🇵🇪 Peru: com impotência de Boluarte, Congresso anistia crimes da ditadura

Legislativo peruano aproveita debilidade presidencial e passa pacotes diversos que dificultam punição para crimes antigos e atuais.

Em mais um revés para os movimentos de direitos humanos no Peru, o Congresso, de maioria conservadora, aprovou na quarta-feira (9) uma nova lei que promete anistiar militares, policiais e até civis investigados por violações cometidas entre 1980 e 2000.

Encabeçada por partidos como a Fuerza Popular de Keiko Fujimori, a filha do ex-ditador Alberto Fujimori, morto no ano passado, a medida busca garantir a impunidade de grupos que – em grande medida – atuaram precisamente sob a guarida autoritária do antigo presidente. Como é costume na região, muitos dos crimes foram cometidos sob o pretexto de salvar o país do comunismo.

O novo texto legal agora repousa sobre a mesa de Dina Boluarte, liderança mais impopular da América Latina. Ela até teria a possibilidade de barrar o projeto, mas não deu qualquer sinal público de que essas são suas pretensões – uma das prerrogativas da mandatária é simplesmente não fazer coisa alguma e deixar o texto virar lei duas semanas após recebê-lo.

Enquanto isso, grupos que representam as vítimas dos atropelos aos direitos humanos prometem levar o caso a órgãos internacionais, mas com pouca esperança de impedir o mais novo ataque à memória e justiça no país andino.

O que diz a nova lei

Caso não haja novas alterações, o texto propõe uma ampla anistia para qualquer pessoa acusada de cometer violações aos direitos humanos entre 1980 e 2000 e ainda não tenha uma condenação “firme”, isto é, transitada em julgado. Também é prevista uma anistia “humanitária” para aqueles que já foram definitivamente condenados, mas têm mais de 70 anos.

Processos em andamento seriam interrompidos e condenações em instâncias inferiores, para as quais ainda cabem recursos, seriam automaticamente extintas, garantindo a impunidade de todos os acusados. Entidades que representam as vítimas dizem que, entrando em vigor como está, a lei anularia peloo menos 156 condenações e arquivaria outros 600 casos ainda abertos na Justiça peruana.

De forma significativa, a anistia não se limita a agentes do Estado – membros das Forças Armadas e da Polícia Nacional – que cometeram massacres no período, mas abrange também integrantes dos chamados “comitês de autodefesa”, organizações paramilitares formadas por civis para enfrentar guerrilhas pelo país.

Obviamente, o tema é controverso. As guerrilhas de fato aterrorizaram diversas partes do Peru, recebendo uma resposta armada igualmente violenta que contou com amplo respaldo popular na época. Mas, como é costumeiro em situações do tipo no continente, o pretexto de “combater o terrorismo” também abriu as portas para perseguições políticas e crimes contra grupos minorizados, acusados arbitrariamente de envolvimento com organizações armadas, muitas vezes sem base real.

No caso do período fujimorista, vivido nos anos 1990, as atrocidades foram além dos massacres diretos (que seguiram ocorrendo): a escalada autoritária incluiu até mesmo denúncias de limpeza étnica, com esterilizações forçadas de mulheres indígenas. O aprofundamento de anistias vistas como “inconstitucionais” ameaça encerrar qualquer perspectiva de punir os diversos crimes cometidos no período com aval do Estado.

“Leis de impunidade” ganham espaço no Peru de Boluart

A anistia aprovada nesta semana, que dificilmente encontrará na presidenta Dina Boluarte alguma resistência para entrar em vigor, é apenas o último capítulo de u sequência de “leis de impunidade” que o país tem visto em anos recentes.

Em 2024, outra medida limitou a capacidade de investigação para crimes de lesa humanidade cometidos antes de 2002. Na época, também diante do silêncio de Boluarte, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH, emitiu uma no “manifestando sua grave preocupação” e pedindo que o Estado peruano voltasse atrás.

Nesta terça-feira (8), logo antes da anistia avançar, a Human Rights Watch (HRW divulgou um relatório mostrando como o Congresso peruano vem aprovando reformas legais diversas que garantem a impunidade em várias frentes no país. O tema vai além das antigas violações de direitos humanos, incluindo também fechamento de caminhos para punir delitos de corrupção – que afetam diretamente muitos dos congressistas atuais – e a incapacidade de refrear o atual avanço do crime organizado, ao enfraquecer a independência judicial. Tud enquanto velhos fantasmas, como os comitês de autodefesa, estão voltando a ganhar espaço.

A saraivada de leis que dificultam ou até mesmo impedem a investigação de crim ajuda a entender como, afinal, o governo mais impopular do mundo tem sofrido poucas ameaças sérias de cair.

Até poucos anos atrás, o Peru tinha a fama de ser o país latino-americano onde estava mais fácil derrubar presidentes: após Ollanta Humala (2011-2016), hoje pr nenhum mandatário peruano concluiu seu período constitucional no poder – desd então, o país já está na sexta pessoa diferente a ocupar o comando do Executivo período, mesmo tendo realizado apenas duas eleições. À primeira vista, parecia u contrassenso que Dina Boluarte (cuja aprovação em partes do país bateu em um inacreditável 0% em uma pesquisa recente), seguisse firme em um país com esse histórico.

A cada novo atropelo, fica cada vez mais claro como a fraqueza presidencial se tornou uma ferramenta para o Legislativo: enquanto a presidenta nada diz sobre as mudanças que escandalizam juristas dentro e fora do Peru, o Congresso continua blindando a si mesmo e a seus fiadores.