China: Para Xi Jinping, os próximos desafios serão sobretudo econômicos

Xi Jinping saiu mais forte do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, tendo colocado homens de confiança em seu entorno. Mas a centralidade dada à segurança pode prejudicar o desenvolvimento do país, uma vez que se ambiciona fazer da China uma “economia moderadamente desenvolvida” até 2035.

Eric Saudete

 

Hong Kong (China) – Em seu discurso de abertura no 20º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCCh), em 16 de outubro, o líder chinês Xi Jinping não evocou quaisquer metas econômicas. O anúncio feito no dia seguinte pelo Burô Nacional de Estatística de um adiamento na publicação dos números econômicos para o terceiro trimestre, incluindo os do crescimento do PIB, não passou despercebido. 

Se os objetivos estabelecidos em uma economia planificada são sempre considerados com extrema cautela, sua ausência total alimenta as especulações, necessariamente mais alarmantes. E com razão. 

Como assinalado por John Burn-Murdoch no Financial Times, desde o início dos anos 2010, quando Xi Jinping assume o poder, o número de séries estatísticas que não são mais atualizadas quadruplicou, de pouco mais de 80.000 indicadores para menos de 20.000 hoje. 

 

Métodos alternativos

Como resultado, economistas têm recorrido cada vez mais a métodos alternativos de estimativa. No repique da pandemia, no início de 2022, momento em que os questionamentos sobre a continuidade da política “Zero Covid” aumentavam a pressão, uma equipe de pesquisadores liderada por Michael Song, da Universidade Chinesa de Hong Kong, pôde mostrar, com base nos fluxos de caminhões entre as cidades sujeitas às restrições e rastreio de GPS, que “se fosse imposto um confinamento restrito de um mês às quatro maiores cidades da China (Pequim, Guangzhou, Xangai e Shenzhen), [estas] cidades veriam sua renda real cair 61%, implicando em uma perda nacional de 8,6%”. 

Conduzido pouco antes do fechamento mais completo de Xangai em meados de março, o estudo também observou que “as perdas globais seriam ainda maiores no caso extremo de todas as cidades da China serem encerradas” – na ordem de 53%. 

O adiamento, em pleno Congresso do Partido, da atualização de certos indicadores estatísticos para o terceiro trimestre, finalmente publicados na segunda-feira 24 de outubro – dia seguinte da apresentação da nova equipe de liderança em torno de Xi para seu terceiro mandato à frente do PCCh –, alimentou suspeitas de dissimulação deliberada de más notícias. 

Ainda, Xi Jinping reafirmou em seu discurso de abertura o desejo de ver a China se tornar uma “economia moderadamente desenvolvida” até 2035. Embora a definição sobre o que isso significa em termos concretos não esteja totalmente estabelecida, várias instituições financeiras estimam que significaria um crescimento médio anual de 4,7% ao longo dos próximos quinze anos. 

Isso duplicaria o PIB e a renda per capita para alcançar o que a vulgata comunista chama de “modernização socialista completa”, já amplamente descrita no 14º Plano Quinquenal (2020-2025), que previa uma meta de crescimento de 5,5% ao ano. O problema é que, se os economistas visualizam a possibilidade de um crescimento anual entre 4 e 4,5% até 2030, depois disso todas as expectativas estão em declínio. 

John Burn-Murdoch refaz o cálculo com base em series estatísticas alternativas – do The Economist, do Federal Reserve Bank of New York ou dados de tráfego aéreo via Airportia – e métodos mais iconoclastas, como os modelos do economista Luis Martinez, baseados no estudo das luzes noturnas dos principais centros chineses via imagens de satélite: nos últimos vinte anos, o crescimento do PIB chinês seria na verdade um terço menor. 

Nesse cálculo, no terceiro trimestre de 2022 a economia chinesa teria crescido 2,7%, significativamente menos do que os 3,9% anunciados na segunda-feira e, sobretudo, a metade do previsto para superar o patamar de uma “sociedade moderadamente próspera”, lema do antecessor de Xi Jinping de 2002 a 2012, Hu Jintao. 

 

O peso das palavras

As palavras têm sua importância. O discurso de Xi Jinping em 16 de outubro é indicativo de seu “pensamento sobre o socialismo à chinesa da nova era”, consagrado na Constituição do PCCh em igualdade com o pensamento de Mao Tse-Tung e as teorias de Deng Xiaoping. 

Termos como “economia” (60 ocorrências), “mercado” (16 ocorrências) e “reforma” (48 ocorrências) atingiram recordes de baixa em comparação com os discursos dos predecessores de Xi. Há muito apresentada, ao lado do nacionalismo, como uma das duas principais fontes de legitimidade para o Partido pós-Mao Tse-Tung, a economia foi relegada a um segundo plano em relação às obsessões de segurança. E tudo leva a crer que, aos olhos de Xi, o imperativo da segurança está agora ligado ao imperativo do desenvolvimento. 

Para ele, a China deve continuar sendo uma potência exportadora, ao mesmo tempo em que se torna mais resistente e, portanto, impulsiona a demanda interna ao mesmo tempo em que reduz sua dependência de países estrangeiros – no contexto de rivalidade com os EUA. Mesmo que as forças de mercado tenham um papel a desempenhar, o Partido volta a ser o grande coordenador do desenvolvimento, escolhendo as prioridades – industriais, tecnológicas e territoriais – ao mesmo tempo em que garante maior equidade na distribuição da riqueza. 

 

Em busca de novos motores de crescimento

Mas os fatos são teimosos e, como aponta Phillipe Aguignier, professor de economia da Inalco e ex-banqueiro, o principal desafio enfrentado pela economia chinesa está na eficácia dos motores de crescimento, pois aqueles que fizeram do desenvolvimento chinês um sucesso nos últimos quarenta anos “desapareceram ou perderam gradualmente sua intensidade”. 

Assim, a população economicamente ativa está diminuindo inexoravelmente, devido a uma estrutura demográfica muito afetada pela política de filho único, que foi relaxada muito pouco e muito tarde em meados dos anos 2010. De acordo com as estatísticas oficiais, a população ativa diminuiu em 40 milhões na última década, e espera-se que diminua em 35 milhões nos próximos cinco anos – com mais 40 milhões de pensionistas. 

No que concerne às exportações, os grandes excedentes comerciais da China estão agora “frustrados, como diz modestamente Aguignier, pela resistência do mundo exterior, que está menos disposto a absorvê-los”. E parece que a desaceleração da demanda da Europa e dos EUA está aqui para ficar. 

Para Michael Pettis, um economista baseado em Pequim, “se o crescimento das exportações desacelerar o suficiente para causar uma contração significativa no superávit comercial da China, Pequim provavelmente terá que responder ou aumentando ainda mais o investimento em infraestrutura (e, portanto, o peso da dívida do país) ou permitindo que o desemprego aumente”. 

O problema é que o peso da dívida cresceu consideravelmente nos últimos anos, ao ponto de se situar agora oficialmente em cerca de 275% do PIB – não mais, oficialmente, em 330%. A margem de manobra não é mais a mesma que era no final dos anos 2000, quando o governo foi capaz de intervir massivamente no lado da oferta para reanimar a economia. 

Naquela época, a taxa de endividamento era metade do valor. E mesmo que a dívida “seja principalmente interna”, como aponta Aguignier, é difícil ver onde e em que proporção o investimento poderia aumentar: a China de hoje, ao contrário de 30 anos atrás, é extremamente bem dotada de infraestrutura, e o investimento representa 45-50% do PIB, uma das proporções mais altas do mundo. 

Além disso, as famílias investem principalmente em imóveis – um setor que, juntamente com indústrias relacionadas, responde por cerca de 30% do PIB. Com a crise neste setor no final de 2021, precipitada pelas dificuldades em cascata das maiores incorporadoras da China, incluindo a Evergrande, que está lutando com sua dívida de 300 bilhões de dólares, ficou claro que mais de 90% dos lares chineses já eram proprietárias de suas casas e que nos grandes centros urbanos como Shenzhen, Xangai ou Pequim, 40% dos lares possuíam ao menos duas propriedades. 

A esse quadro sombrio, deve-se acrescentar também o endividamento dos governos locais: na primeira metade de 2022, todos os governos provinciais da China estavam em déficit, e nos primeiros oito meses, os governos locais gastavam o dobro do que absorviam – o maior déficit fiscal em uma década. 

Do lado das despesas, os orçamentos foram severamente limitados pelas medidas drásticas decorrentes da política “Zero Covid”, e a prolongada crise no mercado imobiliário levou a uma queda na venda de terrenos, privando-os de uma fonte chave de receitas, que já havia sido corroída por créditos fiscais corporativos impostos pelo governo central. 

Finalmente, as esperanças de uma recuperação impulsionada pelo consumo interno têm se mostrado até agora ilusórias: o consumo doméstico caiu de 50% do PIB vinte anos atrás para 40% hoje, enquanto esta proporção está próxima de 60% na economia mundial. 

Sobre os números do desemprego, a questão também é mais delicada e afeta diretamente as questões de estabilidade social e, portanto, a segurança do país. Neste verão, o desemprego entre os jovens subiu para 20%, mais que o dobro do que era quando Pequim começou a relatar estas estatísticas em janeiro de 2018. 

Em resumo, tudo o que resta dos antigos motores de crescimento são inovação e desenvolvimento tecnológico, amplamente mencionados no discurso de Xi Jinping. Também aqui, o imperativo de segurança foi imposto às empresas tecnológicas chinesas – com Alibaba e Tencent suportando o grosso desta firme aquisição –, e ao setor privado em geral.