BOLÍVIA:
EVO MORALES APRESENTA SUA CANDIDATURA PARA AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS COM UMA NOVA LEGENDA

por Chantal Liégeois


As eleições presidenciais na Bolívia estão marcadas para 17 de agosto de 2025 e trouxeram à tona uma luta fratricida entre a militância do Movimento ao Socialismo (MAS).Há dois campos: o que apoia Luis Arce, atual presidente, e o que apoia Evo Morales, o ex-presidente.


No dia 20 de fevereiro, Evo Morales anunciou oficialmente sua candidatura para as eleições deste ano pelo partido Frente para a Vitória (FPV). Com isso, o ex-mandatário expressa sua saída do MAS e deixa a sigla do Movimento Al Socialismo (MAS) para seu concorrente direto, Luis Arce Catacora.


O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo depois de voltar do exílio na Argentina em 2020. Morales começou a criticar algumas decisões de Arce e de seus apoiadores para disputar espaço pela candidatura do Movimento Al Socialismo nas próximas eleições presidenciais e ameaçou que haverá uma "convulsão" na Bolívia se for impedido de concorrer. O estopim da briga se deu quando apoiadores de Morales organizaram um congresso na região do Trópico de Cochabamba, reduto eleitoral de Evo, e chamaram os seguidores de Luis Arce de “traidores”, em outubro de 2023. A disputa política se transferiu para o Congresso, onde Arce perdeu a maioria devido à divisão do MAS.


O histórico de uma ruptura anunciada
Há vinte anos, no final de 2005, o partido Movimento ao Socialismo (MAS) chegou ao poder, liderado por Evo Morales, que se tornou o primeiro presidente boliviano de origem aimará. Para um país com uma população predominantemente indígena, tradicionalmente governado pela oligarquia branca, esse foi um ponto de virada histórico na vida política boliviana, abrindo as portas do parlamento para representantes da população originária tradicionalmente oprimida. Assim, a Bolívia passou por um amplo processo de inclusão política. Indígenas, camponeses, cocaleiros e líderes de sindicatos e movimentos sociais foram eleitos e indicados para cargos institucionais, o que, até então, não acontecia.


Desde então, o MAS venceu todas as eleições no primeiro turno, com mais de 50% dos votos. Evo Morales ocupou a presidência da Bolívia, ininterruptamente, por três mandatos (2006-2008); (2009-2014); (2014-2019), beneficiando-se, em 2009, do processo de aprovação de uma nova constituição.


Em 2020, após um ano de ruptura democrática (golpe de Estado em outubro de 2019, apoiado pela OEA), o MAS venceu as eleições novamente, com a candidatura de Luis Arce Catacora. Luis foi ministro da Economia durante os 14 anos de Evo no poder, nomeado e apoiado por este.

No entanto, as lutas internas pelo poder dentro do MAS e pelo controle do aparato estatal puseram fim a qualquer colaboração e desencadearam uma espiral de violência e polarização no MAS, levando a uma total divisão dos movimentos sociais que o apoiavam. De um lado, Evo Morales com sua base social de camponeses e plantadores de coca e, de outro, Luis Arce e o aparato do Estado e o funcionalismo público.


Em maio de 2024, o Congresso do MAS, realizado na cidade de El Alto, nomeou Grover García como presidente do partido, decisão que só foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional Plurinacional em 14 de novembro passado. Mas, Evo Morales não aceitou perder a liderança do partido depois de 25 anos como seu principal lider.


Em dezembro de 2023, o Tribunal Constitucional Plurinacional ratificou que o ex-presidente não poderia se candidatar novamente nas eleições presidenciais de 2025, pois já havia se candidatado por duas vezes, desde a implementação da nova constituição política do Estado em 2008, que estabelece um máximo de dois mandatos consecutivos.


Ao se apresentar como candidato sob uma nova bandeira eleitoral, Evo está se envolvendo em um novo cabo de guerra com o STE e forçando-o a sentenciar sobre sua candidatura. Para Evo, essa é uma tentativa de recuperar o capital político colocando-se no centro da controvérsia eleitoral, mas, na verdade, ele está dividindo perigosamente as forças do campo político da esquerda boliviana.


Evo investigado
Além disso, uma antiga acusação ressurgiu, acusando Evo Morales de “estupro e tráfico humano” por ter tido relações sexuais com uma menina de 15 anos, em 2015, um caso encerrado em 2020, mas reativado, agora, em meio a luta pelo poder. Em 16 de outubro de 2024, os tribunais emitiram um mandado de prisão para Morales, que a polícia até agora não conseguiu cumprir. Morales também é alvo de um alerta de imigração. Recentemente, um tribunal convocou Morales para uma audiência na região sul de Tarija, onde o caso está sendo investigado, mas ele não compareceu. Ele fica entrincheirado na região de cultivo de coca do Trópico de Cochabamba, seu berço político.


Movimentos sociais divididos entre "arcistas" e "evistas"
Diante da possível prisão de Evo Morales, seus apoiadores bloquearam estradas por 24 dias entre outubro e novembro passado para defendê-lo, sofrendo uma repressão que deixou cerca de 125 pessoas detidas por atos de violência durante bloqueios de estradas. Logo, no início de dezembro, em uma grande demonstração de força, centenas de camponeses e trabalhadores bolivianos, que apoiavam Evo marcharam do Altiplano até a cidade de La Paz durante três dias contra o que eles chamam de “perseguição política” do governo de Luis Arce e em rejeição à crise econômica pela qual o país andino está passando.


Os poderosos movimentos sociais que levaram o MAS ao poder em 2005 e que apoiaram e participaram em todos os níveis dos vários governos do MAS, estão agora totalmente divididos e sem força ou independência política. Isso paralisou o parlamento e as decisões políticas que precisam ser tomadas em face da crise econômica do país.


E agora?
No que diz respeito ao MAS, uma página está sendo virada; o que foi a principal força política no comando do país desde 2006, que alcançou coisas importantes em termos de inclusão política das maiorias oprimidas, agora, foi destruído pela divisão e pela corrupção.


A divisão do campo progressista favorece a direita conservadora (bastante desarticulada) ou abrir espaço para conquistar um eleitorado insatisfeito com a instabilidade política. Dada a ascensão do neofascismo no mundo e a necessidade urgente dos países imperialistas de obter pleno controle de recursos naturais estratégicos - a Bolívia tem os maiores depósitos de lítio do mundo, apelidado como "ouro branco", com cerca de 23 milhões de toneladas concentradas no Salar de Uyuni - a divisão do MAS se vislumbra como um erro fatal para a continuidade de um projeto que transformou o país nos últimos tempos.


Além disso, há a grave crise econômica e energética que afeta o país, atualmente, com uma grave escassez de dólares que provoca longas filas nas ruas para obter a moeda estrangeira. Paralelamente, as reservas internacionais diminuíram consideravelmente. Segundo os relatórios do Banco Central, essas reservas passaram de U$15.122 milhões, em 2014, para U$1.796 milhões em abril de 2024 (data em que foi publicado o último relatório). A Bolívia passou de ser um país exportador líquido de energia a ser um importador. Há mais de 15 anos, a Bolívia impôs um subsídio à compra de combustível, o que representou um grande gasto nas contas públicas. Agora, o país não tem dólares para comprá-lo. Isso é problemático, considerando que, segundo o próprio presidente Arce, a Bolívia importa 56% da gasolina e 86% do diesel que consome.


À medida que o processo eleitoral se aproxima, o cenário mais plausível para os próximos meses é o de alta tensão no país entre as duas frentes MAS e VPF, com uma direita fraca que tentará se unir para formar uma alternativa viável, o que poderia levar a uma maior instabilidade social e política.

REFERENCIAS: