Radar Entrevista: Democratic Socialists of America

No dia 30 de setembro, o PSOL organizou uma recepção para as delegações internacionais da esquerda que vieram ao Brasil para acompanhar o primeiro turno das eleições. Diversos partidos, movimentos sociais e entidades participaram de um debate conosco sobre o cenário brasileiro e os desafios da esquerda a nível mundial. 

O Radar Internacional conversou com algumas dessas organizações. A primeira que publicamos é com dirigentes do Democratic Socialists of America, o DSA, fenômeno ascendente no cenário político estadunidense nos últimos anos. Falaram conosco José La Luz, membro do Comitê Político Nacional, Jana Silverman, do Comitê Executivo e do Comitê Internacional, Kristian Hernandez, presidenta do Comitê Político Nacional, e Sofia Cutler, do Comitê Político Nacional.

__________________________ 

broken image

Lucas Oliveira: Sabemos que o crescimento da extrema-direita é um fenômeno mundial, mas que, naturalmente, encontra suas particularidades nacionais e regionais. Como se expressa politicamente nos EUA esse fenômeno? Quais, por assim dizer, as características da extrema-direita estadunidense? 

José La Luz:

Pensamos que a extrema-direita tem crescido muito nos últimos anos, particularmente na conjuntura atual. Se estima inclusive que nos EUA há a possibilidade de que capturem a liderança da Câmara dos Deputados, o que representaria um perigo inclusive existencial para nós, como única organização socialista pública nos EUA. Elementos que, na verdade, não são só de extrema-direita: alguns integram organizações paramilitares extremamente violentas, participaram da coordenação do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro. São gente muito perigosa. Como vocês dizem aqui no Brasil, com o fascismo não se brinca. Então estamos levando muito a sério. 

Por outro lado, definitivamente houve também um crescimento das forças populares, dos movimentos sociais, que é o que nós representamos. Nosso empenho é construir um movimento socialista de massas, multi-racial, que represente a classe trabalhadora estadunidense – que é, afinal de contas, multi-racial. Por exemplo, aqui estamos Sofia [Cutler], que é de ascendência brasileira, Kristian [Hernandez] que é de origem mexicana e eu, que sou de ascendência porto-riquenha, e Jana [Silverman], que é de ascendência judia. Nós encarnamos e representamos essa classe trabalhadora multi-racial dos EUA. 

Estamos muito interessados no desenvolvimento do processo brasileiro, porque encontramos características semelhantes. Aqui estamos falando de um fascista no poder, Bolsonaro, e entendemos que isso representa um perigo para as forças progressistas e para a esquerda do país, mas também para todos, todas e todes nós a nível mundial. Estamos com as forças progressistas do povo brasileiro, repudiamos o fascismo. E entendemos que Lula representa um avanço qualitativo não apenas para o povo brasileiro, mas também para todas as forças progressistas do hemisfério, incluindo a nós nos EUA. 

 

broken image

LO: Passados os últimos anos nesse enfrentamento, qual ferramenta ou qual política vocês veem como mais acertada para a luta contra a extrema-direita e o neofascismo, nos EUA e internacionalmente? 

Jana Silverman:

Essa é a pergunta de milhões: qual a estratégia correta para esse momento? Penso que estamos em um momento de polarização política, em que um lado, a extrema-direita, o neofascismo, está usando estratégias de organização extra-institucional, e a esquerda – principalmente a centro-esquerda – ainda baseia suas estratégias nos temas eleitorais. Mas sabemos que existe um vazio entre uma eleição e outra. Ao menos nos EUA, existe um problema de politização nesses momentos extra-eleitorais: quase não temos uma história, uma tradição socialista. Houve uma nos anos 1930 e 1940, que foi extirpada do seio da classe trabalhadora durante a Guerra Fria, nos anos 1940 e 1950. Então estamos em um terreno muito novo nessa questão dos movimentos extra-eleitorais, porque o Partido Democrata, e mesmo suas figuras mais à esquerda, sempre focam mais na questão eleitoral. 

Pensamos que é possível fazer ambas as coisas ao mesmo tempo: seguir ganhando espaços de poder, focando não só nas eleições a nível federal, mas principalmente a nível local, onde há mais espaço para as candidaturas abertamente socialistas. Hoje o DSA tem mais de 200 representantes eleitos como socialistas, a nível municipal, estadual e federal. Mas queremos ao mesmo tempo impulsionar e nos inserirmos nos movimentos que já existem, principalmente o movimento dos trabalhadores, o movimento sindical. Temos uma nova onda de sindicalização que não é dirigida pelas cúpulas do movimento sindical: está sendo dirigida, em muitos casos, por militantes ou pessoas muito próximas ao DSA, jovens com menos de 30 anos, criando sindicatos em grandes multinacionais como Starbucks e Amazon, e abrindo caminho para a organização social. Mas o problema é esse: é uma escala ainda muito pequena para se contrapor à ameaça da extrema-direita. Temos o desafio de expandir essa luta fora da questão eleitoral para todos os cantos do país. Não será fácil, mas é nesse sentido que buscamos trabalhar. 

 

LO: Qual impacto pode ter a vitória de Lula nessa luta contra a extrema-direita, no continente e no mundo? 

Kristian Hernandez:

Tem consequências enormes, não apenas para os EUA, mas para as democracias em todo o mundo. Levamos muito a sério que Steve Bannon, que é uma figura bastante conhecida da extrema-direita, caracterize a eleição no Brasil como a segunda eleição mais importante no mundo. Nossos inimigos têm muita clareza do impacto que essas eleições terão em todas as próximas eleições no planeta, e também sobre a legitimidade da democracia como instituição. Podemos ver um paralelo entre o que aconteceu em 6 de janeiro nos Estados Unidos e aquilo que Bolsonaro está tentando fazer aqui. É um passo a frente, com o crescimento do supremacismo branco, do fascismo. 

É importante, nesse sentido, deixar claro que a democracia é uma obrigação, a democracia é o que unifica a classe trabalhadora mundial. Mas também é importante garantirmos que tenhamos um aliado forte no Brasil para qualquer política de coalizão progressista. Particularmente com o crescimento da esquerda na América Latina, o Brasil poderá ser o selo de consolidação das vitórias na Colômbia, no Chile. Seria algo muito significativo, que daria muita esperança no mundo todo. Estamos vendo o que acontece não só nos EUA, mas na Itália e outros países, e a impressão é de que estamos nos movendo lado a lado para ver quem irá prevalecer. Numa situação de crise climática global, precisamos de governos fortes que vejam e reconheçam o perigo que isso representa para nós enquanto classe por todo o mundo. Isso tem consequências enormes. Eu diria que é a eleição mais importante no mundo hoje. 

 

LO: Nesse sentido, o que se poderia esperar, nos EUA, de um eventual governo Lula? O que esperar de um governo identificado com a esquerda, logo após um governo neofascista? 

Sofia Cutler:

Penso que será desafiador: é uma situação econômica diferente da do mandato anterior, não há o boom de commodities, estamos em um período de inflação. Então, penso que será muito importante que haja movimentos vindos de baixo, inclusive de fora do PT, como o PSOL, para pressionar, lutar contra a direita e pela democracia. Para garantir, por exemplo, que a Petrobras não seja privatizada, que a Amazônia seja defendida. Essas são coisas que Lula não poderá fazer sozinho, precisará de alguma pressão popular para poder fazer isso. A pressão do capital será muito grande. Isso me parece muito importante: no dia seguinte das eleições, como lutar e garantir que esses avanços aconteçam.

 

 

broken image