Claudio Katz
Via Viento Sur
Fiel ao seu estilo de jogador ousado, Trump provocou um caos nos mercados mundiais. Introduziu, retirou e reformulou uma tabela de tarifas que desencadeou uma desordem de grandes proporções. Sua bravata recriou os piores pesadelos financeiros das últimas décadas.
O magnata instalou um inédito cenário de crise global precipitada de forma deliberada. Alguns analistas estimam que ele tende a recuar diante dos resultados adversos de suas medidas, mas outros consideram que continua assustando seus interlocutores para forçá-los a capitular.
Também paira a impressão superficial de que Trump enlouqueceu e que, em sua decadência, os Estados Unidos ficaram sob o comando de um desvairado. O magnata mente, insulta, agride e parece governar a maior potência como se fosse um fundo de investimento. Mas, na verdade, segue uma estratégia aprovada por grupos de poder significativos, e não se deve subestimá-lo (Torres López, 2025).
Ele tem três objetivos no plano econômico: restaurar a hegemonia do dólar, reduzir o déficit comercial e incentivar a repatriação das grandes empresas. A hierarquia e articulação dessas metas é o grande ponto de interrogação do momento.
Centralidade monetária
Algumas análises destacam corretamente a primazia dos objetivos financeiro-monetários sobre os comerciais ou produtivos. Ressaltam que Trump pretende estabelecer um dólar barato para exportação e um dólar valorizado como reserva de valor. Seu objetivo é favorecer as exportações norte-americanas, ao mesmo tempo em que assegura o status privilegiado da moeda dos EUA como divisa mundial (Varoufakis, 2025).
Os dois principais assessores do presidente — Miran e Besset — confirmaram essa intenção, admitindo que as pressões comerciais são um instrumento das exigências monetárias.
Para alcançar a desvalorização do dólar e sua permanência como reserva de valor, Trump precisa reforçar a submissão dos Bancos Centrais da Europa e do Japão. Essa subordinação é essencial para preservar o papel dos títulos da dívida americana (Títulos do Tesouro) como principal refúgio de capital.
Essa garantia determina o afluxo do dinheiro excedente no mundo para Wall Street. Tóquio e Bruxelas devem manter a compra desses papéis para validar a cotação do dólar imposta por Washington, evitando tensões cambiais que desmoronariam todo o projeto.
Trump exige o reinado contínuo do dólar e, consequentemente, a capacidade dos Estados Unidos de se financiar às custas do resto do mundo. O imperialismo do dólar permite à potência norte-americana endividar-se sem limites e inundar o planeta com sua moeda.
Para lidar com os sérios questionamentos que esse privilégio enfrenta atualmente, o magnata pretende recriar os Acordos Plaza que os EUA impuseram à Alemanha e ao Japão nos anos 1980. Naquela época, seus dois subordinados aceitaram sustentar a desvalorização do dólar e manter uma paridade que garantisse a primazia global da moeda americana.
Trump adapta essa exigência aos tempos atuais e apoia novas moedas digitais vinculadas ao poder político do dólar. O magnata criou um fundo de criptomoedas respaldado por sua própria imagem e promove esse mercado (stablecoins) como um pilar adicional do dólar. Já posicionou esses instrumentos entre os 10 maiores detentores de Títulos do Tesouro (Litvinoff, 2025).
O presidente norte-americano sonha em reposicionar o dólar no trono original de Bretton Woods. Seu plano B é reciclar essa influência ao nível alcançado por Nixon e Reagan. No primeiro caso, a moeda americana foi desvinculada da conversibilidade com o ouro, iniciando um longo ciclo de predominância sem lastro metálico. No segundo, a divisa foi fortalecida pelo aumento das taxas de juros, o avanço do neoliberalismo e a financeirização sob o comando do Federal Reserve. Esses dois presidentes compartilham com Trump o mesmo perfil de figuras medíocres, mas introduziram mudanças significativas no status global do dólar.
Para repetir esse feito, o magnata precisa conter a tendência à desdolarização, que ameaça a supremacia da moeda verde. Essa erosão é impulsionada pelos BRICS, que começaram a desenvolver instrumentos de substituição da moeda americana em operações de pagamento, transações comerciais e mecanismos de compensação financeira (Sapir, 2024).
Já existe, inclusive, um projeto para criar uma moeda dos BRICS que — seguindo uma trajetória distinta da do euro — levaria a um efeito semelhante. Esse plano contempla a criação gradual de um banco emissor, com fundos de reserva e cronogramas detalhados de ritmos, taxas e legislações (Gang, 2025).
Trump conhece essas ameaças e precipitou um caos para desencadear a batalha contra os desafiadores da divisa americana. Ele promove esse pânico para disciplinar todos os aliados sob seu comando. A partir dessa centralização, espera recompor o dólar e redefinir o sistema econômico global em favor dos Estados Unidos.
Mas o magnata precisa limitar o alcance da crise que ele mesmo gera, porque, se essa convulsão recriar o cenário da pandemia ou o contexto do colapso bancário de 2008, o tremor acabará afetando o próprio criador (Marco del Pont, 2025a).
O barômetro imediato desse embate é o comportamento dos Títulos do Tesouro. O Japão é o principal detentor desses papéis desde que a China começou a se desfazer deles. Os bancos da Europa e de outros países asiáticos também possuem um significativo estoque desses títulos. O plano de Trump naufragará rapidamente se, como foi sugerido na recente turbulência, os credores da dívida americana venderem esse ativo.
Mas além desse cálculo imediato, a grande dúvida é a capacidade dos Estados Unidos de recompor sua moeda. Há várias diferenças substanciais em relação à era de Nixon e Reagan. O declínio da potência norte-americana é muito mais profundo, o circuito de dominação imperial está desgastado, o colapso da URSS e o início da globalização já passaram, e o avanço econômico da China é avassalador.
A estratégia monetária de Trump também enfrenta forte tensão com os bancos, enquanto Wall Street observa com desconfiança um rumo que ameaça cortar os lucros gigantescos obtidos nos últimos tempos.
O bumerangue das tarifas
O segundo objetivo de Trump é comercial e busca reduzir o monumental déficit externo dos Estados Unidos. Trata-se de uma meta de médio prazo, que não tem a urgência do giro monetário e, em grande medida, depende da recomposição do dólar. O magnata introduz e modifica diariamente as tarifas, dado o papel complementar desses instrumentos nas negociações com cada país.
O ocupante da Casa Branca radicaliza, na prática, a tendência protecionista iniciada com a crise financeira de 2008 e com o declínio da globalização comercial. Desde então, foram introduzidas 59.000 medidas restritivas nos intercâmbios internacionais, e as tarifas atingiram o nível mais alto dos últimos 130 anos (Roberts, 2025a). A guerra comercial iniciada por Trump com seu pomposo pacote de tarifas está alinhada a essa trajetória anterior.
O magnata recorreu a uma fórmula absurda para penalizar diferentes países. Inventou um critério arbitrário de reciprocidade para definir o percentual de cada punição, com estimativas absurdas do déficit comercial americano que desconsideravam o superávit dos EUA no setor de serviços. Também ignorou que os desequilíbrios comerciais não foram causados pelos países sancionados, mas pelas próprias empresas americanas, que transferiram suas operações para o exterior em busca de maiores lucros.
As chances de sucesso do plano trumpista são muito reduzidas, já que as importações e exportações dos Estados Unidos deixaram de ser uma força decisiva no comércio mundial. Caíram de 14% em 1990 para os atuais 10,35%, enquanto os BRICS saltaram de 1,8% para 17,5% no mesmo período. A guerra tarifária, por si só, não tem poder dissuasivo, e as vendas americanas no setor de serviços são insuficientes para equilibrar a balança (Roberts, 2025b).
Algumas estimativas destacam, inclusive, que se os Estados Unidos suspendessem todas as suas importações, 100 de seus parceiros comerciais conseguiriam redirecionar suas vendas para outros mercados em apenas cinco anos (Nuñez, 2025).
O maior problema da guerra comercial é a possibilidade de uma escalada incontrolável. Entre 1929 e 1934, a espiral descendente do comércio internacional que sucedeu ao pacote protecionista (Smoot-Hawley) causou uma queda de 66% nas trocas globais, afetando todos os envolvidos. Trump acredita que evitará essa sequência por meio de negociações bilaterais forçadas a partir de seu gabinete.
Mas os acontecimentos do passado sugerem um desfecho diferente quando os conflitos escalam sem controle. O efeito recessivo do protecionismo sobre a economia mundial é tão conhecido quanto o vínculo entre a Grande Depressão e a retração do comércio. Embora as interpretações mais comuns conectem superficialmente esses processos — omitindo as raízes capitalistas do ocorrido nos anos 1930 — não há dúvida de que o protecionismo desencadeou, potencializou ou precipitou o colapso daquele período.
O mais relevante de uma possível repetição desse precedente seria seu impacto na economia dos Estados Unidos, que atualmente é muito mais vulnerável às turbulências globais. Essa vulnerabilidade é maior devido à importância do comércio exterior, que saltou de 6% (1929) para 15% (2024) do PIB do país.
Trump reintroduz o protecionismo em um momento histórico inadequado. As tarifas eram um instrumento eficaz para os Estados Unidos no passado, mas não cumprem a mesma função hoje. Facilitavam o crescimento de potências emergentes frente a competidores que defendiam o livre comércio para manter sua hegemonia no mercado global. O protecionismo foi usado com grande sucesso pela Alemanha no século XIX, e pelo Japão e Coreia do Sul no século passado. Mas a mesma ferramenta não ajudou a Grã-Bretanha a conter seu declínio — e essa ineficácia afeta hoje os Estados Unidos. Trump promove um protecionismo deslocado, pois, em vez de incentivar uma indústria nascente, busca amparar uma estrutura obsoleta. Simplesmente ignora que os Estados Unidos já não são o que foram.
O sonho do retorno fabril
O terceiro objetivo de Trump é produtivo. Ele promove o retorno das empresas ao território de origem e vê essa relocalização como a única forma de efetivar a recuperação da hegemonia norte-americana. Por isso, marcou o início de sua ofensiva (o chamado "Dia da Libertação Econômica") com a proposta de reindustrialização do país.
Trump é o primeiro presidente a reconhecer abertamente os prejuízos causados pela expatriação das fábricas. Lança mão de instrumentos drásticos para tentar reverter essa perda, pois entende que a globalização acabou prejudicando justamente a potência que mais a impulsionou. Ele percebe que a primazia dos EUA em serviços, finanças ou no mundo digital não compensa o retrocesso industrial e a consequente erosão do alicerce de qualquer economia sólida.
Mas seu plano de repatriação industrial é ainda mais inviável que seus projetos monetário e tarifário. Nenhuma combinação de incentivos cambiais ou comerciais tem apelo suficiente para induzir o retorno de empresas que lucram amplamente com suas operações no exterior. Por mais generosos que sejam os incentivos oferecidos por Trump, produzir nos Estados Unidos tem um custo muito mais alto. A restauração industrial exigiria um volume massivo de investimentos — algo que as empresas não estão dispostas a fazer diante da baixa rentabilidade doméstica atual.
A guinada protecionista busca reduzir essa disparidade, mas enfrenta a dificuldade de tentar fechar a economia num contexto de cadeias de suprimento globalizadas. Na composição final de muitos produtos, há insumos provenientes de fábricas espalhadas por diversos países.
Não é fácil imaginar como os Estados Unidos poderiam recuperar competitividade recriando antigos padrões de fabricação nacional. Até que ponto seria preciso elevar uma tarifa para que fabricar internamente se tornasse mais barato?
Basta observar o caso da Nike, por exemplo, que mantém 155 fábricas no Vietnã e gera um número colossal de empregos por lá para abastecer um terço das importações de calçados dos EUA. A diferença de custos de produção é tão abismal que imaginar o retorno dessas atividades para os EUA parece impensável (Tooze, 2025). O mesmo vale para o desmembramento da cadeia produtiva da Apple na China.
Ainda assim, os economistas de Trump afirmam que seu plano será viável se o dólar recuperar sua primazia e o déficit comercial for reduzido. Acreditam que isso corrigirá os desequilíbrios globais de consumo, poupança e investimento que afetam a potência americana. Já os críticos, tanto neoclássicos quanto keynesianos, lembram que no primeiro mandato Trump não conseguiu iniciar essa transformação.
O debate entre essas visões gira em torno do impacto positivo ou negativo do protecionismo sobre gastos, receitas, poupança e consumo. Mas ignora que o retrocesso dos EUA não se deve a esses fatores diretamente. A causa está na baixa produtividade da principal economia ocidental em relação ao seu crescente concorrente oriental. Há inúmeros indicadores dessa disparidade e sinais claros de que ela continua a se ampliar.
Basta observar a tendência generalizada das empresas norte-americanas de priorizar o investimento financeiro, operando como verdadeiros caixas eletrônicos de Wall Street, para confirmar sua perda de competitividade. Costumam gastar mais com recompra de ações e pagamento de dividendos do que com investimentos produtivos de longo prazo.
Grande parte dessas empresas globalizou sua produção para driblar os altos custos locais, mas isso as tornou extremamente dependentes da importação de bens de consumo baratos da Ásia — dependência essa que serve também para manter os salários internos baixos.
O grau de dependência dos insumos chineses ficou evidente quando o próprio Trump decidiu isentar todos os chips e componentes eletrônicos das tarifas impostas à China. O mesmo ocorre com bens de capital e intermediários, que representam cerca de 43% das importações totais vindas do país asiático (Mercatante, 2025).
O retrocesso dos Estados Unidos não é fruto de erros comerciais, e sua reversão não será alcançada por meio de um ultimato protecionista. É verdade que há uma mudança em curso no modelo global, que corrói a divisão internacional do trabalho estabelecida ao longo de décadas de internacionalização produtiva. No entanto, esse declínio não inaugura um processo inverso de nacionalização industrial, como Trump imagina — porque a capacidade dos Estados Unidos de liderar esse movimento se reduziu de forma dramática.
O retrocesso diante da China
Salta aos olhos que a China é o epicentro da guerra econômica iniciada por Trump. Foi o principal alvo das tarifas que desencadearam uma escalada vertiginosa de represálias mútuas. Os 34% iniciais impostos por Washington foram rebatidos com o mesmo percentual por Pequim, e a disputa logo escalou para 84%-104% e depois para 145%-125%. Em níveis assim, o comércio entre os dois países tende a ser praticamente anulado.
A centralidade da China na ofensiva de Trump foi ainda mais confirmada por sua decisão de manter as sanções exclusivamente contra o país asiático, mesmo após suspender punições a outras nações. As tarifas altíssimas impostas ao Vietnã, Camboja e Laos fazem parte da mesma disputa, já que a China comanda as cadeias de suprimento desses vizinhos e reexporta seus produtos a partir deles.
Pequim respondeu com firmeza, implementando de imediato tarifas recíprocas, e deixou claro que não aceitaria a chantagem norte-americana. Já vinha se preparando há muito tempo para essa disputa e pretende travar a batalha no campo da produtividade, evitando desvalorizar o yuan. Além disso, vem buscando novos mercados compensatórios, com ofertas atrativas voltadas especialmente para a Europa e a Ásia.
Existe um temor generalizado no establishment ocidental sobre o desfecho dessa disputa. Circulam muitas análises prevendo o sucesso final da China, especialmente se Trump continuar "atirando no próprio pé".
Diariamente surgem novos dados comprovando a superioridade asiática em incontáveis áreas. O gigante oriental já forma 65% dos graduados em ciência, tecnologia, engenharia e matemática do mundo. Mantém uma taxa de crescimento que é o dobro da norte-americana, já responde por 35% da manufatura global e pode chegar a 45% até 2030. Em 2001, 80% dos países comercializavam mais com os EUA do que com a China — hoje, dois terços já inverteram essa relação (Ríos, 2025).
No primeiro mês da presidência de Trump, a China iniciou 30 novos projetos de energia limpa na África, deu início à construção da maior represa do mundo no Tibete e apresentou uma nova geração de trens ultrarrápidos. Seu reator nuclear quebrou um recorde na produção de plasma, aproximando-se da geração de energia limpa ilimitada. Seus estaleiros lançaram o maior navio de assalto anfíbio do mundo, e os testes com redes 6G indicam que pode vencer também essa corrida (MIU, 2025).
Toda a política de Trump é uma tentativa desesperada de conter o avanço chinês. Esse avanço começou a se desenhar no início do milênio, quando os EUA deixaram de receber transferências de renda a seu favor da China. A partir daí, iniciou-se uma relação comercial desfavorável que atingiu um pico hoje difícil de reverter.
O magnata tenta mudar esse cenário adverso com ações drásticas. Mas a distância entre as duas potências não se deve apenas a diferenças de política monetária, comercial ou produtiva. Está relacionada à estrutura social e ao controle do Estado. Na China, há sim classes capitalistas que acumulam fortunas e exploram os trabalhadores — mas esses grupos não controlam o poder estatal. Essa diferença ajuda a explicar a capacidade e autonomia da liderança política chinesa em orientar a economia de forma eficiente.
Trump não possui nenhuma fórmula para lidar com essa desvantagem, que escapa de todas as suas intenções e planos. Para piorar, ele adota medidas que agravam os dois maiores problemas do capitalismo atual: a desigualdade social e a crise climática. Está engajado em uma batalha tardia para sustentar a liderança dos EUA num sistema em crise, mas acaba acelerando o declínio norte-americano com decisões que implementa, revoga e depois reinstala.
O léxico nostálgico imperial
Trump tenta recuperar a centralidade imperial dos Estados Unidos. Essa é a única forma de engrandecer os capitalistas norte-americanos à custa do resto do mundo. O pacote de sanções, tarifas e chantagens que ele implementou exige revitalizar o império.
O magnata busca restabelecer essa primazia com atitudes agressivas. Gosta de se vangloriar por ter conseguido que 75 países negociassem tarifas após o susto causado pela sua tabela de tarifas. No entanto, ele disfarça a realidade com bravatas que ofuscam o andamento real das negociações.
Com a União Europeia, ele intensifica uma disputa iniciada com a introdução e suspensão de tarifas de 25%. Trump almeja impor um "vassalagem euro" que permita reindustrializar seu país por meio da desindustrialização do parceiro transatlântico.
O passo preliminar dessa operação é o rearmamento do Velho Continente, com gastos em energia, tecnologia digital e equipamentos fornecidos pelos Estados Unidos. O magnata semeou o pânico entre as elites europeias, que, em um surto de russofobia, se embrenharam em um belicismo cegante. Estão cortando os gastos sociais e já substituem a promovida transição verde por uma "transição cinza" de puro gasto militar.
No entanto, esse giro não está livre de conflitos, e o rápido acordo que Trump esperava com Putin (para se apropriar das riquezas da Ucrânia) não só está empantanado com a Rússia, mas também gerou um conflito inédito entre Washington e Londres para determinar quem ficará com o botim das terras raras (Marco del Pont, 2025b).
Mais definidoras são as negociações com os parceiros-subordinados da Ásia. Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Filipinas sempre responderam com disciplina inabalável ao padrinho americano. Contudo, a grande novidade dos últimos anos é a crescente relação econômica desses países com Pequim. Pela magnitude desses negócios, surgiram sérias dúvidas sobre o bloco anti-chinês promovido pela Casa Branca.
Trump tem se utilizado de mensagens imperiais explícitas para reforçar suas exigências. Ele adota um vocabulário tão direto que o início de seu segundo mandato provocou inúmeros apontamentos da imprensa sobre essa marca. A tradicional resistência dos grandes meios de comunicação ao uso irritante do termo imperialismo foi superada pela frontalidade do magnata.
A mesma exibição de poder imperial envolveu o anúncio da tabela de tarifas. Trump incluiu pomposamente nesse rol todos os países do mundo para enfatizar que nenhum escaparia do chicote de Washington. Não hesitou em inserir na lista países que não fazem comércio com os Estados Unidos ou até mesmo incluir ilhas habitadas apenas por pinguins. Porém, as proclamações imperiais do opulento neoyorkino contêm mais ingredientes nostálgicos do que eficazes. Trump anseia pela obra de governantes distantes, que combinaram protecionismo com expansão imperial durante a glória do capitalismo dos Estados Unidos.
Ele exalta com particular ênfase o presidente McKinley (1897-1901), que se destacou como um "Napoleão do Protecionismo". McKinley implementou um aumento drástico de 38-50% nas tarifas (1890), enquanto comandava a expansão para o Pacífico (Havai, Filipinas, Guam) e a conquista do Caribe (Porto Rico e a ambição de Cuba). Trump idolatra tanto sua defesa virulenta da indústria quanto a extensão do domínio territorial dos Estados Unidos à base de tiros (Borón, 2025).
Porém, essa evocação esbarra na realidade do século XXI. O magnata não pode implementar o protecionismo invasor de seu ídolo e optou por combinar pressão tarifária com cautela militar. Ao invés de retomar as intervenções do Pentágono em todos os lugares, ele modera o impulso invasor para conter o desgaste da competitividade econômica dos EUA.
Em um surto de realismo, Trump percebeu o fracasso bélico de Bush e a reversão econômica de Biden. Por isso, ele tenta uma terceira via de moderação militar e reformulação monetária-comercial. Sabe que a capacidade ofensiva dos Estados Unidos está dramaticamente limitada por uma economia que detém 25% do PIB mundial (e não mais 50% como em 1945), frente aos 18% da China.
Trump exagera o vocabulário intervencionista frente aos adversários externos. Assim como seus predecessores contemporâneos, ele precisa contrabalançar o declínio econômico com grande exibição do poder geopolítico e militar que ainda preserva seu país. Contudo, o magnata sabe que a compensação bélica das falências econômicas agrava as tensões entre os setores militaristas e produtivistas do establishment. Os belicistas geralmente propõem campanhas destrutivas a qualquer custo, que afetam o orçamento estatal e prejudicam a competitividade das empresas.
Trump navega entre esses dois setores, fortalecendo o renascimento da economia com fórmulas protecionistas. Fomenta os gastos com armamentos, mas limita as guerras e tenta conter o efeito negativo do gigantismo militar sobre a produtividade. A hipertrofia militar imposta pelo Pentágono é uma doença incurável que a economia dos Estados Unidos arrasta há muito tempo e que o magnata não pode atenuar.
Tensiones locais
As contradições internas que afetam o projeto protecionista apresentam o mesmo alcance das tensões externas. Elas envolvem um efeito inflacionário como ameaça mais imediata. As tarifas aumentarão os preços das mercadorias pela simples introdução de um custo adicional aos produtos importados.
Esse efeito será importante, tanto nos alimentos básicos quanto nos produtos elaborados. O México, por exemplo, fornece mais de 60% dos nutrientes frescos e estima-se que uma tarifa de 25% sobre os automóveis fabricados nesse país (ou no Canadá) aumentaria o preço final de cada unidade em 3.000 dólares. Recentemente, Trump celebrou a relocalização decidida pela Honda para fabricar o novo modelo Civic em Indiana, em vez de Guanajuato. Contudo, essa mudança aumentaria o custo médio de cada automóvel entre 3.000 e 10.000 dólares (Cason; Brooks, 2025).
É verdade que a inflação também poderia ajudar a reduzir o valor real da dívida, mas seu impacto revulsivo sobre a economia como um todo seria muito superior a essa redução do passivo.
Todos os analistas concordam em apontar o efeito recessivo da virada protecionista, que poderia provocar uma contração de 1,5 ou 2 pontos percentuais no PIB. A retração do nível de atividade, que estava fora das previsões econômicas, irrompeu como uma grande probabilidade imediata.
Essa perspectiva tensiona as relações de Trump com o Federal Reserve, que resiste à redução das taxas de juros. O magnata propõe essa diminuição para combater a provável queda da produção, do consumo e do emprego. O colapso dos mercados, que foi desencadeado pelo anúncio de sua tabela de tarifas protecionistas, agravou esse cenário sombrio e as disputas subsequentes entre o presidente e a liderança do FED.
Trump mantém, ainda, a batalha com os setores globalistas, que defendem os interesses das empresas e bancos mais internacionalizados. A elite de Davos está desacreditada pelos seus fracassos, mas espera pela oportunidade de retomar a ofensiva. Se os resultados da virada protecionista forem negativos, esse contragolpe surgirá com força e colocará os Democratas na disputa para as eleições de meio de mandato de 2026.
O chefe da Casa Branca cercou-se de empresários em ascensão (tubarões), que litigam com seus pares do espectro tradicional (falcões). O establishment deu sinal verde ao seu projeto, mas esperava tarifas moderadas e comportamentos mais próximos da cautela do primeiro mandato. A convulsão em curso os induziu a exigir um freio na investida presidencial. Os bilionários estão irritados com a forte redução de seu patrimônio, provocada pelo descalabro dos mercados.
As tensões se estendem ao próprio círculo do magnata, que precisa arbitrar entre os protecionistas extremos (como Navarro) e os funcionários com investimentos no exterior (como Musk). O próprio plano de controles tarifários leva, ainda, a introduzir uma complexa teia de regulamentações, o que entra em conflito com o desmantelamento burocrático prometido pela nova administração (Malacalza, 2025). Os incontáveis conflitos que Trump enfrenta superam amplamente o número daqueles que pode resolver.
Bonapartismo imperial
A investida externa conflitante, a ausência de resultados imediatos, a forte oposição dos globalistas e a frágil coesão interna induzem Trump a reforçar o autoritarismo de sua gestão. Por isso, ele tentará novamente seguir o curso bonapartista que explorou sem sucesso em seu primeiro mandato. Ele também precisa reforçar o poder da Casa Branca para lidar com a retração de investimentos dos capitalistas norte-americanos.
Trump vem do duro universo empresarial e está habituado a negociar batendo a mesa para obter vantagens do adversário. Esse comportamento o distingue de seus pares do sistema político, que são forjados em negociações, conchavos e hipocrisias verbais.
Para afirmar sua posição de liderança, ele se embrenha em hiperatividade e se destaca como signatário diário de incontáveis decretos. Ele busca centralizar o comando para desconcertar os opositores e prioriza a lealdade em relação a qualquer outro atributo de seus funcionários.
O magnata testa sua faceta bonapartista na tradição americana do líder carismático. Tenta assumir um papel messiânico como intérprete da nação, estigmatizando os migrantes e denegrindo o progressismo. Com esse personalismo extremo, busca reforçar uma imagem de homem predestinado a concretizar o reencontro com o "sonho americano". Mas esse caminho exacerba as tensões com o establishment globalista, que controla os meios de comunicação mais influentes (Wisniewski, 2025).
Trump irrompe no vácuo deixado pelo desprestígio dos políticos tradicionais. Ele se beneficia do clima criado pelo rejeição aos acordos políticos obscuros e utiliza as prerrogativas do presidencialismo para fortalecer sua figura (Riley, 2018).
Desenvolve uma retórica próxima da vertente conservadora, que exacerba a oposição cultural dos Estados Unidos com o resto do mundo. Em confronto com a tradição assimilacionista, rejeita a imigração latina e exalta a língua inglesa. Enaltece os ideais anglo-protestantes do individualismo e da ética do trabalho, desprezando a tradição hispânica, que ele associa à preguiça e à falta de ambição.
O discurso trumpista retoma o legado protecionista (Hamilton) e patriótico (Jefferson), que privilegia a prosperidade interna (Jackson). Ele disputa com o liberalismo cosmopolita (Wilson), que associa esse bem-estar à abertura ao exterior (Anzelini, 2025).
Com essa perspectiva, Trump regenera os postulados dos soberanistas, que tradicionalmente priorizaram o racismo e o anticomunismo na definição das alianças externas. A simpatia dessa vertente americanista pelo nazismo incluiu no passado a afinidade com o Ku Klux Klan e o Apartheid sul-africano. Essa herança é atualmente retomada por Elon Musk, e com essa abordagem, o trumpismo intensifica as campanhas contra o perfil multiétnico, multirracial e multicultural do Partido Democrata.
A corrente liderada pelo magnata expressa uma variante etnocêntrica do imperialismo americano, tão distante do neoconservadorismo republicano quanto do cosmopolitismo democrata. Ela ressalta os aspectos identitários da ideologia americana e exalta o patriotismo reacionário como o componente central de sua crença. Mas com essa adesão ideológica, participa do mesmo conglomerado imperialista que as outras duas vertentes.
Bush, Biden e Trump formam três modalidades do mesmo imperialismo que sustenta o capitalismo dos Estados Unidos. As diferentes modalidades dessa dominação constituem variações internas de um mesmo bloco. O imperialismo é uma necessidade sistêmica do capitalismo, funcionando ao confiscar os recursos da periferia, deslocar os competidores e sufocar as rebeliões populares. Trump governa com esses parâmetros, e sua crueldade expõe essa filiação.
Trajetórias, ambições e resistências
É correto classificar Trump como um capitalista-lumpen no sentido que Marx atribuiu aos especuladores financeiros da alta classe, envolvidos em fraudes e enganações. A trajetória do magnata é marcada por uma série de estelionatos, evasões fiscais, falências forçadas, relações com a máfia e lavagem de dinheiro que têm sido constantes ao longo de sua carreira empresarial. Ele se cercou de figuras de perfil semelhante, com antecedentes pesados no mundo das finanças obscuras (Farber, 2018).
No entanto, esse caminho pessoal não caracteriza seu primeiro governo, nem define o atual. Trump age como representante de setores capitalistas muito influentes e lidera uma administração apoiada por uma coalizão de grupos empresariais americanistas, incluindo empresas tecnológicas que se distanciaram do globalismo. Ele conta com o apoio de setores-chave, como a indústria siderúrgica, o complexo industrial-militar, a facção conservadora do poder financeiro e empresas focadas no mercado interno, que foram prejudicadas pela concorrência chinesa (Merino; Morgenfeld; Aparicio, 2023: 21-78).
Trump conseguiu seu mandato atual com o apoio de uma plutocracia digital, que abandonou suas preferências pelos Democratas. As cinco grandes empresas de tecnologia formam hoje o setor dominante do capitalismo americano, que precisa da agressividade de Trump para competir com os rivais asiáticos.
O significado do novo poder político que os milionários digitais obtiveram ao lado de Trump é mais controverso. Esses grupos já mantêm o público cativo através de suas redes, e seus algoritmos lhes permitem expandir sua lucrativa intermediação em publicidade e vendas. Agora, tentam expandir esse poder para uma escala maior, assumindo o controle direto de várias áreas do governo.
Esses grupos formam poderosos oligopólios que alguns críticos chamam de "tecnofeudais", em referência à concentração de poder e riqueza que esses gigantes tecnológicos detêm (Durand, 2025). No entanto, outros discordam dessa denominação, argumentando que ela dilui o caráter capitalista de empresas que estão claramente inseridas nos circuitos de acumulação econômica. Seu domínio tecnológico lhes permite aproveitar a mais-valia extraordinária que extraem do sistema. Eles não operam no campo das rendas naturais nem obtêm lucros através de coerção extraeconômica (Morozov, 2023).
Ambas as perspectivas concordam que esses atores conseguiram um controle sem precedentes sobre a vida social, e agora buscam moldar o poder político em seu favor. Apoiados por Trump, procuram neutralizar qualquer tentativa de regulação estatal sobre suas redes. A plutocracia digital está agora diretamente envolvida na gestão do aparato estatal para ajustar a atividade política a seus interesses. Alguns analistas utilizam o conceito de capitalismo político para descrever esse processo, observando o surgimento de um novo regime de acumulação que depende fortemente do poder político, o qual define os beneficiários com mais discricionariedade fiscal do que no passado. Nesse contexto, o trumpismo pode ser o principal motor dessas transformações no topo do capitalismo (Riley; Brenner, 2023).
No entanto, a deriva autoritária de Trump também gerou resistências nas ruas. Sob o lema "Tire suas mãos", 150 organizações promoveram uma protesto massivo e bem-sucedido em mil cidades. Esse movimento começou a reviver a resposta de base que Trump enfrentou em seu primeiro mandato, embora com menor intensidade no início de seu retorno ao poder. Em grandes atos posteriores, o repúdio a Trump e aos oligarcas que o cercam se tornou mais evidente.
As marchas canalizam o descontentamento com o corte de direitos democráticos impulsionado pelo presidente. Se a erosão da legitimidade interna de Trump se alinhar com a crescente resistência global, abrir-se-ão as portas para um grande confronto contra seu governo. Dessa convergência, pode surgir uma alternativa que comece a substituir a opressão imperial por uma visão mais solidária, baseada na fraternidade dos povos.