Dominada pela extrema direita, Constituinte chilena aprova retrocesso no direito ao aborto

Por Victor Farinelli

 

Conselho constitucional aprovou norma que garante a ‘proteção da vida do nascituro’, o que chocaria com a lei aprovada em 2017 que tornou o procedimento legal em três situações

 

O Conselho Constitucional do Chile aprovou nesta quarta-feira (20/09) uma norma de “defesa do direito à vida”, que inclui, em um de seus parágrafos “a proteção do direito à vida do nascituro”.

O texto causou polêmica porque, caso seja colocada em prática, essa norma chocaria com a lei aprovada em 2017, que tornou o aborto legal no país em três situações específicas: em caso de risco de vida da gestante, em caso de feto anencéfalo ou em caso de gravidez produto de violência sexual.

A legislação vigente atualmente no Chile foi promovida pela então presidente Michelle Bachelet e considerada um grande avanço em seu momento, além de contar com um forte apoio do Movimento Feminista, que tem ganhado força no país nos últimos anos.

Porém, mais recentemente, também têm crescido os movimentos de extrema direita, a tal ponto que, nas eleições para o Conselho Constitucional, realizadas em maio passado, o principal partido desse setor, o Partido Republicano, obteve a maioria absoluta nessa instância, o que lhe permite aprovar normas sem precisar negociar com outros setores.

Foi com essa maioria que a norma de “proteção à vida do nascituro” foi aprovada esta semana. Caso a nova carta magna receba o respaldo da cidadania no plebiscito marcado para o dia 17 de dezembro de 2023, ela passará a ser lei, obrigado a uma revisão da Lei do Aborto.

O governo chileno reagiu à notícia através de uma declaração da ministra da Mulher, Antonia Orellana, na qual ela afirma que respeita a decisão do Conselho Constitucional, já que se trata de um órgão autônomo, mas que “não há como negar que se trata de um retrocesso para as mulheres, que perderiam um direito fundamental que custou muito a ser conquistado”.

Orellana também difundiu uma informação sobre um estudo indicando que desde a implementação da Lei do Aborto, em 2017, foram realizados cerca de 3,2 mil abortos legais no Chile, e que “mais de metade dos requerentes (de aborto) meninas menores de 13 anos que engravidaram após serem estupradas”.

“Além disso, em alguns casos, estamos falando de crianças que não tiveram um desenvolvimento do útero capaz de levar uma gravidez até o final”, acrescentou a ministra.

A representante do governo de Gabriel Boric – que está em Nova York, participando da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) – concluiu sua declaração alertando para o fato de que o texto da norma, como foi aprovado, levaria a uma criminalização até mesmo do uso da pílula do dia seguinte.

“Nem mesmo a Constituição de 1980, imposta pelo ditador Pinochet, era tão incompatível com o direito das mulheres”, completou Orellana.