Não haverá regeneração democrática sem um giro à esquerda

Via Viento Sur

Diante do dilema colocado para Pedro Sanchez nos últimos dias de reflexão sobre se renunciaria ou não como Presidente de Governo, devido à ofensiva do bloco reacionário de direita, concentrada recentemente contra sua familia, sua decisão por fim foi a de “seguir com mais força, se couber”.

 

Sanchez também anunciou que a partir de agora abre-se “um novo momento para trabalhar sem descanso e com firmeza e serenidade pela consolidação dos direitos e liberdades”, em suma, “pela regeneração da democracia”, apelando a “que a maioria social se mobilize em defesa da dignidade”.

 

Sendo este o desfecho, é difícil não suspeitar que por trás do parênteses de 5 dias, além dos motivos pessoais não houvesse um cálculo político por parte de Sanchez com o objetivo de prevenir uma provável crise de governabilidade do regime depois das novas convocatórias eleitorais. Em todo caso, a mobilização do seu partido e das forças políticas e sociais aliadas nesses dias em torno a sua figura reforçaram sua liderança plebiscitária e sua hegemonia em relação às forças à esquerda no governo, que se encontram mais enfraquecidas.

Além disso, essa decisão é produzida em um contexto de policrise global e de ascenso da Internacional reacionária que segue sem ser combatida pelas forças do novo progressismo com propostas alternativas e muitas das quais foram se adaptando a agenda de um neoliberalismo autoritário, xenófobo e militarizado.

 

Por isso não surpreende que diante de uma ameaça muito real contra as conquistas políticas e sociais alcançadas nas últimas décadas que levaria a possibilidade futura de um governo PP-Vox, a proposta de regeneração democrática feita por Sanchez não tenha sido acompanhada de nenhuma concretude. Porque se o “novo momento” que anunciou para essa nova etapa, na qual sem dúvida não vai cessar a ofensiva do bloco reacionário - político, midiático e, sobretudo, judicial - deve significar alguma coisa, deveria supor um novo giro democratizador e à esquerda.

 

Portanto, há razões de sobra para se expressar um profundo ceticismo em relação ao que se quer apresentar como uma nova etapa do governo de coalizão que no passado recente não foi caracterizado precisamente por lutar contra os fatores que estão por trás do ascenso das direitas e que, além disso, mantém no seu seio um personagem como o ministro Grande-Marlaska, principal responsável pela tragédia das barreiras de Melilla.

Todavia, não faltam exemplos do que deveria significar uma luta consequente contra o lawfare e pela consolidação dos direitos e liberdades: a derrogação da lei de mordaça e da legislação de imigraçao, assim como da Lei de Segredos Oficiais, a depuração efetiva do poder judicial e do aparato policial, assim como uma anistia para quem, como os 6 de Zaragoza, ingressaram na prisão pelo exercício de direitos fundamentais, seriam apenas algumas das que poderiam demonstrar uma vontade efetiva de radicalidade democrática.

 

Também, se se é consciente de que, no caso espanhol, por trás da radicalização das direitas esta, como vimos com o rechaço da lei de anistia, sua beligerância na defesa de um nacionalismo espanhol excludente e criminalizador, deveria entrar na agenda desse governo assumir a necessidade de caminhar em direção a um reconhecimento efetivo da plurinacionalidade e uma revolução democrática do conflito catalao mediante um referendo pactuado sobre a independência. Ao que deveria se somar a necessidade de acabar com outro dos grandes erros do consenso da Transição, reconhecido inclusive por um dos pais da Constituição, Miquel Roca, como foi e é um Senado que não tem nada a ver com a representação territorial dos nossos povos e convertido agora em bastião da reação. E, por fim, last but not least, a obrigação como antiga potência colonial de restituir ao povo saharaui seu direito à autodeterminação.

 

Mas sabemos igualmente que entre as razões do mal-estar das camadas populares encontram-se o medo e a insegurança diante de um futuro no qual as desigualdades de todo tipo vão se agravando dentro de uma União Europeia que ameaça com o retorno do Pacto de Estabilidade e Crescimento a serviço de uma Europa potência; uma Europa mais militarizada e racista, atualmente cúmplice do genocidio que o povo palestino esta sofrendo e que segue adiando a luta consequente contra a crise climatica. Tememos muito que nesse marco sistêmico, a agenda presidida pelo governo Sanchez siga sem estar presente a disposição para adotar uma reforma fiscal e uma reforma trabalhista radicais, ou para colocar em pé uma empresa energética pública.

 

Contudo, devemos ser conscientes de qual é a atual correlação de forças e, portanto, da necessidade de mudá-la radicalmente se quisermos voltar a colocar no nosso horizonte a necessidade de um programa de açao disposto não apenas a colocar um freio nas direitas, como também a questionar as próprias bases de um regime que segue mostrando-se incapaz de assumir no seu cerne algumas das reformas moderadas que o governo atual propõe. Por isso, para avançar por esse caminho, agora urge trabalhar mais além das instituições para buscar uma confluência em torno a objetivos e mobilizações comuns entre as organizações sociais mais ativas e alternativas, e todas aquelas que se esforçam para expressar seu sentimento de indignação e vontade de defesa da democracia frente ao que pode chegar a ser uma ameaça real de retorno aos tempos do tardofranquismo.