Editorial Diario Red
Tradução: Equipe Radar Internacional
As ameaças de Trump contra a Dinamarca pela Groenlândia não são mero acso. Constituem parte do eixo central do novo giro imperial estadunidense ao qual a Europa deveria reagir o quanto antes.
O fato de Donald Trump ser um personagem guinado ao exagero parece ter confundido a Europa. Sim, quando o presidente dos Estados Unidos falou em um grande momento televisivo depois de humilhar publicamente Zelenski nas negociações pelo espólio dos minerais ucranianos, algumas pessoas voltaram a pensar no Trump como um “personagem”. Mas o líder republicano fala muito sério: por trás das suas onerosas declarações públicas existe um esquema imperial meditado, integral e agressivo.
A Europa, claro, dirigida por um establishment político lento de reflexos e miope no que se refere a sua projeção internacional, não percebe isso. Macron, Sanchez, Scholz e Starmer continuam vendo Trump como um erro da história. Consequentemente, a resposta desses líderes às agressões norte-americanas contra a Europa é insuficiente e com certeza será enormemente tardia. Washington quer roubar a Groenlândia dos dinamarqueses e, para isso, precisa esmagar os interesses políticos dos groenlandeses que votaram há algumas semanas por uma política soberana.
Mas os Estados Unidos, como hegemônico na crise, ignoram tanto as instituições como a vontade do povo. O vice-presidente Vance deu um aviso claro aos groenlandeses, dinamarqueses e europeus: “Acredito que a Groenlândia ficaria muito melhor sob o guarda-chuva de segurança dos Estados Unidos do que sob o da Dinamarca”. Nossa mensagem para a Dinamarca é muito simples: não fizeram um bom trabalho com o povo da Groenlândia. Investem pouco no povo da Groenlândia e na arquitetura de segurança desse incrível e charmoso território cheio de pessoas extraordinárias. Isso tem que mudar e, como não mudou, é por isso que a política do presidente Trump na Groenlândia é o que é”.
O governo Trump busca reordenar os laços que ligam os aliados de Washington ao eixo do poder imperial.
O imperialismo estadunidense parece estar levando a cabo uma espécie de “retirada” estadunidense. Por isso reforça governos aliados como o de Bukele e o de Milei, por isso ameaça militarmente o México e a Venezuela e, também por isso, fala sobre incorporar o canal do Panamá, o Canadá e a Groenlândia. Não são meras ocorrências, são advertências do chefe da ordem imperial otimista ao resto dos atores menores: o governo Trump busca reordenar os laços que atam os aliados de Washington ao eixo do poder imperial.
O vídeo publicado no X por Trump não pode ser mais claro: “Hoje os groenlandeses enfrentam novas ameaças, desde a agressão russa até a expansão chinesa. Nosso legado continua em cada missão conjunta, em cada patrulha artica, em cada acordo forjado na sombra do gelo que derrete e das tensões no aumento. Isso não é só a história; é o destino. Agora é o momento de nos levantarmos conjuntamente de novo. Pela paz, pela segurança, pelo futuro. Os Estados Unidos se levantam com a Groenlândia”.
A retórica trumpista já está assentada entre as suas fileiras: consiste em repetir até o limite que o controle estadunidense da Groenlândia é fundamental para a segurança internacional. Na realidade, seus objetivos não vão por aí. Em um contexto de consolidação do movimento independentista groenlandês e de crescente enfraquecimento da Europa e da Dinamarca, a insistência do governo Trump é por outros motivos. Basicamente, trata-se do controle do Ártico, cuja situação geoestratégica enfrenta os interesses dos Estados Unidos, da Rússia, da Europa e da China, entre outros.
A Groenlândia poderia ser chave em assuntos como a vigilância de mísseis balísticos intercontinentais, assim como pelas suas terras raras ou por seu comércio ártico. E Trump, que aspira a um controle direto, não mais coletivo, daqueles ativos estratégicos para os Estados Unidos, vislumbra roubar a Groenlândia dos dinamarqueses e dos próprios groenlandeses. Mas a Europa não se atenta a essas questões… ou finge não ficar sabendo, imersa em uma crise de coesão interna, a qual se soma o auge das extremas-direitas que professam um patético fervor trumpista.
A vocação de colônia das extremas-direitas europeias, o seguidismo liberal e a fragilidade social-democrata ameaçam sepultar a autonomia estratégica europeia antes do seu próprio nascimento. E agora? Washington não pode ser mais claro: querem controlar a Groenlândia antes de 2028 e não importa o que dizem seus aliados europeus. O uso da força é cada vez mais provável depois da formação de um governo de grande coalizão com tendência soberanista na ilha.
A Europa não pode seguir sendo tão ingênua com os Estados Unidos, talvez a sua principal ameaça. Não importa mais a Washington o mínimo da opinião dos 56 mil groenlandeses. Se a crise se intensificar, a tessitura de uma agressão direta dos Estados Unidos contra a Europa em solo dinamarques será uma realidade possível. É estarrecedor lembrar que Espanha, Dinamarca e boa parte da Europa formamos parte da OTAN sob a liderança dos Estados Unidos. Em maior medida, é indignante constatar que Washington, que ameaça a integridade territorial de um membro fundador da própria OTAN, tem bases militares em solo europeu.
E o que fará o establishment europeu? Provavelmente, vai se indignar com Trump, individualizando assim o problema. Dessa forma, os governos do Velho Continente se livram de problematizar em geral nossa relação com o hegemônico estadunidense. Enquanto isso, Washington seguirá ameaçando os interesses europeus, consciente de que os líderes da região decidiram esperar passivamente o retorno dos seus amigos do Partido Democrata. O que parecem ignorar negligentemente é que aqueles tempos melhores não voltarão: o governo Trump modifica estruturalmente o esquema imperial norte-americano, algo que os democratas dificilmente reverterão se voltarem para a Casa Branca… fato que certamente parece improvável, dadas as pesquisas disponíveis.