Por Rocio Paik
Via Opera Mundi
Para Vijay Prashad, atentado a território disputado por Índia e Paquistão reforça ‘relações turbulentas’ instigadas pelas elites dos dois países
Atentados como o ocorrido nesta semana na cidade de Pahalgam, na província da Caxemira, preocupam a comunidade internacional, sobretudo as próprias Nações Unidas (ONU) que pediram para uma “contenção máxima” entre a Índia e o Paquistão, uma vez que os países que protagonizam a mais recente escalada de tensões são potências nucleares, conforme lembra o historiador indiano Vijay Prashad, diretor-executivo do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
A Opera Mundi, o intelectual associou as “relações turbulentas” entre Nova Délhi e Islamabade à predominância dos interesses das classes dominantes de ambas as partes.
“Ataques como o de Pahalgam são terríveis, especialmente porque cumprem o objetivo estratégico e singular de colocar duas potências nucleares em confronto militar direto”, afirmou Prashad. “A classe dominante, tanto na Índia quanto no Paquistão, usa os sentimentos do povo da Caxemira como sua própria arma política. Usou-os para disciplinar suas próprias populações e para provocar seu vizinho”.
O ataque de terça-feira (22/04) que matou 26 civis e enfureceu a gestão de Narendra Modi foi reivindicado pela Frente de Resistência (TRF, na sigla em inglês), um grupo armado da região montanhosa que surgiu em 2019 após o governo da Índia revogar a autonomia da Caxemira. Entretanto, as autoridades indianas passaram a acusar o Paquistão de suposto envolvimento com o grupo — uma alegação que foi rechaçada por Islamabade.
Os confrontos bélicos na linha fronteiriça que sucederam o incidente dias depois, e outros diplomáticos, tais como a retirada histórica do Tratado das Águas do Indo de 1960, a suspensão de laços comerciais e interrupção de emissão de vistos a cidadãos, configuram um novo capítulo das relações historicamente já desgastadas entre ambas as nações.
Tensões históricas
Tudo começou em 1946, quando o Reino Unido, enfraquecido pela Segunda Guerra Mundial, anunciou a independência da Índia, no âmbito do período colonial do século 20, quando movimentos independentistas passavam a ganhar força.
Posteriormente, a divisão entre dois Estados como conhecemos hoje se deu por motivações políticas e religiosas: como a população era composta por uma grande maioria de hindus, enquanto uma minoria, porém considerável, de muçulmanos, lideranças locais sustentaram a necessidade da criação de duas nações.
A medida separatista que dividiu a Índia, majoritariamente hindu, e o Paquistão, majoritariamente muçulmano, foi concretizada em 1947, com o aval britânico, em um episódio conhecido como a Partição.
Entretanto, a separação gerou consequências que persistem até na atualidade, incluindo conflitos religiosos que deixaram centenas de milhares de civis mortos, além de um deslocamento forçado em massa.
Nesse contexto, Prashad mencionou a região do Panjabe, estado localizado no noroeste da Índia, como um dos principais lugares que sofreu “impactos catastróficos” em decorrência das disputas territoriais. O local, que se dividiu em Panjabe Ocidental, gerido pelo Paquistão, e Panjabe Oriental, pela Índia, foi epicentro de massacres durante a Partição.
“A ruptura da Índia britânica e a divisão de áreas como (o estado de) Panjabe e (região de) Bengala tiveram um impacto catastrófico, até mesmo traumático, na consciência dessas nacionalidades. O fato de a Índia e o Paquistão terem entrado em um longo período de desconfiança e até mesmo de guerra (1948, 1965, 1971, 1999 e pontos intermediários de níveis mais curtos de conflito) é horrendo quando se considera a história fraternal que antecede 1947”, afirmou o historiador.
E é justamente esse “interesse das classes dominantes” de cada lado que explica a disputa pela Caxemira. A província era um Estado principesco sob domínio britânico, com maioria muçulmana, porém administrado por um marajá hindu. Na Partição, os Estados principescos deveriam escolher se se juntariam à Índia ou ao Paquistão. Hoje, o território que foi motivo da Guerra Indo-Paquistanesa de 1947, não é oficialmente de ninguém, mas é reivindicado por ambos os lados conflitantes que governam partes separadas dele após um acordo de cessar-fogo mediado pela ONU.
É importante destacar que a região da Caxemira é estratégica geopoliticamente falando por facilitar o acesso à água e a recursos naturais, ao abrigar as nascentes de rios importantes, como o Indo. Além disso, faz fronteira com a China, sendo uma área militarmente sensível.
“Precisamos de uma política sensata para o Sul da Ásia que reconheça a necessidade de paz e desenvolvimento — isso é particularmente importante à medida que o mundo caminha para um regionalismo maior. Tanto a Índia quanto o Paquistão precisam reduzir a tensão”, defendeu Prashad, levando em consideração as capacidades nucleares que Nova Délhi e Islamabade possuem e despertam alerta para uma nova escalada militar.