, impedindo os povos africanos de exercerem sua soberania”, denuncia.
Omissão, do Brasil ao TPI
Patricia Santos critica a omissão do Tribunal Penal Internacional diante das denúncias do governo sudanês: “Mesmo com provas de crimes contra a humanidade, o tribunal alega que não é sua competência. Isso escancara a seletividade da justiça internacional.”
A professora também aponta o papel das universidades africanas e da resistência intelectual sudanesa, muitas vezes ignoradas no Brasil. “O Sudão tem universidades, movimentos de mulheres, partidos políticos atuantes como o Partido Comunista, mas tudo isso é invisibilizado por uma narrativa que vê o continente apenas pela lente da violência.”
Para a especialista, a guerra no Sudão não deve ser vista como um problema distante. “Falar da crise sudanesa é falar de nós. É falar da luta por soberania, por território, por dignidade. E também sobre como as periferias — aqui e lá — são silenciadas e tratadas como descartáveis.”
Durante a conversa, Patricia citou a morte do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que para a historiadora foi uma referência ética e política necessária nos tempos atuais. Ela elogia sua simplicidade e coerência entre discurso e prática e ressalta que, junto à saudade, fica o legado. “Mujica mostra que é possível fazer política com dignidade, sem abrir mão dos princípios”, observa.
A entrevista completa está disponível no canal da TV Diálogos do Sul Global no YouTube: