Luiz Arnaldo Dias Campos é cineasta, Coordenador de Relações Internacionais da prefeitura de Belém, faz parte do Conselho Internacional do FOSPA e é militante do PSOL. Deborah Cavalcante é Secretária de Relações Internacionais do PSOL, mestra em Ciência Política na UNICAMP e Doutoranda em Direito do Trabalho na USP.
Nos dias 28 a 31 de julho, Belém recebe a 10ª edição do Fórum Social Pan-Amazônico e se transforma no palco para onde convergem as resistências de toda a Pan-Amazônia, o porto onde diferentes povos se encontram e firmam aliança para defender o território, deter a destruição ambiental e o massacre da sua gente. Amazoniza-te!
Deborah Cavalcante: Como surgiu a ideia do Fórum Social PanAmazônico (FOSPA)?
Neste ano de 2022, o Fórum Social PanAmazônico completa 20 anos e volta a Belém do Pará, onde tudo começou.
O FOSPA surge de um acúmulo de experiências. Em 1999, Belém recebeu o 2º Encontro pela Humanidade e contra o Neoliberalismo, que foi uma atividade conjunta com o Exército Zapatista de Libertação Nacional e em 2001, Porto Alegre recebeu o 1º Fórum Social Mundial.
Nós desenvolvemos a ideia de forma articulada com o Fórum Social Mundial a partir de diálogos entre a Prefeitura do Edmilson Rodrigues, movimentos sociais e também em articulação com o Grupo de Trabalho Amazônico – uma grande frente de movimentos e entidades ambientalistas que havia se formado na Rio 2002. Em 20 anos, o FOSPA passou por diferentes cidades da região amazônica: Belém e Santarém no Pará, Macapá, Ciudad Guayana na Venezuela, Conija na Bolívia e Tarapoto no Peru.
D.C.: Qual a proposta política do FOSPA?
O FOSPA tem uma visão, uma utopia que é a capacidade de unir a PanAmazônia com toda a sua diversidade de povos indígenas, tradicionais, quilombolas e de idiomas. A proposta sempre foi acumular análises diversas sobre a realidade amazônica, articulando organizações populares, movimentos sociais, entidades e organismos da própria região amazônica para criar redes de solidariedade, informar e alimentar as lutas na região de forma articulada com o Brasil e o mundo.
Existem diversas Amazônias, da selva, dos rios, do campo, das florestas, das cidades. E essa diversidade toda tem em comum estar em contradição com o capitalismo. Ou seja, o processo de desenvolvimento, de acumulação e reprodução do capital na Amazônia está umbilicalmente ligado à destruição da natureza, à destruição dessas comunidades, à retirada de direitos básicos e de condições mínimas de existência da população. Então a ideia era partir dessa contradição que une esse conjunto diverso, construindo um movimento de aproximação.
Assim, o ideário do FOSPA é a sua compreensão comum de que o capitalismo é nosso inimigo, que o capitalismo conjura, ataca e destrói os povos que vivem na PanAmazônia. E também de que é possível e necessário articular uma ampla unidade dos povos e movimentos de trabalhadores da PanAmazônia para enfrentar esse monstro.
A gente sempre usa uma frase que é “conhecer e unir como quem vai lutar junto”. Esse é o espírito do FOSPA, desde o início, desde a sua concepção até os dias de hoje.
D.C.: Quais são os principais movimentos que constroem o Fórum?
O FOSPA é um processo em construção, coordenado por uma coalizão de forças com diversas organizações pan-amazônicas. Para citar apenas alguns dos atores que fazem parte dessa história, começo pela Coordinadora de las Organizaciones Indígenas de la Cuenca Amazónica (COICA), que envolve também envolve a COIAB, que é a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, e suas congêneres nos outros 8 Estados que compartilham da floresta amazônica, além do Brasil: Guiana Francesa, República de Guiana, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela e Suriname.
Podemos falar também da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Assembleia Mundial pela Amazônia (AMA), de povos quilombolas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), movimentos e povos de defesa dos rios, além dos movimentos sociais das cidades, sindicatos, movimento de mulheres como a Articulação de Mulheres Brasileiras, movimentos negros como o Centro de Defesa do Negro no Pará. Há muita representatividade nessa coalizão, que permanece aberta a novos movimentos e entidades.
D.C.: Qual o tema da X edição do FOSPA?
Neste ano, o tema é “Tecendo o Esperançar nas Amazônias”. O Fórum começa com uma grande marcha pelo centro da cidade de Belém, seguida do ritual de abertura com shows culturais e se encerra no dia 31 com uma grande assembleia em repúdio ao fascismo e em defesa da democracia na Universidade Federal do Pará, onde aprovaremos a carta de Belém.
Na programação, temos as atividades autogestionadas em que grupos, entidades, movimentos e povos se inscrevem para tratar de diferentes temas. Isso porque o FOSPA é um grande espaço aberto, em que as pessoas podem vir, propor ações, propor atos, realizá-los. É como se fosse uma grande casa com várias iniciativas, onde se compartilha da ideia de que todos os que vêm são protagonistas, são ativistas e sua ação, portanto, é bem vinda.
Além disso, vamos trabalhar com 05 (cinco) Casas de Saberes e Sentires, onde vão acontecer as atividades centralizadas: a Casa dos Bens Comuns, a Casa dos Povos e Direitos, a Casa da Mãe Terra, a Casa dos Territórios e Autogoverno e a Casa das Resistências das Mulheres.
D.C.: O que podemos esperar das Casas de Saberes?
As casas de Saberes tratarão estes diversos temas a partir de determinadas chaves transversais como a luta antifascista, como não poderia deixar de ser, já que a Amazônia brasileira e, por consequência a PanAmazônia, vive hoje uma onda de ataques de proporções nunca vistas antes, com invasão de territórios indígenas, desrespeito à autonomia, perseguição, atentados e até assassinatos de defensores de Direitos Humanos. Tudo isso está permeado pela liberação do avanço do garimpo e do desmatamento na região.
Nas Casas de Saberes convergem também as lutas contra o patriarcado e as diversas formas de opressão, além da defesa dos territórios. Esses temas também se expressam em atividades autogestionadas.
Durante a programação, podemos encontrar o Tribunal Popular sobre os crimes contra as mulheres, de crimes racistas na Amazônia, o lançamento da frente parlamentar mundial pelos direitos da natureza em defesa do reconhecimento próprio de direitos pertencentes à natureza e da tipificação do ecocídio.
Também vamos ter, muito provavelmente, o lançamento da Assembleia da Terra. Esta ideia surgiu diante da compreensão em Glasgow de que a Organização das Nações Unidas revelou a sua falência para apontar soluções viáveis, mensuráveis em relação ao problema climático, especialmente às questões ligadas à queima de combustíveis fósseis e o desmatamento da Amazônia.
Como disse o Primeiro Ministro da França durante a 1ª Guerra Mundial, a guerra é algo muito importante para ficar na mão de generais. No mesmo sentido, o clima, a salvação climática são temas muito importantes para ficarem nas mãos de governos que são completamente submetidos à lógica das grandes corporações. Então a ideia da Assembleia da Terra é a de um grande chamamento, de uma reunião de povos e pessoas reivindicando e tentando se apoderar do seu próprio destino.
Isto sem falar do Ato em Homenagem aos Mártires da Amazônia, que vai ser um momento de intenso compromisso e emoção.
D.C.: O que se pode esperar da Carta de Belém?
De um lado, um avanço na reflexão sobre temas candentes como a construção de uma Amazônia livre da mineração e do agronegócio. a defesa de uma Amazônia que seja um espaço aberto à diversidade dos povos, das culturas e da Natureza, uma região que sirva como alavanca que conduza nosso continente a tão sonhada Terra Sem Males. Por outro lado, a carta deve apontar campanhas, lutas e articulações urgentes e necessárias para resistirmos à ferocidade da investida capitalista, comandada por regimes fascistas e genocidas.
É o espaço onde apresentamos a síntese das discussões sobre o que seria um programa comum dos povos e dos movimentos sociais, dos trabalhadores da PanAmazônia. A proposta é responder questões como: é possível pensar uma PanAmazônia sem mineração e sem agronegócio? Que modelo de cidades a PanAmazônia deveria ter para tornar possível essa conjugação? Afinal, não é possível pensar a PanAmazônia construindo cidades como se fossem São Paulo, como se fossem cidades modeladas pela extração máxima dos recursos naturais sem nenhuma consideração com a natureza e os povos que vivem da natureza.
Temos que pensar também quais são as reivindicações para unir a luta dos povos e trabalhadores dessas 04 (quatro) Amazônias, a da floresta, dos campos, dos rios e das cidades – onde vivem 80% da população da PanAmazônia. Como transformar a unidade dessas lutas em ação concreta?
Nós temos trabalhado uma ideia que vem dos Andes, a ideia do bem viver, que é uma espécie de uma utopia de uma vida harmoniosa entre homens, mulheres e a natureza. Mas o que materializa isso? Através de quais reivindicações? Então essa carta se propõe a essas reflexões.
D.C.: Como o FOSPA vai tratar da Amazônia dentro do contexto mundial?
O Fospa é um espaço de conexão. A Amazônia não é só um problema dos povos que residem ali ou mesmo dos países com território amazônico, é um problema do mundo. Na COP26, isso ficou claro. Quem encabeçou a grande marcha da COP26 foram justamente as delegações indígenas da Amazônia, da COICA, da APIB e outras. O grande protagonismo que a Amazônia teve tanto na COP26 oficial, quanto na COP dos movimentos populares. Ficou nítido que sem defender a Amazônia, não há salvação para a humanidade. Sem pensar ou ter programa para a Amazônia. E essa ideia estabelece conexões, por exemplo, entre a Amazônia, os Andes e o Caribe, onde existem povos que se articulam, se conectam e se influenciam mutuamente. Queremos conexão com a África, conectar os povos e as florestas africanas e brasileiras. Queremos conexões com a Europa, com os povos indígenas da América do Norte, enfim.
No X FOSPA iremos celebrar estes encontros!
D.C.: Qual a sua expectativa para a contribuição do FOSPA para a defesa da Amazônia brasileira, em meio aos debates das eleições de 2022?
Nós somos 2/3 do Brasil. A Amazônia é o Brasil. É possível pensar o Brasil sem a Amazônia? É necessário que o povo brasileiro incorpore isso. Em poucas palavras é o nosso slogan: Amazoniza-te! E isso deve ser tomado por toda a população brasileira.
O FOSPA tem uma tradição de incidência política. Quando a 3ª edição do FOSPA se realizou na Venezuela, não foi por acaso. O governo venezuelano havia sobrevivido a uma tentativa de golpe militar insuflado pela direita e pelo imperialismo. Quando realizamos o FOSPA na Bolívia também. Havia toda uma discussão no interior daquele país a respeito da relação dos governos progressistas com os povos indígenas, suas demandas e reivindicações.
Então, o Conselho Internacional do FOSPA escolheu realizar sua 10ª edição em Belém também por razões políticas, por entender que a cabeça do monstro que ameaça a Amazônia, o nosso continente e por que não falar também do mundo está no Brasil, é o governo fascista do Bolsonaro. É preciso detê-lo. A ideia é ter um FOSPA que traga o mundo para gritar Fora Bolsonaro nos diversos espaços da programação.