19 de Janeiro na França: primeira vitória contra a reforma previdenciária de Macron

Foto: Reprodução @jacobinlat

Josu Egireun 

 

 

Com uma cifra de manifestantes que mesmo na boca do ministro do interior (1,2 milhões, enquanto os sindicatos anunciaram dois milhões) são superiores às previstas pelos sindicatos nos dias anteriores, todo mundo avalia que essa jornada de mobilização foi um êxito para o movimento sindical. Não só pela quantidade de gente que se mobilizou, mas também pela extensão da mobilização em cidades pequenas e médias por todo o território da França. 

De Perpignan (15.000) a Nantes (50.000), de Le Havre (35.000) a Bayona e Pau (15.000), ou de Brest (13.500) a Nice (20.000), nunca se havia conhecido manifestações – um total de 200 – tão fortes. Mobilizações que em alguns casos superaram as cifras das mobilizações históricas de 1995, em que se conseguiu derrubar a reforma da previdência de Alain Juppé. 

A essas manifestações ainda deve-se agregar as significativas greves no setor de energia (nuclear, refinarias, setor elétrico), do transporte (longas e curtas distâncias), na educação (primária, secundária e universitária) e, muito importante, o desenvolvimento de greves no setor privado: indústria alimentícia, setor automobilístico, eletrônico, etc. 

E tudo isso apesar da brunete midiática colocada à disposição do governo, como denuncia a associação Acrimed (Action Critique Medias): “Dos informativos matinais às revistas de atualidade e os debates televisivos, o governo conta com um forte esquadrão de pedagogos, empenhados em ensinar aos recalcitrantes, que necessariamente são tidos por ignorantes ou mal informados”. 

O sucesso dessa mobilização, sua massividade, se baseia em dois elementos: o primeiro, a unidade de todos os sindicatos (CFDT, CGT, FO, CFE/CGE, CFTC, UNSA, Solidaires e FSU) e, sobretudo, a participação da CFDT – sindicato majoritário e que até então havia optado sempre mais pela via do diálogo que do confronto; o segundo que, apesar do detonador das grandes mobilizações ser a reforma da previdência, o que se expressa nas ruas é um enorme cansaço, tanto pela degradação contínua das condições de vida e trabalho da maioria social, de suas classes mais desfavorecidas (pelos efeitos da inflação, deterioração dos serviços públicos, cortes no seguro desemprego), quanto pela arrogância de um governo que, fiel às suas crenças, tem como único objetivo enriquecer os mais ricos. Ao ponto de que o ministro da economia, Bruno Lemaire, nos dias anteriores à greve não teve nenhum pudor em zombar da proposta lançada por 200 multimilionários do planeta para a cúpula de Davos, exigindo mais impostos para os ricos para sair da crise provocada pela COVID-19. Sobretudo quando a razão para essa reforma nas aposentadorias é cobrir o déficit orçamentário do governo. 

Todo um gesto que mostra a dureza com que vai atuar Macron e seu governo frente à mobilização social. Ainda mais tendo em conta que a tramitação parlamentar da lei conta com o apoio da direita tradicional (Les Republicains), o que permite ao governo uma maioria no parlamento. 

De fato, no mesmo dia 19 (na coletiva de imprensa junto a Pedro Sánchez em Barcelona), Macron não teve tempo para mostrar sua determinação para seguir adiante com a reforma, com base no fato de que neste conflito o governo estaria cobrindo todos os procedimentos democráticos (isto é, o diálogo social – mal sucedido – com os sindicatos e o trâmite parlamentar) para aprová-la. Com isso, busca opor a legalidade institucional à opinião majoritária do país, que rejeita a reforma, e sobretudo tenta minar a legitimidade democrática da dinâmica de mobilização de rua iniciada em 19 de janeiro. 

Assim, portanto, a luta contra a reforma previdenciária apenas começou. E, para ganhá-la, a mobilização social de sindicatos, associações e partidos de esquerda iniciada em 19 de janeiro deverá crescer em extensão e intensidade, porque para que o governo recue nessa reforma das aposentadorias não basta contar com a opinião contrária de uma maioria social, mas sim criar uma relação de forças suficiente para enviá-la para a lata de lixo da história, para forçar os governantes a reconhecer que, se não se retirar a proposta, o caos será total. 

 

Olhando para trás 

Nesse sentido, não será demasiado recordar o balanço da derrota das mobilizações de 2010. Naquele momento, assinalou Alain Bihr, 

A estratégia sindical, claramente expressa e repetida à vontade pelos distintos dirigentes sindicais (François Chérèque e Bernard Thibault, em particular), consistia em ‘ganhar a batalha da opinião pública’: demonstrar, mediante manifestações de rua massivas e repetidas, apoiadas por algumas jornadas de greve, que a reforma governamental era impopular porque se percebia como profundamente injusta e que, portanto, o governo estava privado de toda legitimidade democrática sobre o tema, ainda que tivesse a lei a seu lado. O pressuposto era que um governo democrático não pode governar contra as ruas e levar a cabo uma reforma tão evidente e massivamente rechaçada pelo povo (no sentido político do termo: todos os cidadãos). (...) 

Essa estratégia era absurda a priori. Poderia se basear no precedente de novembro-dezembro de 1995, quando, diante de um movimento social de grande escala, Alain Juppé (então primeiro-ministro) e Jacques Chirac (presidente) tiveram que modificar seriamente seu projeto de ‘reforma’ no seguro saúde. Inclusive poderia evocar uma vitória mais recente, a do movimento contra o ‘contrato de primeiro emprego’ (CPE) na primavera de 2006 (...). E, no entanto, desta vez essa estratégia fracassou (...) [Porque] o governo atual já não considera que sua legitimidade venha das urnas e que deva prestar contas a seus eleitores, e mais amplamente a todos os cidadãos, sobre seus compromissos anteriores ou, em termos mais gerais, sobre o bem público. Sua única legitimidade é agora a que ostenta a partir de seu total servilismo aos interesses do capital e em particular de sua fração hegemônica, o capital financeiro’. E, mais no concreto, a estratégia sindical do outono de 2010 não poderia deixar de passar pela guerra social declarada na Europa a partir de 8-9 de maio na reunião urgente do BCE, ECOFIN e FMI para definir um plano de resgate para sair da crise de 2008, da qual Macron é um aluno privilegiado. 

Por isso, a questão que se coloca agora é como construir um movimento com força para vencer. Porque não há outra alternativa. 

 

Enfrentar as dificuldades, construir um movimento para ganhar 

Todo mundo tem consciência de que a situação não é nada fácil, de modo que a margem para erros para a estratégia sindical é também pequena. São muitos anos acumulando derrotas, e essa mobilização ocorre em meio a uma crise econômica e social em que cada vez mais gente não consegue chegar ao fim do mês com o salário, o que pode incidir na capacidade de se manter um movimento sustentado de greves. Por isso, a resposta a essa ofensiva do governo deverá ser de uma intensidade superior às que conhecemos em anos anteriores. 

A magnitude da mobilização do dia 19, a vontade da maioria social do país para reverter as políticas e a arrogância do governo e da patronal impõem importantes responsabilidades à esquerda social e política. Para que Macron retire sua reforma será necessário elevar o nível de mobilização com o objetivo de atrair novos setores e bloquear o país. Essa é a única língua que Macron e seu governo entendem. 

No momento, com a mobilização do 19, a que se seguiu a manifestação de sábado 21 (convocada pelas organizações de juventude e apoiada pela France Insoumise, NPA e Generation-s, mobilizou 20.000 pessoas), o conjunto de organizações sindicais convocou uma nova jornada de greve geral para a terça-feira 31 de janeiro, ao mesmo tempo em que chamam a “multiplicar ações e iniciativas em todo o território, nas empresas e serviços, nos centros educacionais... inclusive convocando greves, sobretudo em torno ao 23 de janeiro, dia em que o Conselho de Ministros irá debater o projeto de lei”. Uma orientação que, em determinados setores, como transporte, refinarias e educação, já anima debater para pôr de pé greves renováveis [greves indefinidas que se decidem dia a dia]. Esse sábado já se soube que o conjunto de sindicatos da SNCF convoca uma greve renovável a partir do dia 31, uma boa notícia. 

À diferença de outras greves em que justificação do rechaço às propostas governamentais exigia um trabalho importante de convencimento e pedagogia, nessa ocasião, estando ganha a batalha de opinião sobre o desatino da reforma, o objetivo para o dia 31 estará em organizar assembleias gerais de debate nos locais de trabalho e ensino para reforçar e ampliar a mobilização, e em criar e estender ao máximo os espaços de debate e reflexão a nível local sobre a necessidade de elevar a lista da mobilização para derrubar a reforma. 

Por último, a ninguém escapa o fato de que a importância do resultado desse confronto social afeta o projeto neoliberal da União Europeia, que tem como um de seus objetivos prioritários o desmantelamento do sistema previdenciário. Daí a importância de difundir a experiência dessa luta e de se solidarizar com ela.