Por Francesca Lessa
Via BBC News
Há cinquenta anos, em 25 de novembro de 1975, oficiais de inteligência militar da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai se reuniram em Santiago, capital chilena, para estabelecer o que chamaram de "Sistema Condor".
Mais conhecida como Operação Condor ou Plano Condor, tratava-se de uma rede terrorista transnacional secreta que permitia aos regimes repressivos desses países perseguir opositores no exílio.
Ele deixou um legado de tortura, bem como centenas de sequestros, desaparecimentos e assassinatos.
O Sistema Condor foi construído sobre três pilares operacionais principais.
Em primeiro lugar, todas as informações de inteligência sobre supostas atividades subversivas na região foram centralizadas em um banco de dados em Santiago.
Em segundo lugar, um canal de comunicação criptografado permitiu que agentes do Estado se comunicassem de forma secreta e eficiente.
E, em terceiro lugar, o chamado Gabinete de Coordenação e Comando Avançado supervisionava as atividades operacionais conjuntas.
Argentina, Chile e Uruguai também criaram a unidade Teseo para combater exilados desses três países que viviam na Europa.
Embora a Operação Condor tenha terminado no final de 1978, as operações bilaterais, nas quais a Argentina colaborou principalmente com o Brasil, o Paraguai e o Chile, continuaram até o início de 1981.
A Operação Condor permitiu que líderes sul-americanos visassem pessoas que haviam fugido de seus países de origem e continuavam a denunciar as ditaduras do exterior.
Devido à natureza ultrassecreta da Operação Condor, não existem listas oficiais de vítimas.
No entanto, minha pesquisa confirmou que houve pelo menos 805 vítimas entre agosto de 1969, quando vários regimes sul-americanos começaram a colaborar informalmente, e fevereiro de 1981.
Embora as vítimas fossem de origens diversas, a maioria era composta por ativistas políticos e sociais, bem como membros de grupos armados revolucionários, principalmente do Uruguai, Argentina e Chile.
Em busca de justiça
Desde 1976, quando as operações repressivas da Operação Condor atingiram o seu auge, têm sido recolhidas provas das atrocidades cometidas pelos Estados-membros.
Em 1977, por exemplo, o jornalista uruguaio Enrique Rodríguez Larreta deu um depoimento à Anistia Internacional em Londres sobre seu sequestro em Buenos Aires no ano anterior. Ele havia viajado para lá em busca de seu filho desaparecido.
Rodríguez Larreta relatou como foi detido e torturado em três prisões secretas na Argentina e no Uruguai, antes de ser libertado seis meses depois. Seu depoimento forneceu provas irrefutáveis da coordenação clandestina entre os regimes militares da América do Sul.
Em 1979, o jornalista americano Jack Anderson publicou um artigo no Washington Post revelando o papel da Operação Condor no assassinato de Orlando Letelier em 1976. Letelier era ministro no governo do ex-presidente socialista chileno Salvador Allende.
O progresso rumo à justiça foi limitado enquanto as ditaduras sul-americanas permaneceram no poder. No entanto, o colapso de vários regimes na região durante a década de 1980 abriu uma janela de oportunidade.
Este período testemunhou conquistas pioneiras, como o relatório Nunca Más, publicado em 1984 pela Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas da Argentina.
Além de investigar a prática sistemática da ditadura militar de fazer pessoas desaparecerem, a comissão foi o primeiro órgão estatal oficial a reconhecer a máquina terrorista transnacional da Operação Condor.
No entanto, a possibilidade de os autores serem julgados pelos seus crimes foi mais uma vez adiada.
As chamadas leis de impunidade foram aprovadas pelos governos democráticos da Argentina e do Uruguai em 1986 e 1987, impedindo efetivamente processos judiciais contra pessoas acusadas de cometer crimes durante as ditaduras militares.
Essas leis foram aprovadas principalmente para apaziguar os militares e evitar novas revoltas após o retorno à democracia. As leis na Argentina e no Uruguai complementaram as leis de anistia já existentes no Brasil e no Chile.
A situação finalmente começou a mudar em 1998. Naquele ano, o ex-ditador chileno Augusto Pinochet foi preso em Londres para responder por acusações de violações dos direitos humanos, incluindo as atrocidades da Operação Condor.
Pinochet evitou o julgamento por motivos de saúde. No entanto, desde então, progressos consideráveis foram feitos na investigação, no processo e na condenação de agentes do Estado por atrocidades cometidas durante a Operação Condor.
Mais de 100 funcionários civis e militares sul-americanos foram condenados à prisão por crimes cometidos durante a Operação Condor.
Minha pesquisa mapeou 50 julgamentos criminais desde 1976 que tentaram esclarecer algumas dessas atrocidades. Até o momento, 40 desses julgamentos resultaram em condenações, com mais de 100 pessoas sentenciadas à prisão.
Entre eles estavam figuras de destaque como os ex-ditadores Reynaldo Bignone, da Argentina, e Juan María Bordaberry, do Uruguai. Vários oficiais militares de alta e média patente, incluindo o coronel chileno Manuel Contreras, o almirante argentino Antonio Vañek e o coronel uruguaio José Nino Gavazzo, também foram presos.
A maioria desses julgamentos ocorreu na América do Sul, com 13 veredictos proferidos na Argentina, 11 no Uruguai e sete no Chile.
Em setembro de 2025, os oficiais de inteligência militar aposentados Carlos Alberto Rossell e Glauco Yannone foram condenados no Uruguai a 12 anos de prisão.
Esses homens foram considerados culpados pelo sequestro e tortura dos ativistas políticos Universindo Rodríguez e Lilián Celiberti, bem como dos dois filhos de Celiberti, na cidade brasileira de Porto Alegre, em 1978.
Essa decisão é significativa, apesar de um atraso de quatro décadas. Em fevereiro de 1984, Rodríguez e Celiberti foram os primeiros a entrar com uma ação judicial no Uruguai pelos crimes que sofreram nas mãos da Operação Condor. Naquela época, o Uruguai ainda estava sob uma ditadura militar.
Cinco veredictos foram emitidos por tribunais criminais italianos. Um tribunal de Roma condenou Jorge Tróccoli, ex-oficial da Marinha uruguaia, à prisão perpétua em outubro.
Tróccoli foi condenado pelos assassinatos da italiana Rafaela Filipazzi, do argentino José Agustín Potenza e da uruguaia Elena Quinteros, ocorridos entre 1976 e 1977. Com dupla nacionalidade, uruguaia e italiana, Tróccoli fugiu para a Itália em 2007 para evitar ser processado no Uruguai.
Segundo Alessia Merluzzi, advogada que consultei antes de escrever este artigo, esse processo não apenas confirmou mais uma vez a existência da Operação Condor, como também investigou seus violentos mecanismos e estruturas operacionais.
Merluzzi acrescentou que o julgamento "revelou o modus operandi dos agentes repressivos além-fronteiras, bem como a organização específica, planejada e metódica das atrocidades sofridas pelas três vítimas".
Embora progressos significativos tenham sido feitos na busca por justiça para as vítimas da Operação Condor, muitos de seus crimes permanecem ocultos sob um véu de impunidade e silêncio.
Conforme recomendado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2021, todos os antigos Estados membros da Operação Condor devem colaborar para esclarecer o alcance dos crimes dessa rede transnacional.
*Francesca Lessa é professora associada de Relações Internacionais das Américas no University College London.
Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation e é reproduzido sob uma licença Creative Commons.
