Frente Ampla disputa segundo turno voto a voto com candidato da direita

Por Eugênio Bortolon

Cenário é de indefinição e Mujica quer encerrar carreira política com vitória do seu partido.

O presidente uruguaio Luis Lacalle Pou saudou a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos. Disse hoje (6) que isso poderá impulsionar a candidatura do Partido Nacional de centro-direita no segundo turno das eleições marcadas para o dia 24 de novembro. A soma dos votos de outros candidatos no primeiro turno ultrapassa os números de Yamandú Orsi, da Frente Ampla. Praticamente todos os derrotados estão alinhados com Álvaro Delgado, do Partido Nacional.

O cenário está indefinido. Não há pesquisas oficiais ainda. Os jornais uruguaios conjecturam uma disputa parelha, voto a voto. José Pepe Mujica, o grande líder e maior nome da Frente Ampla, segue otimista com Yamandú e voltou a afirmar que espera uma vitória, a última da sua vida política. “Estou com 89 anos, com câncer, talvez seja o meu último voto”, afirmou há poucos dias.

Yamandú teve 43,94% do total de votos no primeiro turno. Álvaro Delgado, do Partido Nacional, apoiado pelo atual governo, teve 26,77%. Em terceiro lugar, ficou o candidato do Partido Colorado, Andrés Ojeda, com 16,03%. Os demais oito candidatos presidenciais somaram 8,3% dos votos – e é aqui neste percentual que mora o perigo para o frenteamplista. Dos 2,5 milhões de eleitores uruguaios, houve presença nas urnas de 88% dos inscritos. Abstenção baixíssima.

Em 2019, a frente de centro-esquerda teve 39,01% dos votos no primeiro turno. Ou seja, houve um crescimento de quase cinco pontos percentuais neste ano. No Parlamento, a Frente Ampla conseguiu maioria simples no Senado, mas ainda depende da votação no segundo turno para consolidar essa maioria. Na Câmara dos Deputados, nenhum dos dois principais blocos conseguiu a maioria.

A movimentação para o segundo turno segue intensa. As redes sociais seguem a mil, com fartas notícias falsas, mas não há nenhum clima desesperador ou de ameaças perigosas. O Uruguai se consolida, a cada pleito, descontando os períodos militares e ditatoriais, como a mais sólida e consistente democracia sul-americana. O doutor em ciência política e professor de relações internacionais Bruno Lima Rocha Beaklini, carioca com formação na UFRGS, acha que há grande chance dos votos de direita superaram os da Frente Ampla no segundo turno.

“Se fossem 47% ou 48% no primeiro turno, a Frente Ampla ganharia tranquilamente agora, mas os indicativos não estão tranquilos”, disse ele, que também é jornalista. “A soma dos votos dos partidos de direita dá uma vitória à direita e ainda tem um quarto partido que é o que somou a maior parte dos votos dos descontentes. Se esse cara fizer apoio crítico à Frente Ampla pode ser que dê um empate técnico”, analisou Bruno.

O cientista disse que este candidato é Gustavo Salle, do partido Identidade Soberana, que teve 2,69% dos votos e arrancou o quarto lugar, à frente do candidato de extrema direita, Guido Manini Ríos. Guido teve 2,45% dos votos pelo partido Cabildo Abierto, que, de três senadores e 11 deputados em 2019, passou agora para apenas dois deputados e nenhum senador.

Já o candidato Gustavo Salle é uma espécie de outsider da política uruguaia, e o partido dele conseguiu, pela primeira vez, duas cadeiras na Câmara dos Deputados. Gustavo Salle tem pregado voto nulo no segundo turno, sem muito sucesso ou adesão.

Para especialistas, tanto a vitória da esquerda como a da direita não vai alterar substancialmente as relações com o Brasil. Lula e Lacalle Pou têm dialogado de forma aberta e franca, apesar de serem de tendências ideológicas opostas. Como o Lacalle Pou se identifica com uma direita democrática de diálogo, isso não tem prejudicado as relações diplomáticas e políticas entre Brasil e Uruguai.

Consultas

No primeiro turno, além de votar para presidente, deputados e senadores, os uruguaios puderam se manifestar em relação a dois plebiscitos propostos pela sociedade; um que previa uma reforma na Previdência social e outra que autorizava batidas policiais noturnas. Nos dois casos, as consultas não obtiveram mais de 50% dos votos e não foram aprovadas.

Em um dos plebiscitos, liderado pelas centrais sindicais do país, foi proposta uma reforma da Previdência para limitar a idade de aposentadoria aos 60 anos, fixar o valor mínimo da aposentadoria ao valor do salário mínimo, além de acabar com as empresas de previdência privada. Em 2023, o governo uruguaio elevou de 60 para 65 anos a idade mínima para se aposentar.

Sem empenho dos partidos, a proposta foi derrotada. A central sindical bancou a campanha do próprio bolso. Dentro da Frente Ampla, o Partido Comunista foi a favor da iniciativa e os demais setores tiraram o pé. O debate não comoveu a sociedade do Uruguai como deveria.

Na outra consulta, liderada por partidos de direita, pretendia-se mudar a Constituição para permitir batidas policiais noturnas. A mudança ficou a ver navios e foi rejeitada. Assim como no Brasil, a polícia só pode entrar na casa de um cidadão com mandado judicial e durante o dia.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato