Javier Milei quer impor o plano econômico da última ditadura

As conexões entre o ultraliberalismo econômico e os autoritarismos

Por Guido Agostinelli*
Via Página 12

Sua candidata à vice-presidência, Victoria Villarruel, é a figura do negacionismo. O caso de José Luis Espert. A colaboração de Friedman com Pinochet, Hayek e sua visão positiva das ditaduras e os elogios de Von Mises ao fascismo são casos salientes onde o liberalismo econômico se funde com o autoritarismo.


Certos governos autoritários só querem liberdade de mercado, mas restringem as liberdades mais básicas. Atualmente, destaca-se o caso de Singapura, que lidera o ranking de liberdade econômica. O mesmo ocorreu em toda a América Latina no marco do denominado Plano Condor, nos anos 1970. Na Argentina, a última ditadura abraçou estas ideias como nenhum outro governo. As propostas econômicas da plataforma eleitoral de Javier Milei são as mesmas do autodenominado Processo de Reorganização Nacional.

O deputado nacional e referência do liberalismo econômico José Luis Espert, em uma acalorada entrevista no C5N, se negou a responder sobre as diferenças entre sua proposta econômica e a que foi levada a cabo pela ditadura militar iniciada em 1976. O mesmo ocorreu com várias figuras públicas libertárias do país.

As semelhanças entre o plano econômico da ditadura, Martinez de Hoz e Milei

Em matéria econômica, a última ditadura militar (1976-1983) é quase uma cópia do que propõem os libertários, encabeçados por Javier Milei. Em relação a isso, cabe recordar como Martinez de Hoz, ministro da Economia naquele período (1976-1981), fez uma análise em 1980 sobre o próprio plano que colocou em prática.

Martinez de Hoz disse que o plano foi baseado em 12 pontos fundamentais que apontaram a eliminação dos controles de preços, dos controles de câmbio e das intervenções para regular a taxa de juros e o sistema financeiro. Também foram baixadas gradualmente as tarifas para importações e foram eliminados os impostos as exportações (hoje chamadas "retenções").

Por sua vez, foi liberado o mercado de aluguéis, acompanhado com aumentos nos serviços públicos (água, luz e gás). Para terminar de reforçar estas ideias libertárias, cortaram-se os subsídios e proteções para certos setores, assim como também foi suprimida a intervenção sindical, facilitando por sua vez os movimentos de capitais provenientes do exterior com sua correspondente transferência tecnológica.

Seria difícil para algum libertário estar em desacordo com algum desses pontos. Embora seguramente argumentem que foram implementadas medidas com demasiada pressa ou, em alguns casos, com muita lentidão, ou que algo não se fez ou se fez de forma exagerada. Por exemplo, provavelmente estarão contra o enorme endividamento externo no qual se incorreu a ditadura, mas isso não foi mais do que uma consequência de toda a sua política.

Estas não foram ideias que não tenham estado na mente de vários economistas anteriores à ditadura militar. O que ocorreu é que com o uso da força e usurpando o poder foi possível implementá-las sem restrições. Dessa forma, levaram a cabo muitas das ideias que estão dando voltas atualmente no corolário libertário.

Inclusive, foi eliminada a atividade sindical, uma das principais restrições para colocar em marcha essas políticas. Consequentemente, em alguns aspectos pode-se sustentar que a ditadura militar pôde ir mais a fundo com a implementação de ideias libertárias do que poderia ir, hoje em dia e na democracia, qualquer partido que apoia estas ideias.

Liberalismo e ditaduras

Cabe se perguntar por que essas políticas de liberdade econômica na Argentina foram implementadas mediante uma ditadura militar, como no Chile, com o governo de Augusto Pinochet. No país transandino, Milton Friedman colaborou e teve longas conversas com o ditador sem jamais manifestar-se contra ele.

O economista austríaco Friedrich Hayek sustentava que uma ditadura poderia ser necessária para um período de transição. Ludwig Von Mises teve palavras elogiosas para o fascismo e outras ditaduras. Alberto Benegas Lynch (P) falou sobre os “nobres fins” do Processo de Reorganização Nacional. Álvaro Alsogaray considerou a última ditadura como uma “oportunidade” para fazer reformas.

O próprio Milei assessorando o genocida Antonio Domingo Bussi é a melhor prova de que os vínculos continuam, uma vez terminada a ditadura. De fato, o filho de Bussi é candidato a governador de Tucuman por La Libertad Avanza, o partido do economista libertário. Grandes referências da liberdade econômica estiveram ligadas aos governos autoritários que, não por acaso, restringiam as liberdades mais elementares.

Consequências do “livre mercado”

As consequências do experimento nefasto da ditadura foram contundentes em matéria econômica. Cresceu o desemprego, aumentou a desigualdade e o endividamento externo e o salário sofreu a maior queda da história argentina. A diminuição deste último gerou, como nunca antes em toda a história econômica argentina, um impacto social tão grande que jamais se pode voltar aos valores prévios ao uso da violência estatal.

Por mais que os libertários se façam de distraídos, teriam que saber que, ao ser o experimento mais próximo de suas ideias, as supostas vantagens libertárias deveriam ter começado a florescer, algo que jamais ocorreu.

Definitivamente, na última ditadura militar foram implementadas políticas similares às que hoje em dia reivindicam os espaços libertários. Pode-se observar que as consequências de tais políticas foram terríveis em termos sociais e econômicos. Quem se sentia atraído por estas “novas” ideias de liberdade deveria pensar que para impulsioná-las foi utilizado o abuso da força e as consequências foram altamente negativas.

O negacionismo do partido de Milei e os “liberais”

A candidata a vice-presidenta da Libertad Avanza, Victoria Villaruel, disse que “nem a Argentina está na vanguarda dos direitos humanos, nem as mães e avós são pombas brancas” e que “é mentira que as organizações armadas lutavam contra uma ditadura”.

Por sua parte, o líder do Avanza Libertad, José Luis Espert, expressou na sua conta de Twitter: “Basta com a mentira dos 300.000 desaparecidos e basta com essa história fácil dos direitos humanos”.

As ideias a favor da “liberdade” na realidade de livre não tem nada e quando se analisa a prática dessas propostas pode-se observar que quase infalivelmente terminam em governos autoritários ou diretamente em ditaduras. Também caberia se perguntar por que, se as ideias libertárias são tão vantajosas, tiveram que ser impostas mediante a força e não surgiram naturalmente como a melhor opção possível em todo o mundo.

*Economista, membro da FUNDUS.