Via Giro Latino
“Tomamos a decisão correta, não a mais fácil”. Foi assim, pisando em ovos, que o presidente panamenho Laurentino Cortizo classificou na terça (24), em um recado transmitido à nação, a própria decisão de sancionar uma lei que estabelece um novo contrato milionário de concessão entre o Estado e a gigante canadense First Quantum Minerals (FQM), de quem a empresa Minera Panamá é subsidiária. A medida foi ratificada pouco após ser aprovada no Congresso, no final da última semana, mas seguiu sendo o principal assunto no país por ter se tornado um gatilho para massivos protestos populares, sobretudo no perímetro da capital. De forma uníssona, cidadãos e organizações sociais e indígenas, que marcham pelas ruas há pelo menos uma semana, pedem um país “sem mineração”, denunciando os vários riscos ambientais apresentados pela exploração da FQM, que administra a maior mina de cobre a céu aberto da América Central.
Um clássico latino-americano, o caso coloca em lados opostos da equação os ganhos vindos da lucrativa exploração de recursos naturais e os impactos que ela gera no meio ambiente – como se sabe, o primeiro fator geralmente prevalece. Defensor do novo contrato de 20 anos, o governo também promete aliar as duas questões, dizendo por meio de representantes que a própria presença de corporações nessas zonas exploradas “ajuda a protegê-las”. De forma polêmica, o presidente da Câmara Mineira, Roberto Cuevas, argumentou que o Estado não destinava recursos de conservação a estes locais antes da chegada da mineradora e garantiu que a atividade coexiste com um extenso plano ambiental. “Não se trata só de declarar áreas protegidas, é preciso investir dinheiro”, disse. Além das promessas, a gestão Cortizo defende que a atividade da FQM gera milhares de empregos diretos e indiretos, contribuindo com cerca de 4% do PIB do país e três quartos das receitas de exportação.
Argumentos que, no entanto, não reduzem a preocupação de diversos grupos ambientalistas e sindicatos, que apontam irregularidades em várias das 62 páginas do documento recentemente discutido em votação legislativa. Deputados contrários à concessão, por exemplo, dizem que até mesmo os ajustes finos feitos na lei se tornaram “maquiagens”, produzindo um acordo que apresenta riscos legais similares aos que fizeram tratativas anteriores pararem na Justiça. Vale lembrar: em 2018, após anos de impasses, a Corte Suprema de Justiça do país declarou “inconstitucional” o contrato original de exploração da First Quantum Minerals – mas, como a mineradora recorreu da sentença em mais de uma oportunidade, a decisão final se arrastou, dando tempo de sobra para a atividade se desenvolver e a exportação no setor decolar em sequência (aumentando, portanto, argumentos pró-mineração).
Como explicado pelo GIRO desde o ano passado, o Panamá e a multinacional só voltariam a ter problemas de fato no final de 2022, quando divergências relacionadas à renovação do acordo – este, aprovado agora – suspenderam as operações na mina de cobre. Nesse meio tempo, ativistas seguiram alegando que “dinheiro algum” seria capaz de restaurar o território afetado pela mineração. Preocupações que só devem aumentar: apesar de prever um valor de repasse aos cofres públicos 10 vezes maior, o novo acordo projeta uma área total de concessão que chega a quase 13 mil hectares, sendo a metade diretamente afetada pela exploração; análises mostram que a mineração é um dos principais fatores por trás do aumento do desmatamento em áreas panamenhas que compõem o Corredor Ecológico Mesoamericano, uma das áreas de biodiversidade mais importantes do planeta.
O assunto do momento teve um destaque ainda maior por, coincidentemente, ganhar novos e tensos capítulos durante a Semana do Clima da América Latina e do Caribe, realizada entre os dias 23 e 27 justamente na Cidade do Panamá. O hotel que recebeu autoridades e representantes do setor também virou alvo das manifestações.
Se antes as críticas se limitavam a grupos ligados ao meio ambiente, não mais: durante a semana, protestos com milhares de pessoas pararam o país pedindo a revogação do acordo, com diversos pontos da capital sendo interditados por bloqueios. Até a sexta-feira (27), pelo menos 215 manifestantes haviam sido detidos, segundo os informes mais recentes da Polícia Nacional, ao passo que dezenas de agentes de segurança haviam se ferido levemente – o que, por sua vez, gerou uma resposta mais enérgica por parte das autoridades, com relatos de uso de gás lacrimogêneo para dispersar multidões. Irredutível, Cortizo criticou manifestantes dizendo que não toleraria o que chamou de atos de “vandalismo ou chamados à anarquia”. As jornadas deste final de outubro acontecem pouco mais de um ano após uma série de paralisações em função do alto custo de vida, reflexo da ressaca da crise gerada pela pandemia e dos efeitos econômicos dos conflitos na Europa.
Se no ano passado as pressões populares fizeram o governo ceder e reduzir preços da cesta básica, os protestos que se espalham pelas ruas panamenhas este mês ainda não dão qualquer sinal de trégua ou acordo. Para aumentar a temperatura do caldeirão social, novos ingredientes se somaram: num misto agridoce de esperança para a reivindicação dos manifestantes e ecos do imbróglio judicial que não conseguiu barrar o avanço da atividade mineira anos atrás, a mesma Corte Suprema admitiu, no início da semana, uma alegação de inconstitucionalidade contra um dos artigos da nova lei sancionada. O assunto deve ser discutido pelos magistrados nos próximos dias, mas sem grandes chances de reverter o contrato recém-assinado.