Jean-Luc Mélenchon
Tradução Hugo Albuquerque
Via Jacobin Brasil
Esperava-se que o segundo turno das eleições francesas no domingo produzissem uma vitória para o Rassemblement National, partido de extrema direita, de Marine Le Pen – mas o vencedor no final foi a Nova Frente Popular, coalizão de partidos de esquerda. Foi conquistado 182 cadeiras no parlamento, diante de 168 da coligação de Emmanuel Macron e 143 do partido e aliados de Le Pen.
Macron convocou eleições antecipadas em junho numa tentativa de “reorganização” – e acabou perdendo 77 assentos. No entanto, numa carta à imprensa francesa na quarta-feira, afirmou que “ninguém” ganhou. Ele procura agora manter os seus aliados no poder apesar da perda eleitoral, através de acordos com partidos mais pequenos de centro-esquerda e centro-direita.
Num artigo de opinião em seu blog, aqui traduzido para o português, o fundador da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, saudou a frente republicana que manteve a extrema direita afastada do poder, mas rechaça as tentativas do presidente de negar à Nova Frente Popular a oportunidade de se formar um governo.
Isso não é um evento como qualquer outro, e nenhum defensor da república pode minimizar nem o seu significado político, nem sua extrema gravidade. O presidente da República, em uma carta dirigida aos franceses, afirma que “ninguém ganhou as eleições”. Ele está errado. Todo mundo sabe disso. A Nova Frente Popular ficou em primeiro lugar nas eleições e cabe a ela formar o próximo governo.
Em todas as democracias do mundo, é assim que as eleições permitem designar o governo, com ou sem maioria absoluta na Assembleia Nacional, a Câmara dos Deputados da França. Essa é também a regra que Emmanuel Macron aplicou em 2022, quando nomeou um primeiro-ministro de uma coligação presidencial que ainda não tinha maioria absoluta na Assembleia Nacional. Aquela coalizão foi chamada de “maioria presidencial” apesar de não ser uma maioria de deputados. Desta vez, a coligação de partidos que apoia Emmanuel Macron ficou em segundo lugar. O presidente não pode recomendar que forme uma nova coligação antes de considerar o que está a acontecer com a coligação que, realmente, saiu vitoriosa. Agir como o presidente faz é, portanto, um golpe de Estado, um abuso de poder.
É também violência contra a própria Assembleia. Na verdade, Emmanuel Macron pede que a eleição da presidência da Assembleia defina os contornos de uma nova maioria governamental, independentemente do resultado da votação pelo sufrágio universal. Não é papel da eleição da presidência da Assembleia estabelecer os contornos de uma maioria governamental. Além disso, poderá o presidente da República ignorar que não se podem formar grupos parlamentares sem declarar se pertencem à maioria ou à oposição? É, portanto, impossível se a “maioria” do governo não for conhecida. Tudo isso é, portanto, assume um significado insuportável: o contido na frase na qual o presidente afirma que “ninguém ganhou”. Ele, portanto, nega o resultado da votação de domingo, 7 de julho. Quem poderia aceitar isso e endossar essa prevaricação? Isso não é tudo.
O presidente também viola o sentido político do que aconteceu entre os dois turnos das eleições legislativas. Porque faz da “frente republicana” uma aliança política que deveria produzir um governo ou uma maioria no parlamento. Não pode haver dúvida disso. A chamada “frente” não é uma aliança política. Nunca foi discutido. É até o seu significado profundo estar além dos partidos e das fronteiras partidárias para responder a um interesse comum maior. É um “cordão sanitário” contra a ascensão ao poder de um partido hostil ao caráter republicano do Estado como o Reagrupamento Nacional (RN), por todas as razões mil vezes expressas sobre o assunto. Quanto aos rebeldes, a decisão de retirar os nossos candidatos que ficaram em terceiro lugar, quando o RN ficou em primeiro lugar, foi tornada pública por mim às 20h15, sem qualquer tipo de negociação e sem qualquer pedido de indenização. Querer transformar uma decisão de “cordão sanitário” em uma aliança política é um abuso do poder político. Ele se junta aos que negam o resultado das eleições e a vitória da Nova Frente Popular. Os dois formam um todo inaceitável.
Portanto, a continuação das eleições de 7 de Julho, que garantiram a derrota do RN por meio da vitória da Nova Frente Popular, deve agora ser prolongada até a derrota do golpe político de Emmanuel Macron. Ele quer manter o poder que o voto francês lhe tirou. Não se pode aceitar este tipo de devolução do veto real imposto contra uma votação por sufrágio universal. Não se pode permitir o regresso de combinações indignas e de travessuras secretamente elaboradas que permitiriam impor-se por uma coligação diferente daquela designada pelo voto popular pelo sufrágio universal! O que é inaceitável não é cabível. E isso deve ser traduzido na prática, até que o presidente respeite a decisão do sufrágio universal.