UMA ENTREVISTA DE James Hutt
TRADUÇÃO
GERCYANE OLIVEIRA
Via Jacobin Brasil
A tensão está aumentando à medida que a repressão do governo israelense e a violência dos colonos são acompanhadas por um aumento da resistência palestina. Khalida Jarrar, dirigente do movimento de libertação da Palestina, diz que a situação está chegando a um ponto de ruptura.
Khalida Jarrar é uma das líderes mais famosas — e visadas — do movimento de libertação da Palestina. Socialista e feminista dedicada, sua organização assumiu muitas formas diferentes ao longo das décadas e custou muito caro. Ela foi eleita para o Conselho Legislativo Palestino (CLP) em 2006 e presidiu a Comissão de Prisioneiros do CLP. Antes de sua eleição, Jarrar atuou como diretora da Addameer Prisoner Support and Human Rights Association.
Jarrar foi presa por Israel quatro vezes por sua militância. A primeira vez foi no dia 8 de março de 1989 por sua participação nas manifestações do Dia Internacional da Mulher.
Em 2014, Israel emitiu uma ordem militar para expulsar Jarrar de Ramallah. Os soldados cercaram a casa de sua família e tentaram transferi-la para Jericó, onde ela seria colocada sob supervisão. Jarrar se recusou a assinar a ordem e recorreu à decisão. Ela ganhou, mas foi presa mais tarde, em abril de 2015. Ela cumpriu seis meses sem acusação ou julgamento sob detenção administrativa, um procedimento do sistema de tribunais militares de Israel separado para palestinos.
Jarrar acabou sendo acusada de “participação em uma organização ilegal” (Israel considera ilegais todos os partidos políticos palestinos) e “incitação”. Ela foi libertada após quinze meses em junho de 2016.
Em julho de 2017, Jarrar estava liderando os esforços para levar Israel ao Tribunal Penal Internacional quando foi presa novamente. Ela foi mantida sob provas confidenciais e sua detenção administrativa foi renovada várias vezes até sua libertação em fevereiro de 2019.
Oito meses depois, em outubro de 2019, ela foi presa novamente e acusada de “ocupar um cargo em uma associação ilegal”. Enquanto estava na prisão, Jarrar lançou um programa para educar mulheres palestinas em prisões israelenses e permitir que elas recebessem certificados universitários por seus estudos.
Apesar das tentativas de Israel de proibir a iniciativa, várias mulheres receberam diplomas, e a iniciativa continua até hoje. Em julho de 2021, a filha de Jarrar, Suha, faleceu inesperadamente aos 31 anos de idade. Apesar do clamor internacional, Israel se recusou a permitir que Jarrar comparecesse ao funeral.
Jarrar foi finalmente libertada em setembro de 2021. Até o momento, ela passou mais de sessenta e três meses atrás das grades. Desde sua libertação, ela aceitou um cargo na Universidade de Birzeit, onde pesquisa o papel histórico das mulheres palestinas presas políticas.
James Hutt, genro de Jarrar, sentou-se com ela em sua casa em Ramallah para conversar sobre o atual aumento da resistência, os desafios enfrentados pelo movimento de libertação e o que ela acredita que virá a seguir.
JH: Há meses, a Cisjordânia parece estar prestes a entrar em erupção. Já ouvi palestinos usarem a expressão “a situação é como uma brasa”. Houve uma onda de resistência palestina, especialmente em face da escalada da violência israelense. Algumas pessoas descreveram esse fato como os meses que precipitaram a segunda intifada. Como você entende o momento atual?
KJ: Há invasões diárias do exército israelense nas cidades palestinas. Há prisões em massa diariamente. Diariamente, acordamos com notícias de Israel matando pessoas. Além disso, a Cisjordânia está repleta de postos de controle e estamos testemunhando o exército israelense assassinando cada vez mais pessoas nos postos de controle.
Eles invadiram Jericó muitas vezes e especialmente depois do ataque ao campo de refugiados de Aqabat Jaber, nas proximidades, onde os soldados demoliram muitas casas e assassinaram cinco pessoas. Se Israel acha que essas pessoas fizeram algo errado, poderia tê-las prendido, como de costume. Em vez disso, seu objetivo é matar. Atirar em pessoas se tornou muito fácil para o exército israelense.
Israel começou a demolir casas em grande escala. Sempre fez isso, mas agora em um número tão grande que é claramente uma nova política. O governo israelense quer remover os palestinos de Masafer Yatta e de Jerusalém Oriental, por exemplo. O ministro israelense da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, ordenou pessoalmente a demolição de um prédio em Jerusalém que abrigava cem palestinos.
Por outro lado, a burocracia israelense usa a desculpa de que essas casas foram construídas há trinta anos e não têm licenças. É claro que não. Israel não concederá licenças aos palestinos para construir ou reformar suas casas em Jerusalém.
Os elementos mais perigosos são os colonos, que, obviamente, estão sob a proteção dos soldados. Acho que os colonos na Cisjordânia e em Jerusalém somam cerca de um milhão de pessoas atualmente. As estradas estão cheias de colonos. Seus assentamentos não são pequenos vilarejos ou cidades, são cidades inteiras. Os colonos têm armas. Eles atacam os palestinos. Roubam suas azeitonas e cortam suas árvores. Eles fecham as estradas e jogam pedras nos carros com placas brancas da Cisjordânia. Eles matam pessoas.
Há uma escalada da violência com esse novo governo fascista. Todos os governos israelenses violam os direitos dos palestinos prendendo e matando pessoas, mas olhamos para esse novo governo e vemos pessoas como [o ministro da Fazenda de Israel] Bezalel Smotrich ou Ben-Gvir, que foi condenado por terrorismo contra palestinos pela polícia israelense. Agora ele não é apenas parte do governo israelense — ele é o ministro da segurança nacional.
Ben-Gvir ameaçou com mais leis contra prisioneiros e quer aplicar a pena de morte. Como ministro, ele anunciou seu apoio e deu um presente a um soldado que matou um civil palestino no campo de refugiados de Shuafat. O soldado espancou o homem e atirou nele à queima-roupa. Ben-Gvir não é um civil ou apenas um colono. Ele é um ministro do gabinete israelense. Ben-Gvir disse ao soldado que apreciava o que ele havia feito, e o mundo ficou em silêncio. [Desde essa entrevista, Israel aprovou uma nova guarda nacional sob o comando de Ben-Gvir que se concentrará na “agitação árabe”].
Além da escalada da violência e das violações contínuas, há um alto índice de desemprego e pobreza. Isso está relacionado à forma como Israel está roubando dinheiro da Autoridade Palestina (AP). Segundo o Acordo de Paris, Israel coleta receitas fiscais e comerciais que devem ser devolvidas à AP. No entanto, Israel começou a confiscar milhões de shekels todos os meses, afetando o orçamento da AP e seus programas.
A Palestina também é um país agrícola. Israel não permite que as pessoas busquem água ou plantem em suas terras. Os palestinos não têm acesso a terras na Área C, que corresponde a 68% da Cisjordânia, portanto não podem construir ou plantar em suas terras nessa área. Por outro lado, os palestinos não têm o direito de ter suas próprias fábricas ou sua própria economia. Nossa economia está ligada à economia israelense e o Acordo de Paris continua nos pressionando.
Portanto, há um aumento da pobreza, das violações dos direitos humanos, dos assassinatos e da expansão dos assentamentos israelenses. Os palestinos não têm nada a fazer a não ser resistir a essa ocupação, porque não há esperança para eles enquanto a ocupação existir.
“Agora, sabemos que a maioria dos jovens palestinos está resistindo à sua própria maneira. “
Existe agora uma resistência coletiva geral, e notamos esse novo fenômeno de jovens palestinos que empreendem a resistência armada por conta própria, porque veem e vivem as violações diárias; porque não há esperança para eles. A ocupação destrói tudo para os palestinos, destrói a esperança, destrói o futuro. Então, o que eles podem fazer? Além disso, não há punição para Israel por violar os direitos humanos e as convenções humanitárias internacionais. Não vemos nenhuma punição. Só vemos o oposto: a punição dos palestinos que buscam sua liberdade e justiça.
JH: Onde você acha que isso vai dar? Isso levará a uma nova intifada?
KJ: Veja, há elementos necessários para uma intifada. Você precisa de liderança e organização coletiva, por exemplo. O que vejo é que há uma resistência contínua. Se isso levará a uma intifada ou a uma luta armada, eu não sei. Mas a situação é muito crítica. A ocupação continua aumentando a violência, por isso o povo palestino resistirá.
Também lamento dizer isso, mas o povo palestino não está armado. Quem está armado são os soldados israelenses. Eles têm tanques, armas e aviões. Eles têm um exército. Os palestinos têm muito pouco com que resistir, mas o espírito de resistência pode ser encontrado no povo palestino. Então, qual será o nome desse momento? Não posso dizer se será uma intifada, porque isso requer muitos elementos que não são encontrados hoje, mas há uma resistência contínua que está se desenvolvendo. Para quê? O futuro responderá.
JH: Como você descreveria a situação atual do Movimento pela Libertação da Palestina?
KJ: As divisões internas afetaram gravemente o movimento de libertação, especialmente entre o Fatah e o Hamas. Eles são os dois maiores partidos e estão satisfeitos com a situação atual, com o Hamas no controle de Gaza e o Fatah, de certa forma, no controle da Cisjordânia e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Mas a maioria das pessoas quer eleições, o que mudaria essa situação. As eleições são uma parte da abordagem de que precisamos como povo.
A outra é um acordo mínimo entre todas as partes para trabalharem juntas. Mas as divisões internas e os interesses particulares de cada um dos partidos significam que eles estão mais inclinados a adiar as eleições.
Não temos eleições para o Legislativo Palestino desde 2006, mas a maioria das pessoas quer mudanças. Os palestinos precisam eleger sua liderança. Será necessária uma pressão popular para que isso aconteça.
Houve muitos acordos entre os partidos para organizar eleições. As últimas deveriam ter sido realizadas em 2021, mas não aconteceram. O presidente [Mahmoud Abbas] as cancelou com a desculpa de que não poderíamos realizar eleições sem os palestinos em Jerusalém, que Israel não permitiria que participassem. Mas isso é uma desculpa. É claro que a Cisjordânia poderia ter eleições sem Jerusalém. E se acreditarmos em uma abordagem democrática genuína, encontraremos maneiras de incluí-los e de fazer isso em Jerusalém.
A outra questão é que o movimento de libertação se moveu em direção ao que chamamos de construção do Estado, que tem objetivos e atividades diferentes dos da libertação. Parte do movimento pensa em estabelecer um Estado independente e achava que poderia fazê-lo por meio dos Acordos de Oslo, mas descobriu, depois de vinte e cinco anos, que isso é apenas um slogan.
Mas agora estamos vendo a resistência popular do povo que talvez force o movimento de libertação a se ajustar. Talvez force os partidos e seus líderes a avaliar e evoluir, e a implementar de fato as demandas nacionais dos palestinos, sendo: autodeterminação, o direito de retorno dos refugiados e o fim da ocupação.
Portanto, precisamos mudar do objetivo de construir um Estado e retornar para nos concentrarmos na libertação e, em minha opinião, essa deve ser uma abordagem democrática. Além da luta nacional, também temos uma luta democrática, que inclui justiça social e igualdade entre homens e mulheres. Esse é o conteúdo da libertação de que precisamos como povo palestino.
JH: Falando em divisões e acordos entre os partidos palestinos, quero lhe perguntar sobre o Documento dos Prisioneiros de 2006. Esse documento parece ter sido o mais próximo que os vários partidos chegaram de alcançar uma visão unificada por um longo tempo. Você vê algo novo como isso por vir?
KJ: Temos muitos acordos, mas os dois principais acordos que respondem a toda a questão e a todas as diferenças entre os partidos políticos são o Documento dos Prisioneiros e o Acordo do Cairo de 2005, que foi acordado por todos os partidos para reformar a OLP. O ponto de partida, em minha opinião, deve ser a OLP, não a AP. Por quê?
Porque somos palestinos que vivem na Cisjordânia, em Gaza, em Jerusalém e dentro das terras tomadas por Israel em 1948, com a maioria dos palestinos refugiados. Se acreditamos que todos os palestinos devem participar da avaliação do processo político e da eleição de uma nova liderança, esse deve ser um processo compartilhado com todo o povo palestino.
O ponto de partida é o conselho nacional relacionado à OLP. Mas ele precisa de mais pressão porque todos os dois grandes partidos estão satisfeitos com o status quo. Sem reformar a OLP, democratizá-la e torná-la representativa do povo palestino em todo o mundo, inclusive nos territórios ocupados, acho que o movimento de libertação continuará fraco.
JH: Por que você acha que o Documento dos Prisioneiros não conseguiu atingir seus objetivos? O que é necessário agora?
KJ: O documento não fracassou, mas não há capacidade de implementá-lo. O problema não é com o acordo, mas com a implementação dele. E a implementação de qualquer um dos acordos, inclusive o Documento dos Prisioneiros, depende de convencer os grandes partidos de que devemos realmente fazer isso e não apenas continuar organizando novos acordos. A última reunião foi na Argélia e nada aconteceu. Eles assinaram, tiraram uma foto e comemoraram, mas nada aconteceu na prática. Não precisamos de novos acordos; precisamos de força para implementar os acordos que todas as partes já assinaram.
JH: Você acha que a visão da libertação mudou desde aquele momento em 2006 até agora, no contexto atual? A estratégia é fundamentalmente diferente agora?
KJ:
A maioria das pessoas não está convencida do que a direção faz. Não há como consertar esse relacionamento, exceto por meio de eleições, e não há eleições, portanto, é uma questão complicada. É uma questão de luta interna. Pode levar tempo, mas a situação e esse tipo de ocupação não nos darão nada, como palestinos. Eles querem nos expulsar ou nos matar e acabar com qualquer tipo de autodeterminação. Isso significa que continuaremos a nos equilibrar entre a luta contra a ocupação e a reforma de nossa situação interna como povo.
JH: Nos últimos dois anos, vimos uma colaboração cada vez maior entre Israel e a AP, com a AP até mesmo desempenhando um papel ativo na repressão de seu próprio povo. Até que ponto a AP pode ser uma barreira para a libertação e o que precisa mudar?
KJ: Quando se fala da AP, estamos falando de um governo que tem um acordo com Israel. A maioria dos palestinos é contra esses acordos. Estou falando do Acordo de Oslo, do Acordo de Paris, do Acordo de Camp David e do Acordo de White River – todos os tipos de acordos. Esses acordos tornam a autoridade nacional responsável por implementá-los, de modo que a AP tem de coordenar a segurança com Israel. No entanto, a maioria das pessoas e a maioria dos partidos políticos rejeitam isso.
Em janeiro, após o massacre no campo de refugiados de Jenin, o Conselho Central da OLP tomou a decisão de encerrar a coordenação de segurança da AP com Israel, mas a AP continua a fazer isso. Agora há uma enorme lacuna entre o povo e a AP, e uma questão em aberto sobre a finalidade da AP. O papel da autoridade é pressionar as pessoas ou ajudá-las? Ela deveria pelo menos abordar as questões da vida cotidiana, como educação e saúde? Ela deve ser reformada? Ela deve se relacionar com a OLP? Deve ser dissolvido? Ou deveríamos mudar seu papel para apenas supervisionar a vida cotidiana e não interferir em questões políticas ou de segurança? A AP facilita ou dificulta o movimento de libertação?
A resposta a essas perguntas deve vir das pessoas. Você precisa de um fórum para discutir isso, que deve ser o conselho nacional. Podemos eleger novos membros. Podemos eleger pessoas nas áreas em que podemos realizar eleições e chegar a um acordo nas áreas em que não podemos. Vamos começar a nos reunir – não apenas para eleger novos líderes, mas para avaliar o processo político e responder a perguntas como essas sobre o relacionamento com a AP.
JH: Onde estão os partidos de esquerda em tudo isso? Por que você acha que eles não têm sido tão populares ou bem-sucedidos?
KJ: A maioria dos partidos de esquerda é fraco, com exceção da Frente Popular para a Libertação da Palestina ( FPLP), que é o maior partido de esquerda, mas se você comparar com o Fatah ou o Hamas, verá que há uma enorme diferença.
Por que eles são fracos? Isso está relacionado a muitos elementos, tanto externos quanto internos. Externamente, é como a situação de todos os partidos de esquerda em todo o mundo. Internamente, é porque você não consegue diferenciar alguns partidos políticos da AP e do Fatah, por exemplo. Muitas pessoas não percebem que os partidos de esquerda são diferentes.
Portanto, um dos objetivos é unificar os partidos de esquerda, mas também precisamos avaliar e concordar com os objetivos políticos, ideológicos e sociais. Talvez concordemos com os termos sociais e democráticos, mas politicamente ainda há muitas diferenças entre os partidos de esquerda. Houve muitas tentativas de unificá-los que ainda não foram bem-sucedidas. Talvez a maneira de nos unificarmos seja na base, por meio da resistência e da luta conjunta por diferentes causas.
JH: Qual é a influência do socialismo na Palestina atualmente? Até que ponto ele está orientando as pessoas, especialmente essa nova geração de jovens?
KJ: Parte de nossa análise sobre o motivo de haver divisões internas, sobre o motivo de o movimento de libertação estar dividido, é porque também há uma luta de classes. Há uma classe que se desenvolveu a partir do Acordo de Oslo que não tem interesse na libertação. É uma classe muito pequena, mas que controla muitas coisas. Do meu ponto de vista, o socialismo é parte da solução.
O movimento socialista está muito fraco na Palestina no momento, mas quando se fala em justiça social, por exemplo, ou na luta democrática, isso oferece uma resposta para o futuro de todos os palestinos. No momento, a AP depende do mercado livre, e isso não resolverá o desemprego nem nenhum dos problemas sociais. Ela está tentando implementar o neoliberalismo, o que não ajudará a situação interna.
Atualmente, menos pessoas são atraídas pelo socialismo porque não entendem o que é socialismo. Nunca tivemos uma autoridade que quisesse implementar o socialismo. É uma AP neoliberal. É por isso que a maioria dos problemas está piorando com ela.
“A pobreza está aumentando. O desemprego está aumentando. A desigualdade está aumentando e a AP aprova leis não para ajudar a maioria das pessoas, mas para beneficiar a classe dominante. “
A classe compradora é uma nova classe e cria monopólios capitalistas para todos os tipos de serviços e setores, como o de telecomunicações. Portanto, lutamos pelo oposto. Por exemplo, defendemos um desenvolvimento resistente, com cooperativas e políticas que beneficiem os jovens, entre outros. Mas tudo isso está conectado. Temos uma luta nacional, uma luta democrática e uma luta social, e todas elas estão relacionadas.
JH: Uma coisa que me chama a atenção nesses novos grupos de resistência armada, como o Lion’s Den, é que eles não vêm de um único partido. Eles parecem ter membros de todos os diferentes partidos e de pessoas não alinhadas a nenhum deles. É desse tipo de unidade que você está falando? E com o surgimento de grupos como o Lion’s Den, os partidos políticos tradicionais se tornam menos relevantes?
KJ: A situação na Palestina é que todos os palestinos pertencem a partidos. Não necessariamente como membros, mas toda a sociedade palestina é politizada, e as pessoas estão ligadas aos partidos de várias maneiras. Então, clandestinamente, há agora um novo fenômeno como o Lion’s Den (غرِن الأسود) e outros em que as pessoas estão trabalhando juntas. Isso lhe dá uma resposta.
Por que as pessoas na base estão unidas na luta contra a ocupação, mas a liderança não está? Por seus próprios interesses. Portanto, um dos problemas é a liderança. Talvez essa seja uma nova maneira de reconstruir o movimento de libertação a partir do zero, de usá-lo para pressionar a liderança a se unificar ou de reformar toda a abordagem do movimento. Acredito que a nova abordagem, ou talvez a única, seja a pressão de baixo para cima. Das pessoas trabalhando juntas, obtendo sucesso, e talvez isso pressione os líderes a se unirem, pelo menos.
Também não se trata apenas de resistência armada. Há muitos tipos de resistência em que as pessoas estão se unindo no terreno. Outro exemplo de alguns anos atrás foi quando Israel instalou detectores de metal para restringir o acesso à Mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém. As pessoas se organizaram e trabalharam juntas. Elas desenvolveram um programa compartilhado, fizeram manifestações diárias e realizaram protestos em frente à mesquita. Por fim, obtiveram sucesso e a ocupação os removeu.
JH: Qual é a importância da resistência armada como estratégia de libertação?
KJ: Você quer me mandar para a prisão? [risos] Em geral, qualquer povo sob ocupação tem o direito de lutar e resistir de todas as formas. Elas têm esse direito de acordo com as leis internacionais e humanitárias.
JH: Onde você acha que isso vai parar?
KJ: É impossível dizer. Não podemos prever o futuro, mas o que podemos fazer é pegar esse fenômeno e perguntar como e por que ele se estabeleceu. Percebemos que ele afeta diferentes áreas e é impulsionado por jovens. Percebemos que ele se expande, talvez com outros nomes, por toda a Cisjordânia, e talvez com pessoas que não estão diretamente relacionadas a partidos políticos, mas que estão resistindo à ocupação. Não podemos ver aonde isso vai dar, porém, como eu disse, o espírito de resistência está nas pessoas agora. As pessoas estão tentando encontrar seu próprio caminho, recusando-se a viver sob essa ocupação.
JH: Algo que acho que muitas pessoas no Norte Global não sabem é a extensão da vigilância de Israel sobre os palestinos. Há câmeras de reconhecimento facial nos postos de controle entre as cidades da Cisjordânia, há drones patrulhando os céus sobre eles e ficamos sabendo que Israel agora pode monitorar cada telefonema. Como é se organizar quando Israel pode estar vendo e ouvindo quase tudo o que você faz?
KJ: Essa é uma pergunta difícil, tanto para eu dizer quanto para você publicar [risos]. As pessoas aqui têm um mecanismo secreto que usam. Mas não posso divulgar isso. As pessoas tentam não ser observadas, por exemplo. É mais difícil do que antes. Você não pode fazer coisas publicamente. Não se pode usar a tecnologia. Mas há muitas maneiras de resistir. As pessoas estão sempre desenvolvendo suas próprias maneiras de se organizar. Se houver violações e punições por parte da ocupação, isso também nos ensina. Aprendemos com eles e como eles operam. Aprendemos ao sermos pegos e punidos.
JH: Qual é a importância da organização dos prisioneiros e dos esforços de solidariedade neste momento? Para o movimento mais amplo, em geral?
KJ: Lembre-se de que somos um povo que vive sob ocupação. Mais de um milhão de palestinos foram presos por Israel desde 1967 até agora. É muito raro encontrar uma casa aqui que não tenha prisioneiros ou ex-prisioneiros na família. A situação dos prisioneiros ainda é muito importante para as pessoas e ela é altamente respeitada.
Tudo o que acontece dentro da prisão afeta o exterior também. Ben-Gvir, por exemplo, ameaçou com novas punições contra os prisioneiros. Assim, os prisioneiros organizaram um comitê de emergência de todos os partidos e elaboraram um programa de luta compartilhada. Isso afeta o restante das pessoas e a forma do movimento de libertação.
Agora, resta saber se Ben-Gvir poderá realmente colocar em prática suas ameaças. Se houver uma luta coletiva contra isso, e haverá, será difícil que todas as novas leis sejam implementadas. Estamos falando de 6 mil prisioneiros políticos palestinos dentro das prisões israelenses, e eles estão organizados. Quando os guardas israelenses invadiram a prisão de Damon recentemente e puniram as prisioneiras, todas as prisioneiras resistiram e agiram juntas. Eles conseguiram forçar os guardas a recuar.
As prisões serão o foco da próxima luta, e veremos o que acontecerá. Isso também afetará o exterior. Isso pode levar a um novo tipo de luta, que emerge de dentro da prisão, dos prisioneiros para fora. Eles estão conectados.
JH: Você já foi presa várias vezes por Israel e enfrentou forte repressão. Como essas experiências a afetaram, suas atividades políticas e sua visão?
KJ: Veja bem, a prisão não vai quebrar as pessoas. Estamos vivendo sob ocupação. Estamos convencidos de que temos o direito de representar nosso povo e de ser livres. É claro que é difícil, porque Israel manda pessoas para a prisão só por falarem sobre seus crimes. Mas é muito difícil fazer com que as pessoas parem. Somos guiados pela experiência de povos ocupados em todo o mundo. Nenhum povo que tenha sido ocupado continuará sendo ocupado para sempre.
Sobre os autores
JAMES HUTT
é um sindicalista e escritor baseado em Ottawa, Canadá. É membro do Labour 4 Palestine e colunista da revista Our Times.
KHALIDA JARRAR
é uma socialista, feminista e ativista palestina, e serviu como membro do Conselho Legislativo Palestino.