Centenário de Malcolm X: Uma herança de luta

POR EUGENE PURYEAR

Artigo publicado em BreakThrough New

Malcolm X, em poucas palavras, foi um revolucionário - um que ocupa um lugar de destaque no panteão daqueles que ousaram lutar e ousaram vencer.

Cem anos após o seu nascimento, 60 anos após o seu assassinato, Malcolm X é sinónimo, a nível mundial, de revoluções e de todas as formas de luta militante dos explorados e oprimidos. Aclamado como “O Nosso Brilhante Príncipe Negro”, el-Hajj Malik el-Shabazz foi o anjo vingador da América Negra. Representava a raiva justa da Nação Negra, canalizada através de uma eloquência disciplinada, uma lembrança viva das galinhas que podem voltar a qualquer momento para o poleiro nas capoeiras da supremacia branca.

Intelectual autodidata da classe trabalhadora, Malcolm X simbolizava as possibilidades de as pessoas exploradas e oprimidas tomarem o seu destino nas suas próprias mãos e dominarem mundos que lhes eram negados apenas devido à sua classe e raça (ou a ambas). Um mestre da organização, Malcolm reuniu redes e construiu organizações, religiosas e seculares, em todos os EUA, e forjou laços significativos entre o Movimento de Libertação Negra nos EUA e os movimentos de libertação nacional em todo o mundo.

Malcolm X, em poucas palavras, foi um revolucionário - um que ocupa um lugar de destaque no panteão daqueles que ousaram lutar e ousaram vencer.

Uma nação personificada

Malcolm X era filho de Garveyitas, criado no seio da maior organização que alguma vez existiu entre os afro-descendentes nas Américas, a United Negro Improvement Association. Muitas das suas primeiras recordações são das reuniões da UNIA realizadas em sua casa, com slogans como: “África para os africanos”. O pai de Malcolm foi assassinado por um grupo de polícias e vigilantes ao estilo do KKK que aterrorizavam as organizações negras militantes devido à sua liderança na UNIA.

Malcolm era um devoto de Paul Robeson, seguindo tudo sobre ele nos jornais e na rádio enquanto estava preso. Como o autor Karl Evanzz observou no seu livro, “The Judas Factor: The Plot to Kill Malcolm X": “As cartas [de Malcolm] aos amigos ecoavam os argumentos de Robeson contra o apartheid e o intervencionismo americano”. O mesmo autor refere ainda que,

Qualquer pessoa que tenha ouvido Robeson e Malcolm X falarem poderá atestar que uma parte igual da sua capacidade de falar derivava claramente da atenção que tinha prestado às técnicas de apresentação de Robeson.

Não é de estranhar que o então Malcolm Little também se sentisse atraído por Elijah Muhammad e pela Nação do Islão. Tal como a UNIA, a NOI era uma voz forte para a humanidade negra. E, tal como Robeson, era solidária com os movimentos anticoloniais que varriam o mundo. Além disso, a proposta da Nação do Islão de uma nação negra no Sul profundo fazia lembrar a Tese da Cintura Negra, apresentada pelo Partido Comunista e pelo comunista negro Harry Haywood, que mais tarde diria que um estudo do movimento de Garvey ajudou a inspirar a sua conceção e defesa da tese. Curiosamente, o livro de Haywood sobre a Tese da Cintura Negra, “Negro Liberation”, foi financiado por Robeson.

Malcolm X foi produto de um solo rico de negritude intransigente. Enquanto jovem adulto, foi atraído tanto política como teologicamente por aqueles que procuravam elevar a raça negra e esmagar o domínio imperial do que é agora chamado o “Sul Global”. Na década de 1960, tornar-se-ia a figura seminal nos Estados Unidos a representar esses mesmos temas.
Internacionalista por natureza

O Movimento de Libertação Negra sempre foi internacionalista, e Malcolm X passou muito tempo a alimentar essas tendências. Como pastor da Nação do Islão no Harlem, Malcolm envolveu-se intensamente com a comunidade diplomática africana e com representantes dos movimentos de libertação nacional, convidando-os frequentemente a falar para o público do Harlem.

Ficou célebre por ter recebido Kwame Nkrumah e Fidel Castro no Harlem e por se ter encontrado com líderes como o egípcio Gamal Abdel Nasser, o guineense Sekou Toure e o zambiano Kenneth Kaunda quando estes participaram em reuniões das Nações Unidas. Também se encontrou com Patrice Lumumba durante a visita deste último aos Estados Unidos em 1960. Ben Bella, o líder da revolução argelina, foi outro que se certificou de que o Ministro Malcolm estava na sua agenda.

Depois de deixar a Nação do Islão, redobrou os seus esforços para criar alianças entre os combatentes da libertação negra e as forças de libertação nacional a nível mundial. Fez uma digressão pelo continente africano, tornando-se imensamente popular, e também viajou para Gaza para se encontrar com dirigentes da Organização de Libertação da Palestina.

As iniciativas de Malcolm para levar o Movimento de Libertação Negra a cooperar com as forças anticoloniais e anti-imperialistas aterrorizaram o governo - de tal forma que, em 1964, um assistente do Secretário de Estado contactou a unidade da CIA que supervisionava os assassinatos e “insistiu” para que penetrassem no círculo íntimo de Malcolm. O FBI, alegadamente em coordenação com o próprio Presidente Lyndon B. Johnson, estava a trabalhar para fazer o mesmo.

É impossível que o capitalismo sobreviva

Malcolm relacionou diretamente as lutas dos povos colonizados para serem livres com a destruição do capitalismo:

É impossível para o capitalismo sobreviver, principalmente porque o sistema do capitalismo precisa de sangue para sugar. O capitalismo costumava ser como uma águia, mas agora é mais como um abutre. Costumava ser suficientemente forte para ir chupar o sangue de qualquer pessoa, fosse ela forte ou não. Mas agora tornou-se mais cobarde, como o abutre, e só consegue sugar o sangue dos indefesos. À medida que as nações do mundo se libertam, o capitalismo tem menos vítimas, menos para sugar, e torna-se cada vez mais fraco. Na minha opinião, é apenas uma questão de tempo até ao seu colapso total.

Não muito depois, em resposta a uma pergunta num fórum público, afirmou: “Não há capitalismo sem racismo”. Isto suscitou um comentário de outro participante que afirmou que o sistema capitalista era o verdadeiro inimigo da liberdade, da justiça e da igualdade, ao que Malcolm respondeu:

E essa é a resposta mais inteligente que já ouvi sobre essa questão.

Legado de luta que perdura

O impacto de Malcolm talvez possa ser melhor compreendido se considerarmos as constelações que se envolveram ativamente ou desejavam envolver-se no seu trabalho de organização. Os líderes dos (então inexistentes) Panteras Negras, da Liga dos Trabalhadores Negros Revolucionários e da República da Nova África eram todos seguidores de Malcolm X.

Na altura da sua morte, Malcolm estava a colaborar com o Student Non-Violent Coordinating Committee, discursando no Alabama para a juventude negra radical e recebendo Fannie Lou Hamer no Harlem. Estava agendado para discursar em Jackson, Mississipi, num evento organizado pelo SNCC, pouco depois da data em que foi assassinado.

Pouco tempo antes da morte de Malcolm, o Rev. Dr. Martin Luther King Jr. procurava entrar em contacto com ele para colaborar na proposta de Malcolm de agir nas Nações Unidas, em conjunto com os Estados africanos, contra os EUA pelas suas violações dos direitos humanos dos negros. Malcolm estava também a envolver-se cada vez mais com organizações socialistas cujos membros de várias nacionalidades estavam a participar na luta contra a supremacia branca.

Até aos últimos momentos da sua vida, ele trabalhou para se ligar e organizar com todas as forças vitais nos EUA e em todo o mundo dispostas a enfrentar seriamente o racismo, o colonialismo, o imperialismo e o capitalismo - para construir organizações, alianças e a infraestrutura para desafiar essas forças poderosas e para usar as táticas apropriadas, nos momentos apropriados para de facto vencer, por quaisquer meios necessários.

Eugene Puryear é jornalista, escritor e ativista afroamericano. Apresentador do BreakThrough News, colunista do Liberation News. s.