Organizamos a esperança: é isso o que os socialistas fazem

Leia o discurso de Erik Uden (Die Linke) na conferência de fundação do Your Party, no Reino Unido


Traduzido por Emilio Freire


Prezadas Senhoras e Senhores, e todas as demais pessoas, que se enquadram ou não dentro dessas categorias sociais: de todos os partidos socialistas democráticos da Europa, o último que deveria dar lições sobre solidariedade internacional é a esquerda alemã. Bem, aqui estou, de qualquer modo. Como representante do Die Linke, sei o quão difícil é ser um socialista democrático em um mundo submetido às contradições do capital. No entanto, creio em meio a todas as difamações na mídia e outros percalços, acabamos facilmente esquecendo o quão monumental é este partido e nossa conferência no dia de hoje. Não apenas para a Grã-Bretanha, mas para o mundo inteiro.


Quando na história as pessoas que lutaram pelo certo não foram difamadas? Quando é que seus objetivos não foram descritos como utópicos ou impossíveis? Quando é que aqueles que quiseram abalar os alicerces de uma estrutura de poder já estabelecida substituindo por algo que beneficia a todos em detrimento de poucos, não foram atacados injustamente por esses mesmos poucos? Para aqueles que desejam uma política “paz e amor” [feel good] e derrotar o fascismo com o poder do amor, lamento informar que o nosso mundo não funciona assim. Contudo, o amor sempre faz parte da solução e, portanto, dentro de nossas fileiras, a solidariedade deve ser sempre a prioridade número um. Devemos viver o mundo que queremos criar da melhor maneira possível dentro do nosso partido; caso contrário, como as pessoas se lembrarão pelo que estamos lutando?


Estes documentos constituintes, que provavelmente todos vocês estudaram incansavelmente, revisaram e que agora estão aqui para debater durante dois dias, lançam as bases para um novo tipo de política no Reino Unido. Visível também na vitória de Zohran Mamdani nas eleições para prefeito de Nova York e o ressurgimento dos partidos socialistas democráticos em toda a Europa, especialmente na Alemanha, com uma vitória histórica nas últimas eleições gerais deste ano. Diante de décadas de capitalismo descontrolado levando à degradação dos serviços públicos em todos os lugares, as pessoas estão fartas e podemos afirmar com segurança que, finalmente, com a fundação do “nosso” partido, de uma vez por todas… o Thatcherismo está morto!


Contudo, isso não é motivo para comemorar de imediato, pois, como demonstra o fortalecimento da extrema-direita, o vazio deixado pelo neoliberalismo está sendo preenchido por forças reacionárias e fascistas como o Reform e seus semelhantes. É nossa responsabilidade oferecer uma alternativa, ousando criticar o sistema responsável pela piora da vida das pessoas, em vez de buscarmos, mais uma vez, achar um bode expiatório para pôr a culpa.


Reconhecemos que a vida das pessoas está piorando devido às contradições do capitalismo: a crescente divisão econômica entre ricos e pobres; menos pessoas com condições de pagar por um lugar para morar; mais pessoas em situação de rua; mais ódio, racismo e transfobia como ferramentas para dividir a classe trabalhadora - algo que sempre foi e sempre será inerente ao sistema capitalista. Este sistema não está quebrado, está funcionando exatamente como deveria.


Não pretendemos apenas gerir um sistema falho ou combater os sintomas, mas sim apontar e criticar a raiz dos nossos problemas: o mundo capitalista e o sistema eleitoral falho que o sustenta.


Sabemos: o capitalismo não pode ser reformado, ele precisa ser abolido!


Portanto, não é nosso trabalho apenas combater os sintomas, nos tornarmos gestores desta crise e ter como principal objetivo político apenas a redistribuição de riqueza. Precisamos questionar por que a riqueza é distribuída dessa forma e estabelecer um sistema onde a exploração subjacente a esse fato não exista. Um sistema econômico socialista. Esse é o nosso objetivo!


Tenho orgulho de estar aqui hoje. Tenho orgulho de cada voluntário e membro do "nosso" partido. Naquilo que outrora foi considerado o cerne do imperialismo, e que agora ameaça o mundo voltar a ser o centro imperialista novamente, com os planos de Trump e Blair de ocupar Gaza, ter agora um partido anti-imperialista lutando o status quo é uma conquista que as classes trabalhadoras do mundo devem apoiar e do qual devem orgulhar-se, não apenas o povo do Reino Unido.


O povo de Cuba viveria muito melhor se não fosse pelo embargo global. A Índia seria rica se o Reino Unido nunca tivesse lhe roubado aproximadamente 45 trilhões de dólares em riqueza. Não haveria quase nenhum conflito no mundo árabe se não fosse pela ocupação, subjugação e opressão britânicas. O Curdistão poderia estar unido e livre, como voltará a ser ainda em nossa geração. Palästina, Kurdistan – Intifada, Serhildan!


Esses países não precisam da nossa misericórdia e de nossas esmolas, precisam da nossa solidariedade, e isso significa combater o opressor imperialista em nossos próprios países, não somente a reconstrução a partir do caos que eles deixaram para trás e que continuarão a criar repetidamente. “Eu os invejo. Vocês, ocidentais, são muito sortudos. Vocês estão travando a luta mais importante de todas, pois vivem no ventre da besta”, disse Che Guevara certa vez. O Espírito de Bandung estaria florescendo, o Sul global estaria se emancipando, se não fosse pela nossa constante subjugação, sanções, subornos, exportações de armas ou ocupação. Chega de tudo isso! Agora!


Terrorismo. O que é isso? Uma palavra sem nenhuma definição internacionalmente reconhecida, que de repente passa a ser usada contra organizações nacionais como a Palestine Action para justificar seu silenciamento. A chamada guerra global ao terror culminando no que sempre foi seu objetivo: apontar a espada de dois gumes do imperialismo contra o próprio povo. A islamofobia sempre foi uma necessidade como parte da fabricação de consenso para as investidas bélicas. A islamofobia é uma ferramenta. O ódio não surge do nada, ele sempre serve a um propósito capitalista.


Quando falei desse partido, eu disse "nosso” partido, certo? Muitas pessoas me perguntaram nos últimos meses por que eu, como alemão, apoiava tanto este partido britânico ou me interessava pela política britânica. Bem, eu poderia responder citando meus muitos amigos LGBTQIAPN+, especialmente trans, que finalmente sentem que encontraram um lar político e sentem a esperança se espalhando por este país graças ao movimento que vocês iniciaram. Eu poderia falar sobre como o genocídio de Israel em Gaza é devastador e como este movimento político permite vislumbrar uma esperança em tempos sombrios. Mas permita-me responder a essa inconsistência com uma pergunta: quantos proletariados existem no mundo? 195? Ou apenas um?


Acredito neste partido, não porque preciso conhecer seus líderes ou tenho confiança em alguém em particular. Acredito no sucesso deste partido porque entendo a história, porque nossa análise do mundo é materialista, e a mesma lógica do capital que levou à ascensão do fascismo no passado se aplica à Grã-Bretanha de hoje. As contradições do capitalismo estão chegando ao seu ápice, as pessoas se voltarão para forças reacionárias, outros partidos tentarão imitar suas políticas racistas em uma tentativa fadada ao fracasso de conquistar alguns eleitores, e nesse caos estaremos preparados, prontos com a solução.


Um vislumbre de esperança para os marginalizados. É isso que somos. Jamais devemos nos desviar do nosso objetivo de um mundo socialista e, em nossa jornada rumo a ele, jamais esquecer uma coisa: organizamos a esperança. É isso que os socialistas fazem. É o recurso mais escasso que existe, mais até do que petróleo bruto ou bons primeiros-ministros: esperança. A crença, ainda que finita, de que um mundo melhor é possível.


Acredito que não há crime maior na era do neoliberalismo do que a classe dominante ter nos roubado a esperança. Ninguém mais expressa suas opiniões; eles impõem suas análises do mundo como fatos e as ações políticas que escolheram como a única consequência possível. Fingem que nossas soluções são utópicas e, ao fazer isso, sufocam qualquer movimento por justiça social antes mesmo que ele possa começar. Quando, na realidade, outro mundo é possível; caso contrário, sua propaganda seria desnecessária. A guerra pela hegemonia, pela autoridade e pelo nosso futuro foi terceirizada para o único espaço que o capitalismo ainda não ocupou: a sua mente.


Rosa Luxemburgo disse certa vez que dizer o que precisa ser dito é o ato mais revolucionário, e embora eu concorde, permitam-me apresentar uma interpretação mais moderna: ter esperança, apesar de tudo, deve ser o ato mais revolucionário que existe. Mas se é preciso dizer o que precisa ser dito, eu também posso fazer isso. Então, com minhas palavras finais, permitam-me deixar uma mensagem tão contemporânea quanto atemporal: eu me oponho ao genocídio. Apoio qualquer ação contra ele. Meu nome é Erik Uden, e nós, da esquerda alemã, lhe desejamos muito sucesso no caminho daqui para frente.

Erik Uden é membro do partido socialista alemão Die Linke e luta, dentre outras coisas, pelos direitos digitais. Essa fala aconteceu no dia 30/11/2025 durante a conferência de fundação do Your Party, um novo partido político do Reino Unido que se propõe a ser um partido de massas e socialista.

Emilio Freire é doutorando em Serviço Social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pesquisador visitante no King’s College London, membro do coletivo Alicerce e do PSOL.

Die Linke [A Esquerda] é um partido político alemão fundado em 2007, a partir da fusão de várias organizações de esquerda, mas principalmente como sucessor do Partei des Demokratischen Sozialismus [Partido do Socialismo Democrático] que, por sua vez, sucede o principal partido da Alemanhã oriental, Sozialistische Einheitspartei Deutschlands [Partido de Unidade Socialista].