Por Carlos Bocuhy, em O Eco
“Petro-estados” como Azerbaijão sediam Cúpula – que deveria priorizar, justamente, a redução de combustíveis fósseis. Movimentos denunciam “teatros de relações públicas” enquanto, nos bastidores, petrolíferas agem contra iniciativas de transição energética.
O Azerbaijão é um pequeno petro-Estado. Foi escolhido para sediar a Conferência das Partes da ONU (COP29), que começa hoje (11 de novembro) em Baku, por dois motivos: pelo veto da Rússia a qualquer país da União Europeia, em função da guerra da Ucrânia, e por ter negociado com o outro candidato, a Armênia, o privilégio de sediar a conferência.
Para tanto libertou 32 militares armênios da prisão. Em troca a Armênia libertou dois soldados do Azerbaijão e retirou imediatamente sua candidatura. Assim Baku, por processo de eliminação que ocorreu em contexto no mínimo insólito, alheio aos interesses dos demais países progressistas, veio a sediar a COP por processo de eliminação.
Uma situação como esta já prenunciava desastre. Uma gravação de câmera escondida mostrou o diretor executivo da COP29 do Azerbaijão, Elnur Soltanov, discutindo “oportunidades de investimento” na empresa estatal de petróleo e gás com um potencial investidor. “Temos muitos campos de gás que devem ser explorados”, disse.
Além de ser o diretor executivo da COP29, Soltanov também é vice-ministro de Energia do Azerbaijão e está no board da estatal de petróleo do país, a Socar.
A COP28, realizada em 2023 em Dubai, Emirados Árabes, também demonstrou planos de bastidores para discutir acordos de ampliação para extração de petróleo.
Estamos revivendo, nas COPs do petróleo, a velha fábula da raposa no galinheiro. As raposas do petróleo na COP28 pretendiam ampliar sua articulação com pelo menos 28 países, visando estimular a matriz do petróleo, enquanto sediavam uma conferência climática cujo objetivo era discutir prioritariamente a eliminação dos combustíveis fósseis.
A teatralidade das seguidas COPs nos reinos e ditaduras do petróleo, Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, está se tornando evidente, abrigando enormes conflitos de interesse. Na abertura da COP29 do Azerbaijão os combustíveis fósseis sequer foram citados.
No ano passado a COP28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, foi palco de um desfile de riquezas e interesses dos Estados petrolíferos. A conferência incluiu milhares de lobistas de petróleo e gás; seu presidente era um executivo da empresa nacional de petróleo dos Emirados Árabes Unidos, a ADNOC. O presidente da COP de Baku, ministro da Ecologia e Recursos Naturais do Azerbaijão, também é ex-executivo de sua empresa petrolífera, a Socar.
Os delegados do mundo estão reunidos em Baku, no Azerbaijão, para a reunião anual mais importante sobre mudança climática, com vista para um lago poluído pelos campos de petróleo. Quase metade do PIB do Azerbaijão e mais de 90% de sua receita de exportação vêm de petróleo e gás. É, em termos inequívocos, um petro-Estado.
Para Steve Pye, professor de sistemas de energia da University College London, ter um petro-Estado sediando uma reunião climática apresenta um conflito de interesses inequívoco. O país deixou claro que está procurando aumentar as exportações de gás e não deu “nenhuma indicação” de que deseja se afastar da dependência de combustíveis fósseis. Essa é uma postura estranha para a entidade encarregada de facilitar a delicada diplomacia climática.
A COP também dá ao Azerbaijão a chance de lavar sua imagem. Depois que a Armênia retirou sua candidatura, o Azerbaijão classificou isso como uma “COP de paz”, propondo um cessar-fogo mundial para os dias antes, durante e depois da reunião. Um exército de bots foi implantado na rede social X para elogiar o Azerbaijão pouco antes das negociações, informou o The Washington Post.
Ronald Grigor Suny, professor emérito de história da Universidade de Michigan que escreveu extensivamente sobre o Azerbaijão, disse que vê o exercício de hospedagem do país como uma elaborada campanha de propaganda para higienizar a imagem de uma nação fundamentalmente autoritária e comprometida com o petróleo – um lugar que no ano passado conduziu o que muitos estudiosos jurídicos e de direitos humanos consideraram uma limpeza étnica em um de seus enclaves armênios.
“Esta é uma encenação de um evento para impressionar as pessoas pela normalidade, aceitabilidade, modernidade deste pequeno Estado”, disse ele. Mas a esperança de qualquer iniciativa relacionada à paz, incluindo um acordo de paz com a Armênia, já está diminuindo.
Especialistas em clima e geopolítica chamaram a coisa toda de um golpe cínico de relações públicas, e a Anistia Internacional relata que os defensores dos direitos humanos do Azerbaijão estimam manter centenas de acadêmicos e ativistas na prisão. Foram detidos mais de cem críticos desde que a presidência da COP foi anunciada.
Como anfitrião este ano, o trabalho do Azerbaijão será intermediar um acordo que garanta bilhões – possivelmente trilhões – de dólares de países ricos para ajudar na transição verde nos países mais pobres. As nações em desenvolvimento precisam desses fundos para estabelecer metas climáticas ambiciosas, cuja próxima rodada deve ser concluída em fevereiro de 2025. Um fracasso trará duras consequências e uma reação em cadeia que levará anos para ser reparada.
Joanna Depledge, pesquisadora da Universidade de Cambridge e especialista em negociações climáticas internacionais, acompanhou todos os 29 anos da COP até agora e afirma que o Azerbaijão “está praticamente fora do radar desde o início”. O país quase nunca falou durante as negociações anteriores e não faz parte de nenhuma das principais coalizões políticas da COP, disse ela.
O Acordo de Paris exige que, a cada cinco anos, cada país estabeleça como reduzirá as emissões em um plano de Contribuição Nacionalmente Determinada. O Azerbaijão é “um dos poucos países cuja segunda NDC foi mais fraca do que a primeira”, disse Depledge.
Como pudemos chegar a esse ponto? O mundo está apostando que um país que mostrou um mínimo de compromisso com todo esse processo poderia liderar o caminho para evitar um aquecimento catastrófico?
Mesmo que esta COP29 termine com sucesso, Steve Pye, que trabalhou no Relatório sobre a Lacuna de Produção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, observa que, sem acompanhamento, o que acontece na conferência é apenas da boca para fora. Uma vez que os holofotes da COP foram desligados, os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, voltaram mais ou menos aos negócios como de costume e neste ano a estatal petrolífera aumentou sua capacidade de produção.
É evidente que a atuação ambientalmente equivocada norte-americana, com a vitória de Donald Trump, deverá ofuscar questões mais estruturais referentes às conferências climáticas. Mas é preciso repensar os critérios para escolha dos países sede, com base em uma avaliação sobre os impactos em liderança com conflitos de interesse explícitos. Sem alimentar restrições a qualquer nação e sua soberania, trata-se de fazer valer regramentos basilares e universais para a isonomia da administração pública estatal, consolidados internamente pela maciça maioria dos países membros da ONU.