Uma direita em crise se revitaliza depois das eleições


O Governo de Milei, que parecia à beira de uma crise terminal, conseguiu um fôlego novo graças a uma vitória contundente nas eleições intermediárias. O que aconteceu?


As eleições legislativas deste domingo na Argentina consolidaram a administração do La Libertad Avanza (LLA), reverteram a contundente derrota de setembro na província de Buenos Aires e deram um impulso ao projeto político reacionário de Javier Milei, que conseguiu se impor com 40% dos votos a nível nacional (embora em uma eleição com a abstenção mais alta desde o retorno da democracia em 1983). Com uma campanha errática, mas sustentada em grande parte pela centralidade midiática do próprio presidente, atos públicos bizarros e uma inédita intervenção direta do presidente norte-americano Donald Trump e do secretário do Tesouro Scott Bessent, o governo conseguiu um salto na representação parlamentar que o coloca em uma posição de força da qual não havia desfrutado em seus primeiros dois anos de gestão.


Aparentemente imune aos escândalos de corrupção, à crise econômica inegável e às denúncias de seus vínculos com o narcotráfico, o bloco libertário mais do que duplicou sua presença na Câmara dos Deputados e ampliou significativamente sua bancada no Senado. A partir da troca de deputados e senadores em 10 de dezembro, garantirá a capacidade não apenas de proteger os vetos presidenciais (e até mesmo as esporádicas ameaças de impeachment), mas, sobretudo, de ditar a agenda parlamentar e avançar com o plano de "reformas de segunda geração" já antecipado.


O principal dado do pleito foi o altíssimo índice de abstenção nestas eleições de meio de mandato, nas quais votou apenas 67,8% do eleitorado. Isso implica que quase 12 milhões de argentinos não compareceram para votar, tornando estas as eleições intermediárias com a mais baixa participação popular desde 1983. Naquele ano, a participação média girava em torno de 85%, caindo para 82% já nos anos 90. A partir de 2011, ano de implementação do mecanismo de Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO), a participação média estabilizou-se em 77%, com um piso de 72% na eleição de 2021, realizada durante a pandemia. O absenteísmo nas eleições deste domingo confirma uma tendência que já se observava em eleições locais nos últimos meses, podendo ser interpretado sem grande esforço como um sintoma de uma crescente desafeição eleitoral.


Um novo cenário parlamentar


Com esses dados, na Câmara dos Deputados, a LLA passou de 38 para 93 cadeiras, mais do que duplicando sua representação, o que lhe assegura o terço necessário para bloquear leis adversas e consolidar sua iniciativa legislativa. A expansão libertária foi especialmente notória nos principais distritos do país, onde o governo saiu vitorioso mesmo em territórios historicamente dominados pelo peronismo. Milei venceu em todo o cinturão produtivo do centro — Entre Ríos, Córdoba e Santa Fé —, derrotou governadores recentemente eleitos e reverteu uma diferença de dois dígitos na província de Buenos Aires. Embora entre os novos parlamentares libertários figurem vários líderes do PRO e do radicalismo, que ingressaram através de alianças locais, o crescimento da força presidencial marca um ponto de inflexão na dinâmica parlamentar.


O crescimento brutal da representação governista na Câmara Baixa foi alimentado não tanto pela perda de cadeiras do peronismo (que perdeu apenas 3), mas principalmente pelos retrocessos do PRO (14), da UCR e da Liga del Interior (14), do bloco Encuentro Federal (7), da Coalición Cívica (2), de outros blocos provincialistas (2) e até do bloco da Frente de Izquierda, que perdeu uma cadeira (mantendo sua média nacional da última década, apesar de ter feito uma eleição histórica em CABA, onde obteve 9%, com uma lista encabeçada por Myriam Bregman, que se consolida como a principal referência eleitoral da esquerda). O peronismo, por outro lado, embora não tenha perdido tantos legisladores e continue sendo a primeira minoria da Câmara baixa, deve enfrentar a próxima etapa não apenas imerso em uma disputa interna que já mostra sinais de se revitalizar, mas também com sua capacidade de articulação opositora severamente enfraquecida.


No Senado, o avanço foi igualmente contundente. Dos oito distritos que votavam senadores (Cidade de Buenos Aires, Chaco, Entre Ríos, Neuquén, Río Negro, Salta, Santiago del Estero e Terra do Fogo), a LLA saiu vitoriosa em seis, passando assim de 8 para 20 cadeiras e reduzindo drasticamente a representação do peronismo, que perdeu seis representantes e ficou com apenas 28 senadores (o momento de maior fraqueza de uma bancada peronista na Câmara Alta desde o retorno da democracia). Embora o governo precise de quatro votos adicionais para alcançar o terço que lhe permita proteger seus vetos, as coincidências com setores do PRO (que passou de 8 para 6 cadeiras) e do radicalismo (de 13 para 9) levam a prever que não terá dificuldades para consegui-lo. A nova correlação de forças deixa o peronismo como primeira minoria, mas já sem a capacidade real de bloquear os projetos do Executivo como pôde fazer durante este ano com algumas leis-chave, removendo assim um importante fator de instabilidade política que o Governo não mais temerá na nova etapa.


O panorama que se abre é o de um governo fortalecido que buscará aprofundar seu programa de ajuste e desregulamentação sob o nome de "reformas de segunda geração". Sob esse rótulo agrupam-se iniciativas que não conseguiram ingressar na Lei de Bases (por negociação parlamentar no início da gestão mileista ou por bloqueios judiciais), incluindo a tripla reforma — trabalhista, tributária e previdenciária —, que conta com o apoio explícito dos grandes grupos empresariais. Este resultado eleitoral consolida a ofensiva do governo e configura um cenário de recomposição conservadora e de possível estabilização no curto prazo, no qual a capacidade de resistência social e política do campo popular voltará a ser posta à prova.


O que aconteceu?


O percentual de 40% alcançado pelo Governo a nível nacional talvez seja mais significativo do que o obtido em 2023 para chegar ao poder, já que naquela ocasião Milei era um completo outsider que agitava promessas de campanha de todos os tipos (como dinamitar o Banco Central e dolarizar a economia nacional, entre outras) sem que se soubesse realmente o que estava disposto a concretizar ou quanto poderia avançar de fato. Hoje, nenhum de seus eleitores pode alegar ignorância: as dramáticas consequências econômicas de sua gestão estão à vista, assim como o enfraquecimento institucional que impôs ao longo destes dois anos intermináveis. Mas nada disso pareceu decisivo para um imenso setor da população argentina, que optou por ratificar o rumo político, apesar das penúrias materiais.


Nos próximos dias, certamente serão elaboradas múltiplas explicações para este fenômeno, detalhando minuciosamente os dados da votação por regiões, setor social, gênero, etc., mas é bastante possível que a evidente sensação de fragilidade econômica e política transmitida pelo Governo nas últimas semanas, com seu recurso desesperado ao resgate econômico por parte da administração de Donald Trump, tenha sido um fator importante para levar muitas pessoas a votar no governo (sem descartar um setor que pode ter se entusiasmado genuinamente com a promessa trumpista de uma inverossímil chuva de dólares para converter a Argentina novamente em potência... mas sob a condição de que vencessem as eleições).


Como quase sempre nos últimos tempos, as empresas de pesquisa não foram capazes de captar previamente este fenômeno. Talvez por uma intenção de voto "culposo" que não se explicitou nas consultas pré-eleitorais, como aconteceu com a famosa eleição do ex-presidente Carlos Menem em 1995, quando a frase mais ouvida era "Eu não votei nele", apesar de ele ter conseguido a reeleição com mais de 49% dos votos. Naquela ocasião, isso foi definido como o "voto prestação", uma aposta na continuidade apesar da já evidente crise econômica, porque havia muitas prestações a pagar e um colapso econômico profundo poderia complicar qualquer planejamento.

Embora seja óbvio que nos últimos 20 anos a Argentina passou por inúmeras mudanças, talvez se possa tentar estabelecer algum paralelo com aquela "racionalidade econômica" que optou pela continuidade do ruim em vez de um desfecho de crise aberta, de consequências imprevisíveis (que chegaria uma década e meia depois). Nas semanas anteriores à eleição deste domingo, multiplicaram-se as denúncias de escândalos de corrupção e vínculos de figuras do Governo com o narcotráfico, ocorreu uma importante corrida cambial com a suspeita de que não seria possível defender as "bandas cambiais" nem mesmo até as eleições (o que aqueceu a macroeconomia e obrigou o ministro da Economia Luis Caputo a se deslocar ineditamente por 15 dias em Washington), sucederam-se duas renúncias constrangedoras de integrantes do Gabinete de ministros e tornaram-se visíveis disputas internas no Governo, enquanto o anúncio de mais mudanças de funcionários a partir desta segunda-feira confirmava a crise profunda do partido do Governo. Este contexto, somado ao antecedente próximo da derrota esmagadora do governo na província de Buenos Aires, há apenas 50 dias, deixava claro que outro revés eleitoral grave implicaria uma nova disparada do dólar e uma acentuação, talvez terminal, da crise política. Todos sabíamos disso, mas pode ser que muitas pessoas não tenham estado dispostas a dar esse salto para a crise aberta. Assim, os prognósticos de derrota eleitoral catastrófica e de uma macroeconomia saindo dos trilhos podem ter fortalecido um voto popular conservador e continuísta, para além da inegável existência de um setor crescente e consolidado (sobretudo jovem) que vota ideologicamente na direita.


Embora nas primeiras horas após a divulgação dos resultados eleitorais as comparações com os resultados das eleições intermediárias de 2017, durante a presidência de Mauricio Macri, estivessem na ordem do dia - quando as listas do PRO venceram claramente para, apenas dois meses depois, dar lugar a uma contundente irrupção popular contra a reforma previdenciária que terminou colapsando o governo e obrigando-o a solicitar um empréstimo milionário ao Fundo Monetário Internacional para conseguir terminar seu mandato -, hoje a situação é muito diferente. Sem descartar que a histórica capacidade de mobilização da sociedade argentina possa nos brindar com alguma surpresa positiva no médio prazo, o esgotamento social, o desapego político e a dispersão das ações de resistência contra a brutal ofensiva econômica, política e cultural desencadeada pela ultradireita no Governo parecem nos colocar diante de um cenário muito mais complicado do que aquele.


Neste sentido, a vitória de Milei não expressa apenas um voto de castigo ao peronismo, mas também a consolidação de uma nova direita que combina fundamentalismo de mercado, antipopulismo cultural e uma apelação ainda eficiente ao cansaço popular em relação à política tradicional. Em um país marcado pela desigualdade e pela descomposição do trabalho formal, o experimento de direita conseguiu articular uma narrativa de revanche contra o Estado e as organizações sociais. Embora, evidentemente, não se possa excluir da equação que explica a recuperação da LLA o fator "antiperonismo", talvez estejamos diante de algo muito mais profundo e grave: a consolidação de um bloco popular que não apenas reage "contra" um eventual retorno peronista, mas que é capaz de defender ativamente as políticas antissociais das novas direitas.


E é precisamente aqui que boa parte das análises da esquerda tradicional se mostram insuficientes. Desde o FITU, a vitória de Milei em 2023 foi lida como um golpe de marketing ou um acidente eleitoral que não colocou em questão nenhuma de suas caracterizações prévias sobre a sociedade nacional e suas históricas capacidades de impugnação aos planos regressivos das direitas. Depois de passar dois anos esperando a mobilização popular que varresse um governo caracterizado sistematicamente como "fraco" (apesar de ter implementado sem maiores resistências o mais importante ajuste contra o nível de vida dos trabalhadores das últimas décadas) e de antecipar um cansaço popular pelo deterioração econômica que puniria o Governo nas urnas, hoje se reivindica a existência de uma "polarização" que não tem nenhuma comprovação na realidade. A verdade é que a crise está sendo capitalizada consistentemente pelas direitas sem que se vislumbre nenhuma recomposição ou agrupamento significativo em sentido contrário (além do autoproclamado papel da Frente de Esquerda como hegemônica do polo resistente, embora nem mesmo tenha feito uma grande eleição neste domingo). Hoje, sem revisar nenhuma caracterização prévia sobre o "cheiro de 2001" que supostamente se respirava no ambiente antes das eleições, aposta-se em um horizonte de reação popular similar à de dezembro de 2018. Assim, sem necessidade de modificar caracterizações nem ferramentas, qualquer mobilização ou ato de resistência popular é lido como o prelúdio da rebelião que varrerá a LLA. "Sim, perdemos as eleições por goleada, mas isso não significa nada porque a rua terá a última palavra", repete-se. Mas os surpreendentes resultados deste domingo insistem na necessidade de repensar essas estratégias políticas automáticas.


A pergunta que permanece em aberto após as eleições é se esta conquista eleitoral, que parece ter acalmado "os mercados" imediatamente, trazendo uma rápida queda do dólar e do risco-país, poderá garantir uma estabilização do Governo de Javier Milei no médio prazo, em meio a um crescente deterioração econômica das maiorias sociais, a uma precarização laboral em aumento e a uma acelerada destruição da estrutura social mais básica nos próximos meses. Nesse marco complexo, teremos que ver com quais ferramentas políticas e sindicais amplas e flexíveis enfrentaremos as intenções oficiais de aproveitar a nova composição parlamentar para avançar rápida e profundamente contra os direitos laborais e conquistas históricas do movimento operário.


PEDRO PERUCCA

Sociólogo, jornalista, editor assistente da Jacobin América latina.