O 1° de Maio e a Frente Única

José Carlos Mariátegui

1 de maio de 1924

 

O 1° de Maio é, em todo o mundo, um dia de unidade do proletariado revolucionário, uma data que reúne em uma imensa frente única internacional todos os trabalhadores organizados. Nesta data ressoam, unanimemente obedecidas e acatadas palavras de Karl Marx: “Proletários de todos os países, uni-vos”. Nesta data caem espontaneamente todas as barreiras que diferenciam e separam em vários grupos e várias escolas a vanguarda proletária.

O 1° de Maio não pertence a uma Internacional, é a data de todas as Internacionais. Socialistas, comunistas e libertários de todas as matizes se confundem e se mesclam hoje em um só exército que marcha para a luta final.

Esta data, em suma, é uma afirmação e uma constatação de que a frente única proletária é possível e é praticável e de que sua realização não se opõe a nenhum interesse, nenhuma exigência do presente.

À muitas meditações convida esta data internacional. Mas para os trabalhadores peruanos, a mais atual, a mais oportuna é a que concerne à necessidade e a possibilidade da frente única. Ultimamente têm-se produzido algumas tentativas seccionistas. E urge entender, urge concretizar para impedir que essas tentativas prosperem, evitando que comprometa e que minem a nascente vanguarda proletária do Perú.

Minha atitude, desde minha incorporação nesta vanguarda, tem sido sempre a de um fautor convencido, a de um propagandista fervoroso da frente única. Recordo ter declarado em uma das conferências iniciais de meu curso de história da crise mundial. Respondendo aos primeiros gestos de resistência e de apreensão de alguns antigos e hieráticos libertários, mais preocupados com a rigidez do dogma do que com a eficácia e fecundidade da ação, disse então desde a tribuna da Universidade Popular: “Somos ainda poucos para nos dividir. Não façamos questão de etiquetas nem de títulos.”

Posteriormente repeti estas ou palavras análogas. E não me cansarei de reiterá-las. O movimento classista, entre nós, é ainda muito incipiente, muito limitado, para que pensemos em fracioná-lo e escindir-lo. Antes de que chegue a hora, acaso inevitável, de uma divisão, nos corresponde realizar muita obra em comum, muito trabalho solidário. Temos que empreender juntos por grandes jornadas. Nos cabe, por exemplo, suscitar na maioria do proletariado peruano, consciência de classe e sentimento de classe. Esta tarefa pertence por igual a socialistas e sindicalistas, a comunistas e a libertários. Todos temos o dever de semear germes de renovação e de difundir ideias classistas. Todos temos o dever de afastar o proletariado das assembléias amarelas e das falsas “instituições representativas”. Todos temos o dever de lutar contra o ataque e as repressões reacionárias. Todos temos o dever de defender a tribuna, a imprensa e a organização proletária. Todos temos o dever de sustentar as reivindicações da escravizada e oprimida raça indígena. No cumprimento destes deveres históricos, destes deveres elementares, se encontrarão e juntarão nossos caminhos, qualquer que seja nossa última meta.

A frente única não anula a personalidade, não anula a filiação de ninguém que a compõem. Não significa a confusão nem a fusão de todas as doutrinas em uma única doutrina. É uma ação contingente, concreta, prática, o programa da frente única considera exclusivamente a realidade imediata, fora de toda abstração e de toda utopia. Preconizar a frente única não é preconizar o confusionismo ideológico. Dentro da frente única cada qual deve conservar sua própria filiação e sua própria ideologia. Cada qual deve trabalhar por seu próprio credo. Mas todos devem se sentir unidos pela solidariedade de classe, vinculador pela luta contra o adversário comum, ligados pela mesma vontade revolucionária e pela mesma paixão renovadora. Formar uma frente única é ter uma atitude solidária ante um problema concreto, ante uma necessidade urgente. Não é renunciar à doutrina que cada um serve nem a posição que cada um ocupa na vanguarda, a variedade de tendências e a diversidade de matizes ideológicas é inevitável nessa imensa legião humana que se chama proletariado. A existência de tendências e grupos definidos e precisos não é um mal; é pelo contrário, o sinal de um período avançado do processo revolucionário. O que importa é que esses grupos e essas tendências saibam se entender ante a realidade concreta do dia. Que não esterelizem bizantinamente em confissões e excomunhões recíprocas. Que não afastem as massas da revolução com o espetáculo das querelas dogmáticas de seus predicadores. Que não empreguem suas armas nem dilapidem seu tempo em ferir-se uns aos outros, senão em combater a ordem social, suas instituições, suas injustiças e seus crimes.

Tratemos de sentir cordialmente o laço que nos une a todos os homens da vanguarda, a todos os fautores da renovação. Os exemplos que nos vêm por dia são inúmeros e magníficos. O mais recente e emocionante destes exemplos é o de Germain Berthon. Germaine Berthon, anarquista, disparou acertadamente seu revolver contra um organizador e condutor do terror branco por vingar o assassinato do socialista Jean Jaurés. Os espíritos nobres, elevados e sinceros da revolução percebem e respeitam, assim, por cima de toda barreira teórica, a solidariedade histórica de seus esforços e de suas obras. Pertence aos espíritos mesquinhos, sem horizonte e sem asas, as mentalidades dogmáticas que querem petrificar e imobilizar a vida em uma fórmula rígida, o privilégio da incompreensão e do egotismo sectários.

A frente única proletária, felizmente, é entre nós uma decisão e um anseio evidente do proletariado. As massas reivindicam a unidade. As massas querem fé. E, por isso, sua alma rejeita a voz corrosiva, dissolvente e pessimista dos que negam e dos que duvidam, e busca a voz otimista, cordial, juvenil e fecunda dos que afirmam e dos que creem.