Crónica de uma semana de ocupação e violência nos territórios palestinos

Adaptado de Esquerda.net

Enquanto as atenções se concentram nos protestos pró-democracia em Israel, o Mediapart faz o relato de sete dias de ocupação na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. O jornal destaca que os palestinos são as principais vítimas das políticas do governo de Benjamin Netanyahu.

“Em Israel, ondas de manifestantes invadem as ruas e praças, brandindo a palavra ‘democracia’ e bandeiras brancas e azuis às dezenas de milhares. A poucas dezenas de quilómetros de distância, no máximo, homens morrem sob as balas dos soldados deste mesmo estado, mulheres enterram os seus filhos, propriedades são destruídas, casas invadidas”, escreve Gwenaelle Lenoir para o Mediapart.

Nos territórios palestinos ocupados, “a ocupação continua, brutal e agressiva”, lê-se no artigo, que, com base nas agências de notícias, faz o relato de sete dias de ocupação na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, onde a “ladainha de violência” não tem fim.

Colonos e soldados têm carta branca para matar

Quinta-feira, dia 20 de julho, o exército israelense promoveu incursões na maioria das principais cidades palestinas, como Hebron, Belém, Nablus, Ramallah, Salfit, Jenin. Mas estes ataques não são novidade.

“É sempre a mesma coisa, o exército israelense entra em aldeias, campos de refugiados e cidades alegando querer erradicar o terrorismo, acaba por matar pessoas inocentes e destruir infraestruturas”, explicou Abdelfattah Abou Srour, fundador do centro cultural Alrowwad em Belém.

“Com o atual governo de Netanyahu, os soldados têm carta branca para matar. Matar diretamente, sem procurar outra saída, tornou-se totalmente legítimo”, continuou.

O Mediapart refere que o governo israelense, “sem mais precauções linguísticas, enterrou definitivamente o mito da ‘solução de dois estados’”. E cita as declarações, de 23 de junho, do ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben Gvir: “A Terra de Israel deve ser colonizada e ao mesmo tempo da colonização da Terra deve ser lançada uma operação militar. [Temos que] demolir edifícios, eliminar terroristas, não um ou dois, mas dezenas e centenas, e se necessário até milhares, porque, no final, esta é a única maneira de nos mantermos aqui, para fortalecer o controle e restaurar a segurança dos habitantes, e acima de tudo cumprirmos a nossa grande missão”, afirmou o líder dos supremacistas judeus.

Sexta-feira, 21 de julho, Fawzi Hani Makhalfa, de apenas 18 anos, foi morto a tiro por soldados israelenses e o seu amigo foi ferido e preso numa pequena cidade a noroeste de Naplouse, na Cisjordânia. Estavam dentro de um carro quando foram atingidos. No mesmo dia, Mohamed Fouad Atta al-Bayyed, alguns meses mais novo, também foi abatido a tiro por um militar israelense em Umm Safa, próximo de Ramallah. Os protestos de palestinos nesta vila contra os ataques de colonos de um assentamento vizinho foram, mais uma vez, reprimidos com gás lacrimogéneo, granadas sonoras, disparos de balas de aço envolvidas numa fina película de borracha e disparos de munição real.

Em 22 de julho, colonos atacaram a aldeia de Urif, ao sul de Nablus. Não pouparam casas e, inclusive, uma escola. No dia seguinte, outros colonos atacaram pequenos criadores de gado, obrigando-os a abandonar as terras onde pastam os seus animais.

Em 24 de julho, dezenas de oliveiras, os símbolos por excelência da Cisjordânia, foram queimadas por colonos. Pertenciam a agricultores da aldeia de Burin, perto de Nablus. Um vídeo publicado em 25 de julho na rede social X, anteriormente denominado Twitter, mostra colonos revistando uma casa palestina na área de Hebron.

“Círculo de violência está a cercar-nos cada vez mais”

Raafat Sub Laban, habitante de Jerusalém e investigador da unidade de direitos humanos das Nações Unidas, explicou que nada disto é novo, mas a situação deteriorou-se no ano passado em Jerusalém Oriental e em toda a Cisjordânia.

“Nos últimos meses, tem sido uma loucura. Sinto que esse círculo de violência está a cercar-nos cada vez mais, inclusive a mim e à minha família”, apontou. Há muito que a casa da sua família, localizada na cidade velha, a poucos passos da esplanada das mesquitas e do Muro das Lamentações é cobiçada pelos colonos. Um tribunal de justiça israelebse acabou por determinar a sua expulsão, que foi executada a 11 de julho pela polícia acompanhada pelos colonos.

“Eles bloquearam a rua inteira, deram dois minutos para o meu pai de 73 anos reunir os seus remédios e alguns pertences pessoais”, descreveu.

No último domingo, 24 de julho, avisado de que os pertences da família, móveis, lembranças, tinham sido deixados na rua, Raafat foi até lá, acabando por ser preso após uma pequena briga com um colono.

“Nakba nunca terminou”

“Vemos esses protestos em Israel alegando ser em defesa da democracia. Mas nós, palestinos, nunca vimos essa democracia (…) Sempre fomos tratados como inferiores. De fato, a Nakba nunca acabou. Acontece mais discretamente e mais lentamente, uma casa aqui, uma família ali”, frisou Raafat.

Mais de 200 palestinos foram mortos desde janeiro de 2023. A maior cidade do norte da Cisjordânia, Nablus, vive sitiada há dois anos. Um cerco que se intensificou: há sete meses todo o acesso à cidade está bloqueado por barreiras militares israelenses. Os ataques do exército são quase diários.

Na sexta-feira, dia 28 de julho, o Mediapart falou ao telefone com Raed Debiyyeh, professor de ciência política na Universidade Al-Najjah em Nablus.

“Na semana passada, tivemos seis incursões. Deixaram quatro mortos, quatro jovens ativistas”, lembrou Raed.

Num dos ataques, em 25 de julho, três homens foram assassinados a tiro por soldados israelenses. Encontraram-se dentro de um carro, que ficou crivado de balas. O Hamas afirmou que os ativistas pertenciam ao seu movimento.

“Israel alegou que os seus soldados foram atacados. Não sei. O que sei é que armaram uma verdadeira emboscada e que poderiam simplesmente tê-los parado”, afirmou o professor. “Isso é assassinato, puro e simples”, acrescentou.

Em 26 de julho, um jovem, sem qualquer atividade política, estava na janela de sua casa quando foi morto a tiros durante uma operação no campo de refugiados de Al-Ayn. Não tinha atividade política.

Na madrugada do dia 28 de julho, o exército israelense destruiu parcialmente uma escola na pequena cidade de Beita, perto de Nablus. Os colonos realizaram um ataque a Al-Muqayyar, ferindo uma pessoa. Outros dois palestinos foram mortos pelo exército israelense durante uma manifestação contra a expansão dos assentamentos perto de Qalqilya.

“Uma sexta-feira banal”, remata o Mediapart.