Os governantes israelenses usam a cultura como ferramenta de propaganda enquanto travam uma guerra contra a vida cultural da sociedade palestina. A melhor maneira de desafiar a normalização do apartheid israelense em todas as frentes, inclusive a cultural, é por meio de boicotes, desinvestimentos e sanções.
O ataque foi o maior contra uma cidade palestina na Cisjordânia em mais de duas décadas. As forças israelenses cortaram a eletricidade e a água, atacaram jornalistas, bloquearam ambulâncias e demoliram bairros. Mais de cem palestinos ficaram feridos, além dos que foram mortos. Na sequência, a Palestinian Performing Arts Network (PPAN) pediu pressão internacional urgente para acabar com a matança de palestinos e palestinas por Israel e responsabilizá-lo.
O Freedom Theater em Jenin, membro da PPAN, foi diretamente afetado pelo ataque, com a estrada que leva às suas instalações sendo demolida. Capturando o clima palestino de desafio diante da intensificação dos ataques, o diretor artístico do teatro, Ahmed Tobasi, disse: “Manteremos esse teatro aberto. Há invasão e matança aqui, mas também há um teatro no campo de Jenin.”
Guerra cultural
Essa não foi nem de longe a primeira vez que a violência brutal de Israel afetou um centro cultural palestino. Em 2018, os caças israelenses destruíram completamente o centro cultural Said al Mishal em Gaza. Ele abrigava um cinema infantil, uma biblioteca e companhias de teatro.
O governo recém-formado de Israel é a administração mais fanática e de extrema-direita de sua história. Um ministro sênior se descreve orgulhosamente como um “homofóbico fascista”. A indignação da população está crescendo com esse regime de apartheid e seus crimes crescentes. Nos últimos dois anos, várias das principais organizações de direitos humanos relataram detalhadamente o apartheid israelense, incluindo a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a maior organização de direitos humanos de Israel, a B’Tselem, juntando-se ao consenso entre analistas e organizações palestinas.
Diante desse cenário, os governantes de Israel estão desesperados para encobrir suas ações. Ao promover apresentações em Israel de artistas internacionais, inclusive músicos, eles esperam encobrir suas graves violações de direitos humanos e seu sistema de opressão. Assim como a África do Sul no passado, Israel é explícito quanto ao mascaramento artístico de seu próprio regime de apartheid. Como admitiu um funcionário do Ministério das Relações Exteriores: “Vemos a cultura como uma ferramenta de hasbara [propaganda] de primeira linha, e eu não faço distinção entre hasbara e cultura”.
A mídia israelense e internacional há muito tempo noticia os honorários extraordinariamente altos que os promotores israelenses oferecem rotineiramente, refletindo preocupações sobre um “boicote silencioso” que se estende há anos. Conforme o correspondente cultural de um importante veículo de notícias israelense, os artistas internacionais que se apresentam no país “recebem muito mais dinheiro do que em qualquer outro lugar do mundo”.
David Caspi, ex-sargento de comunicações do exército israelense, explicou como os promotores israelenses agora pagam “mais do que o dobro da taxa normal do artista”. Caspi cita um cofundador da Live Nation Israel, a principal empresa de shows do país, que fala sobre uma luta constante para derrotar os defensores de um boicote cultural: “Nossa guerra contra eles é diária”.
“Marca positiva”
O bilionário canadense-israelense Sylvan Adams supostamente pagou a Madonna um milhão de dólares para se apresentar em Tel Aviv e contribuir para o “fortalecimento da marca positiva de Israel no mundo”. Seu falecido pai, Marcel Adams, já ajudou a financiar apresentações em Israel de vários artistas internacionais, incluindo Leonard Cohen.
Ministros e diplomatas do governo israelense posicionados em todo o mundo também estão diretamente envolvidos nessa operação de mascaramento pela arte em larga escala. Quando o Radiohead ignorou os apelos palestinos e se apresentou em Tel Aviv, o ministro de assuntos estratégicos de Israel, Gilad Erdan, que liderava os esforços anti-BDS de Israel, disse à CNN: “Saudamos o Radiohead”.
As embaixadas israelenses em todo o mundo elogiaram as apresentações de Radiohead e Nick Cave, cruzando a linha de piquete palestina, conforme previsto por grupos como o Artists for Palestine UK. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel declarou “bravo Nick Cave”. O promotor do show do Radiohead conseguiu uma autorização para o local depois de apresentar o show como uma vitória para os esforços de propaganda israelense. O próprio Ministério das Relações Exteriores de Israel deu o OK.
Antes de Lana Del Rey cancelar sua apresentação no festival Meteor de Israel em 2018, o aplicativo anti-BDS do governo israelense estava orientando seus apoiadores a comentar suas publicações nas mídias sociais. Del Rey foi uma entre vinte artistas internacionais a se retirar do festival.
Muitos outros artistas cancelaram shows e outras apresentações em Israel após apelos morais de artistas palestinos e internacionais e defensores dos direitos humanos — mais recentemente Buddy Guy, Sam Smith, Rodrigo y Gabriela, Natalie Portman e Big Thief. A lista inclui Lorde, Shakira, Lauryn Hill, Elvis Costello e muitos outros.
Solidariedade significativa
Milhares de artistas em todo o mundo endossaram publicamente o Movimento BDS e o boicote cultural a Israel, incluindo músicos, DJs, cineastas e atores, artistas visuais, artistas negros, artistas latino-americanos e inúmeros outros em todos os campos e continentes. Isso apesar dos esforços feitos por grupos de lobby ligados ao governo israelense, como a chamada “Comunidade Criativa para a Paz”. Essas ações de solidariedade significativa são profundamente comoventes para os palestinos e palestinas.
O movimento BDS, liderado pelo povo palestino, procura o fim da ocupação militar de Israel, a conquista da igualdade total para os palestinos e palestinas com cidadania israelense e a garantia do direito de retorno das famílias refugiadas palestinas. O BDS não está pedindo aos artistas internacionais que venham salvar os palestinos. Estamos apenas pedindo a eles que, no mínimo, não prejudiquem nosso movimento não violento.
Além desse dever moral fundamental, há o reconhecimento de que a poderosa pressão internacional e a solidariedade inspiradora ajudaram a acabar com o apartheid na África do Sul. Isso também pode ajudar a desmantelar o regime de décadas de apartheid, ocupação e colonialismo de Israel contra o povo palestino nativo.
O teatro em nome da liberdade no campo de Jenin permanecerá aberto, um símbolo da firmeza palestina em face da brutalização contínua. Um dia, a liberdade e a justiça também serão mais do que símbolos poderosos de esperança para os palestinos. Elas serão uma realidade.