01. O atual quadro global é marcado por importantes transformações; particularmente, pela combinação entre as crises do capitalismo e da democracia liberal, pelo aumento das tensões geopolíticas, pela emergência da crise climática e pela ascensão da extrema direita como alternativa política em diferentes países do globo.
02. Em 2024, as taxas de crescimento da economia mundial seguiram baixas, com países centrais experimentando desaceleração e baixo crescimento real do PIB. As tendências à redução do ritmo do comércio global e da produtividade do trabalho que se seguiram à recessão iniciada em 2008 se somaram aos efeitos da recessão pandêmica de 2020 e ainda não foram solucionadas. Pelo contrário, a solução preferida do capital para enfrentar a inflação tem sido o aumento das taxas de juro pelos bancos centrais a nível mundial e a pressão pela aplicação de políticas de ajuste estrutural sobre os investimentos públicos. Esse tipo de solução, longe de resolver os dilemas da economia global, repercute no aumento da desigualdade social e nova onda de crises – como se vê com a crise política e a queda do primeiro Ministro francês ou com o colapso da coalizão do governo na Alemanha, ambos os casos em meio ao debate do Orçamento de 2025. Já entre os mais pobres, espera-se que mais de 50 países enfrentem, a partir desse ano, crises pela cobrança da dívida externa, é o caso de Sri Lanka, Panamá, Líbano, Mongólia, Zâmbia.
03. A face mais cruel dessa dinâmica é sentida pela maioria da população, sobre quem recaem os piores efeitos do aquecimento global, com aumento do preço dos alimentos, e da pobreza. A fome a nível global ainda está acima dos níveis anteriores à pandemia da COVID-19. O aumento da concentração da renda nos 10% mais ricos do planeta, que também são responsáveis pela emissão de 50% do CO² na atmosfera, contrasta com o aumento da precarização da vida de quem sofre com a intensificação da exploração do trabalho, com o uso das novas tecnologias para intensificar a produtividade e a retirada de direitos trabalhistas e sociais. Vale sublinhar que a desigualdade social é agravada pelo racismo e xenofobia contra populações migrantes e racializadas no interior de cada país e com a ampliação da cobrança sobre as mulheres em relação às tarefas de cuidado. Lutar pela taxação dos bilionários para financiar políticas de justiça social e climática é mais do que necessário como medida emergencial que corresponde à necessária redistribuição de recursos e riquezas que o planeta já produz.
04. O aumento das tensões geopolíticas se insere nesse quadro de relativa “desglobalização”, com propensão à diminuição dos fluxos comerciais e de capital, com tendência à menor integração econômica global e propagação de medidas protecionistas. O pano de fundo é a existência de um mundo mais polarizado, em que os Estados Unidos preservam hegemonia econômica e militar, mas é desafiado pela China – a formação de blocos econômicos e diplomáticos obedece a essa disputa principal que pode se intensificar no terreno econômico, tecnológico, militar e cultural. A consequência é o acirramento da disputa pela influência ou domínio de regiões periféricas do planeta e, por isso, é tão preocupante a acelerada corrida armamentista no planeta, além do agravamento da disputa no campo político e econômico com o aumento das políticas protecionistas por parte dos países do capitalismo central e com as movimentações para a desdolarização da economia mundial e a pressões para a reforma das entidades internacionais multilaterais por parte dos países do Sul Global. Nesse sentido, segue sendo decisiva a denúncia das agressões militares imperialistas, a defesa da paz justa e soberana com respeito à autonomia dos povos e à integridade territorial das nações. Inclusive a defesa de uma paz justa para a guerra entre Rússia e Ucrânia, bem como a interrupção do avanço da OTAN no Leste.
05. Sem dúvida, a maior tragédia humanitária da atualidade é o genocídio do povo palestino. Passados mais de um ano do 07 de outubro, os dados oficiais indicam a morte de mais de 42 mil pessoas na Faixa de Gaza, a maioria mulheres e crianças, e mais de 100 mil feridos, vários mutilados permanentemente. Com as sucessivas proibições de entrada de ajuda humanitária, a fome, a sede, a desnutrição, a ausência de vacinas e remédios compõe esse verdadeiro horror. Não fosse suficiente, Netanyahu liderou uma onda de ataques também contra o Líbano, ampliando seu poder de fogo mortal sobre o Oriente Médio e contribuindo ativamente para uma possível escalada do conflito contra qualquer país, como o Irã, que queira se defender. Nesse sentido, foi importante o pedido do Itamaraty de cessar-fogo no Líbano e o início da missão de repatriação de brasileiros residentes no país. O massacre, considerado genocídio pela África do Sul e cerca de 50 países, inclusive o Brasil, em caso que tramita na Corte Internacional de Justiça (CIJ) na ONU, em Haia, não indica sinais de cessar-fogo definitivo. A solidariedade ativa com o povo palestino e a denúncia dos crimes de guerra e genocídio cometidos por Netanyahu são parte importante da nossa ação política internacionalista neste momento.
06. No plano político, o principal elemento da conjuntura internacional é a existência de uma divisão entre as forças hegemônicas que permitiu o crescimento da extrema direita como uma força social e política com peso de massas pautando-se por todas as crises anteriores. É certo que a força e as características de governos, partidos e movimentos no campo da extrema direita e o grau de crise da democracia são desiguais de país para país. Mas vemos com grande preocupação o desenvolvimento de figuras como Bukele em El Salvador e Milei na Argentina e o resultado das recentes eleições na Europa, particularmente o peso da extrema direita crescente na Alemanha e na França, os governos na Itália, Áustria e Hungria, bem como movimentos/partidos como Vox no Estado Espanhol e Chega em Portugal. Essa é uma das razões pelas quais as vitórias eleitorais de Claudia Sheinbaum no México e Yamandú Orsi no Uruguai são importantes. Vale observarmos com atenção também as recentes vitórias eleitorais da esquerda em Botsuana e Namíbia.
07. Nesse sentido, a vitória de Trump nas eleições norte-americanas de 2024 representa um forte retrocesso e um grave risco à democracia. Apoiado no movimento “Make America Great Again”, venceu nos sete estados pêndulo, com maioria na Suprema Corte, Senado e Câmara. Diferente de 2016, o “outsider” que antecipou uma tendência dos anos seguintes, desta vez retorna ao poder após a experiência de seu primeiro governo e a posterior invasão do capitólio, da qual saiu impune. Em 2024, o quadro é de avanço qualitativo das tensões globais, com maior articulação dos blocos em disputa, o que também pode contribuir para uma agenda externa mais agressiva de Trump que aprofundou a máquina de desinformação, fake news e ataques a direitos dos trabalhadores e minorias. Mais do que nunca, é preciso refletir sobre como enfrentar a extrema direita e suas variações contemporâneas. O partido democrata sofreu uma derrota após abraçar o genocídio em Gaza e no Líbano e deixar de enfrentar as ameaças do extremismo de direita. A tarefa de enfrentar a extrema direita é da esquerda, é global e é urgente.
08. Diante de um cenário de aprofundamento da crise ambiental, a COP 29 realizada em Baku no Azerbaijão deixou ainda mais evidente que estamos longe da centralidade e urgência do enfrentamento à essa crise. A COP 29 não apontou soluções para o fim da exploração de combustíveis fósseis ou para o problema do financiamento da transição energética, isentando os países desenvolvidos de sua responsabilidade histórica com o atual cenário ambiental. Enquanto os líderes mundiais se encontravam no Rio de Janeiro no encontro do G20, e aprovavam uma declaração pela taxação dos bilionários e em favor do combate à pobreza extrema, os meios para garantir uma transição justa e inclusiva foram interditados na COP 29. Um cenário que reforça nossa responsabilidade e necessidade de engajamento para disputar através de organização e pressão popular os rumos da COP 30 que acontecerá em Belém do Pará em 2025.
09. O encontro do G20 aconteceu no Rio de Janeiro ainda sob o impacto da eleição de Donald Trump e o crescimento da extrema direita agitada pela vitória nos EUA. O governo Lula tentou dar o tom ao encontro, aprovando uma declaração favorável à taxação dos bilionários e ao combate à pobreza extrema, no entanto, enquanto essas resoluções tratam de temas progressivos, não tem perspectivas para sua implementação, especialmente diante dos interesses dos países desenvolvidos do norte global.
Diante do exposto, o Diretório Nacional do PSOL resolve:
1. Reafirmar nosso compromisso e apoio ativo à causa Palestina. Defendemos um cessar-fogo imediato e o fim do genicídio perpetrado pelo Estado de Israel. Não há paz sem justiça, por isso defendemos o fim das ocupações ilegais de Israel ao território Palestino, pelo direito a autodeterminação do Povo Palestino; Apoiamos todas as medidas mais enérgicas propostas por órgãos jurídicos internacionais, grupos de direitos humanos e países como Colômbia e África do Sul que caminhem no sentido do cessar-fogo total e imediato para garantir paz e ajuda humanitária e de interromper o genocídio promovido por Israel e quem está lucrando com a compra e venda de armas utilizadas neste massacre.
2. Reafirmamos as iniciativas políticas do PSOL ao nível internacional, em articulação com outras forças de esquerda, movimentos sociais e setores democráticos, contra a extrema direita e em defesa da democracia e dos direitos sociais e democráticos. Apoiamos ativamente as iniciativas que busquem frear o avanço da extrema direita pelo globo, assim como buscamos nos aproximar de partidos e movimentos, como no caso da Rede Futuro, que busquem afirmar política e programaticamente a necessidade de uma esquerda socialista e renovada para o século XXI.
São Paulo, 7 de dezembro de 2024
Diretório Nacional