Ainda sobre as eleições do Equador, algumas reflexões

Por Fernando Silva, jornalista, membro fundador do PSOL e militante da Insurgência, corrente interna do PSOL

Imagem: Reprodução Brasil de Fato


No último dia 23 de abril, Daniel Noboa venceu o 2 º turno das eleições equatorianas derrotando a candidata oposicionista Luiza Gonzáles. Embora a OEA e a União Europeia tenham reconhecido a vitória de Noboa, a oposição não reconheceu o resultado alegando fraude eleitoral e recorreu formalmente do resultado no último dia 2 de maio.

Como mínimo podemos afirmar que houve uma brutal interferência do governo e do Estado para manipular e influenciar o resultado das eleições. Entre tantas medidas, Noboa decretou estado de exceção um dia antes das eleições. A oposição alega que há irregularidade em milhares de atas eleitorais, os resultados divulgados destoam em mais de 10% de todas as pesquisas divulgadas na semana do pleito.

Independente do resultado do recurso da oposição, as eleições equatorianas merecem algumas reflexões sobre a situação política no nosso continente após a vitória de Donald Trump nos EUA. Afinal, foi a primeira eleição importante ocorrida na América Latina após a vitória do neofascista nos EUA.

Como sabemos, Noboa fez uma inflexão ainda mais a direita aproximando-se da extrema direita, tornando-se mais um governo alinhado às ideias reacionárias e da extrema direita no continente, tais como o argentino Javier Milei e o salvadorenho Nayib Bukele.

Mas a primeira reflexão a ser considerada é que o grau de interferência estadunidense e manobras eleitorais das facções nacionais da extrema direita devem se intensificar daqui para frente nos processos eleitorais em nosso continente. Não custa lembrar das inúmeras denúncias da presença de mercenários estado-unidenses “ajudando” as forças de segurança equatorianas na semana das eleições. Nem bem foi declarado vencedor das eleições, Noboa foi aos Estados Unidos.

Em 2022, no processo eleitoral em nosso país já presenciamos um ensaio dessa política fascista de buscar manipular, melar as eleições e depois tentar dar um golpe após a derrota eleitoral.

Mas a partir da presença de Trump na Casa Branca, devemos nos preparar para esse novo normal nos processos eleitorais em nosso continente, com o elemento qualitativo da interferência do imperialismo nos processos, mesmo onde essa direita não estiver no governo podendo usar a máquina de Estado. Mesmo onde for oposição será comum vermos pressões e mentiras, montanhas de fake News, manobras, sabotagens, tentativas de golpe, tudo o que for possível para interferir ou mudar processos e resultados nas eleições.


A “retomada do quintal” e a guerra comercial

Três dias antes do 2º turno das eleições no Equador, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth em relação à América Latina declarou: “vamos retomar o nosso quintal”. Não se trata de bravata. Pois há outros elementos que vão pesar na geopolítica continental. A intensificação da guerra comercial EUA-China, que será um traço constitutivo desta etapa histórica, vai ter efeitos práticos de toda ordem, incluindo nas disputas político-eleitorais.

As transações comerciais chinesas avançaram sobremaneira em nosso continente nas duas últimas décadas. Para ser mais exato aumentaram 300%! A China é o principal parceiro comercial do Brasil, recentemente o presidente da China esteve presente na inauguração do megacomplexo portuário Chancay, na costa peruana, bancado por investimentos da companhia marítima Estatal chinesa. Os impactos serão gigantescos nas relações comerciais China-América Latina, pois é uma rota direta pelo pacífico.

Mas essa batalha pelo “velho quintal” não será feita apenas por guerra de tarifas e manobras comerciais. Ainda que Trump tenha respondido ao megaporto peruano com a ideia de retomar e controlar o canal do Panamá, ameaçando de cara com uma enorme sobretaxação de produtos chineses que por lá passam, devemos entender como o mais importante da declaração do Secretário de Estado a busca por retomar a influência e dominância política na região, mas agora sob a direção de ideias e métodos da extrema direita e da enorme influência que uma potência como os EUA por exercer com todo tipo de recursos.

Em resumo, a guerra comercial EUA-China vai intensificar a disputa geopolítica e a sanha do imperialismo estadunidense na América Latina


Processos eleitorais e mobilizações

Este ano ainda teremos importantes eleições em nosso continente: eleições presidenciais no Chile, Bolívia, Honduras e legislativas na Argentina. O que deve balizar nosso posicionamento, respeitando as particularidades de cada país, é a luta para derrotar a extrema direita e a nova política intervencionista dos EUA que está no pacote do governo Trump.

Mas de modo algum devemos nos fiar apenas nos processos eleitorais, nem nos fiarmos que os fascistas respeitarão os resultados e as próprias instituições da democracia burguesa.

Desde o ensaio brasileiro em 2022-2023 sabemos que a tônica não será mais essa, pois mesmo que percam eleições, haverá ameaças de golpes pela extrema direita, sabotagens e até mesmo sanções e pressões do imperialismo estado-unidense para tentar desestabilizar governos democraticamente eleitos que não forem da extrema direita ou muito alinhados com os interesses dos EUA.

É preciso buscar construir mobilizações, processos a quente, trazer os movimentos sociais às ruas, ganhar a maioria dos povos no continente, construir grandes diques de resistência à ofensiva reacionária. Pois é possível e necessário abrir um leque de táticas eleitorais para derrotar nas urnas a extrema direita, mas o que será estratégico é a mobilização unitária, independente para ganhar a maioria dos povos, das classes trabalhadoras, disputar suas consciências.

Vamos sim disputar processos eleitorais e denunciar todas as formas de interferência, é importante derrotar a extrema direita nas urnas. Mas nessa etapa o neofascismo sob a batuta do trumpismo não irá sair do jogo pela via institucional. A construção de processos permanentes de organização e mobilização é o que poderá derrotar estrategicamente o fascismo, começando por ajudar a garantir até mesmo os mínimos processos eleitorais democráticos.