Daniel Noboa, outro aliado de Trump na América Latina

Via Jacobin AL

Tradução: Equipe Radar Internacional

A vitória de Daniel Noboa nas eleições do Equador reflete a influência renovada do trumpismo na América Latina, onde uma direita autoritária se aproveita da insegurança para consolidar seu poder.

O Conselho Nacional Eleitoral do Equador anunciou no domingo os resultados do segundo turno eleitoral para o período presidencial 2025-2029. O atual presidente, Daniel Noboa, saiu vitorioso com 55% dos votos, enquanto sua oponente, Luisa González, ficou para trás com 44% dos votos. González declarou imediatamente que havia ocorrido uma fraude eleitoral, alegando uma série de irregularidades, entre elas a declaração por Noboa de um “estado de exceção” em sete províncias estratégicas dois dias antes das eleições. Agora o mundo se pergunta: Que cenários se vislumbram no Equador diante da crescente polarização política do país?


Há duas semanas, durante a reta final da campanha para o segundo turno, o presidente estadunidense Donald Trump recebeu uma visita particular de Daniel Noboa em Mar-a-Lago. Embora os detalhes desta reunião não tenham se tornado públicos, Noboa parece ter recebido “luz verde” para acelerar a deriva autoritária do país. Logo depois desta reunião, uma série de ações do governo de Noboa evidenciaram esse giro. Embora Trump nao tenha chegado a respaldar explicitamente Noboa, a misteriosa reuniao simbolizou a adoçao por parte de Noboa do “Trump Way”: um estilo “populista de direita” que se baseia na chantagem como ferramenta central. Noboa saiu da reunião prometendo que os Estados Unidos excluiriam os equatorianos das listas de deportação massiva - algo que Washington nunca confirmou - , uma questão crítica para um país em que parcelas significativas da população recebem remessas do estrangeiro, especialmente dos Estados Unidos.


A ameaça de deportações massivas foi instrumentalizada para influenciar o voto. Noboa explorou o medo de que os emigrantes equatorianos acabassem em centros de detenção como Guantanamo ou em prisões de El Salvador, colocando assim em perigo o crucial fluxo de remessas. Essa chantagem, embora sutil, tocou uma fibra sensível: Equador foi produtor de emigrantes durante décadas, sendo os Estados Unidos o destino mais buscado.


No primeiro turno em 9 de fevereiro, Noboa foi surpreendido por um “empate técnico” com Gonzalez, a candidata do partido Revolução Cidadã (RC). Nas semanas seguintes, Gonzalez obteve um respaldo sem precedentes do movimento indigena Pachakutik, que havia alcançado 5% dos votos no primeiro turno e que historicamente foi oposição a RC. Diante da crescente pressão, Noboa necessitava dar um giro na campanha. Para isso, teria que colocar mais “brasa na churrasqueira”, o que significava oferecer respostas espetaculares à principal preocupação dos equatorianos: a violência criminal.


Depois de obter menos votos que Gonzales no primeiro turno, a primeira coisa que Noboa fez foi contratar Erik Prince, fundador da polêmica empresa de mercenários Blackwater. Prince, que chegou no Equador no começo de abril, interferiu diretamente na campanha eleitoral, desatando uma ofensiva midiática contra Gonzalez.


Dois dias antes do segundo turno do domingo, Noboa decretou um “estado de exceção” de sessenta dias em sete das vinte e quatro províncias do país, assim como no distrito metropolitano de Quito. Todos esses territórios são estratégicos no terreno eleitoral, incluindo os distritos que apoiam a RC. O decreto outorgou maiores poderes aos militares, suspendeu o direito de livre reunião e autorizou mandados de busca sem ordem judicial. Além disso, Noboa retirou o dispositivo de segurança pública de Gonzalez um dia antes do segundo turno eleitoral, uma medida amplamente interpretada como uma tática de intimidação política em um país em que vem aumentando a violência contra figuras políticas. Em 2023, o candidato presidencial Fernando Villavicencio foi assassinado apenas duas semanas antes das eleições; o mesmo ocorreu com dezenas de prefeitos e parlamentares ao longo dos últimos cinco anos.


Um projeto conservador com ambições a longo prazo


Filho do homem mais rico do Equador, Noboa foi inesperadamente eleito por setores conservadores no primeiro turno das eleições de 2023, depois que o ex-presidente Guillermo Lasso abriu o cenário das eleições antecipadas através de um mecanismo constitucional chamado morte cruzada. agora Noboa se posicionou para seguir no cargo até 2033 se conseguir garantir sua reeleição em 2029.


Noboa representa uma oportunidade de estabilidade para uma direita que, até agora, não conseguiu consolidar sua posição. Isso ocorre depois dos efémeros governos de Lenin Moreno (2017-2021), que rompeu com o partido do ex-presidente Rafael Correa, mas teve um governo frágil, e de Lasso (2021-2023), que se viu obrigado a convocar eleições antecipadas depois de uma série de protestos e ameaças de destituição. Noboa completa agora o mandato inconcluso de Lasso. Segundo um veredicto constitucional de 2010, quando um chefe de Estado completa o mandato de seu predecessor depois da aplicação da morte cruzada, esse período não conta para os limites constitucionais do mandato. Isso significa que Noboa poderá ser reeleito em 2029.


Para isso, Noboa está cotejando o apoio de Washington, oferecendo duas bases militares estrategicamente localizadas: em Manta e nas ilhas Galápagos. A proposta de reabrir a base de Manta reavivou uma antiga disputa entre os Estados Unidos e o governo de Correa, que expulsou os militares estadunidenses da zona em 2009. Enquanto isso, as ilhas Galápagos, situadas mar adentro no oceano Pacifico, encontram-se próximas da rota comercial China-Peru, impulsionada pelo megaporto chines de Chancay, no norte de Lima, inaugurado pelo presidente chines, Xi Jinping, em novembro de 2024.

Em meio a um clima de violência generalizada, e com o pretexto de combater os grupos de narcotraficantes - que converteram o Equador, um país que havia se mantido relativamente imune aos estragos do narcotráfico, diferentemente de seus vizinhos Colômbia e Peru, em um cenário de violência sem precedentes - Noboa impulsiona medidas excepcionais que também buscam neutralizar seus rivais políticos. Basta recordar a incursão do governo de Noboa na embaixada do México em Quito em 2024 para prender o ex vice-presidente correista Jorge Glass, o que desencadeou uma ruptura diplomática com o México que segue sem se resolver. Noboa dissemina estrategicamente a linha entre a luta contra o narcotráfico e o ataque a seus oponentes políticos, uma tática que, agora que se anunciaram os resultados oficiais, poderá ser aplicada com maior vigor. Dada a negativa do partido RC a reconhecer os resultados, parece provável uma maior escalada do conflito político.

A RC rechaça os resultados


Na segunda-feira após o segundo turno, Gonzalez denunciou frade, se negou a reconhecer o resultado, pediu recontagem dos votos e chamou o presidente de “ditador”. A RC é um partido majoritário na Assembleia Nacional e tem um número significativo de governos de províncias (nove de vinte e três) e de prefeituras (50 de 221). O maior objetivo de Gonzalez agora é manter o partido, já que vários dirigentes da RC que a reconhecem como sua candidata, optaram por reconhecer os resultados.


Nas vésperas da votação, Gonzalez estabeleceu uma aliança sem precedentes com um velho adversário: o poderoso movimento indigena, uma força política cujas mobilizações massivas derrubaram governos no passado (como o de Jamil Mahuad em 2000 e o de Lucio Gutierrez em 2005) e levaram outros, como o de Lenin Moreno (2017-2021), a beira do colapso. Em outubro de 2019, Moreno se viu obrigado a mudar a sede do governo em meio a protestos massivos. O mesmo ocorreu com o governo de Lasso, que finalmente convocou eleições antecipadas por condições de ingovernabilidade.


Para a direita equatoriana, esses episódios representaram tentativas falidas de consolidar um governo a longo prazo. Agora esperam de Noboa um projeto conservador duradouro, que seja capaz de resistir às inevitáveis ondas de protesto que surgirao dos setores progressistas em resposta a sua agenda neoliberal e repressiva. Os movimentos sociais - especialmente a Confederação de Nações Indígenas do Equador (CONAIE) - denunciaram em um comunicado difundido na quarta-feira nas eleições os planos de Noboa para um duro ajuste econômico e a expansão de projetos mineradores em grande escala.


Essa coalizão entre correismo e movimento indigena poderia desencadear uma crise política de grandes proporções se decidir desafiar abertamente o governo, como antecipou Gonzalez desde a noite do segundo turno. Tudo isso aponta para um novo e volátil capítulo na política equatoriana, justo quando Noboa busca impor medidas econômicas e geopolíticas já impugnadas, incluindo a construção de bases militares estrangeiras, a ampliação de concessões a mineradoras e associações com empresas mercenárias.


O que vai acontecer no Equador?


O resultado do domingo fortalece o projeto conservador e autoritário de Noboa, oferecendo à direita uma rara oportunidade de estabilidade depois de décadas de luta por manter o poder mais além de mandatos isolados e repletos de crises.


Independentemente de as acusações de fraude ganharem tração, o que está claro é que o Equador se converteu na primeira peça de dominó que cai na região sob a renovada influência do trumpismo na América Latina. O retorno de Trump à Casa Branca conseguiu encorajar as táticas repressivas e legitimar a chantagem política, e é provável que afete as próximas eleições em toda a região.


O Equador se perfila agora como um laboratório regional de aproximação ao estilo político de Trump: a política do espetáculo (exemplificada no referendo de “mão dura” de maio de 2024) e as alianças com atores controvertidos como Erik Prince. Embora não haja provas de fraude massiva, os resultados eleitorais revelam como o trumpismo pode influenciar nos processos democráticos.


Segundo suas promessas de campanha, o passo seguinte de Noboa será provavelmente reformar a Constituição de 2008, redigida durante o governo de Correia, o que provavelmente provocará enfrentamentos. O presidente já articulou planos para autorizar bases militares estrangeiras no país - expressamente proibidas pela constituição atual - e endurecer as penas criminais.


Mas a resistência já está se aglutinando. No fim de março, a RC e a CONAIE declararam sua oposiçao a mudanças constitucionais que “restrinjam os direitos da natureza ou que vulnerabilizem as conquistas sociais dos povos indigenas, negros cholos e montuvios”. Os movimentos temem que se erradique o caráter plurinacional e intercultural da atual Constituição.


A questão que se coloca é se essas forças colidirão violentamente ou se forçarão uma tensa coexistência. Enquanto isso, o Equador navega por águas turbulentas: entre a sombra de um novo autoritarismo e a memória de seu poderoso movimento social.

OCIEL ALÍ LÓPEZ

Ociel Alí López é sociólogo, analista político e professor da Universidade Central da Venezuela. Ganhou a bolsa internacional Clacso/Asdi para jovens pesquisadores (2004) y o Prêmio Municipal de Literatura de Caracas em 2015.