Guerra suja contra o Podemos: polícia montou caso de narcotráfico contra eurodeputado

Aos escândalos das “cloacas do Estado” usadas pelo governo de Mariano Rajoy em 2015 e 2016 para travar a ascensão do partido da esquerda espanhola junta-se agora o da montagem policial de um suposto negócio de venda de 40 quilos de cocaína num bar madrilenho.

A guerra suja contra o Podemos por parte do Governo do PP com o objetivo de travar a subida do Podemos a partir de 2015 e a sua entrada no Governo de Espanha é uma novela com muitos capítulos. Os protagonistas foram responsáveis policiais e antigos inspetores da chamada “brigada patriótica”, com ligação direta ao Ministério do Interior e que além de inventarem casos para abrir investigações, contando com a disponibilidade de alguns meios de comunicação para dar projeção mediática às suas teorias, também tinham por missão tapar as “pontas soltas” dos escândalos de financiamento ilegal que abalaram o principal partido da direita espanhola. Estes levaram às condenações de vários dirigentes e do seu tesoureiro, Luís Bárcenas, ele próprio alvo de espionagem ilegal por parte desta “brigada patriótica” com vista ao roubo de provas que comprometessem o PP, no que ficou conhecido como o “caso Kitchen”.

Entre os casos que afetaram a imagem do Podemos e o prejudicaram nas urnas em eleições seguintes, destacam-se as investigações por financiamento ilegal com origem na Venezuela, a divulgação do conteúdo de mensagens de um telemóvel furtado a uma antiga assessora de Pablo Iglesias, a suposta empresa offshore do líder do Podemos nas ilhas Granadinas ou o famoso “relatório PISA (Pablo Iglesias Sociedad Anónima)” fabricado por este grupo policial para entregar aos media que lhe eram próximos poucas semanas após a eleição de 68 deputados que eram decisivos para afastar o PP do poder em 2016. Um “relatório” que afirmava que o Governo do Irão tinha financiado o líder do Podemos e os seus próximos para lançar a sua carreira política e cujos detalhes a imprensa republicou ao longo de vários meses.

A “operação Cardeal”: um eurodeputado com 40 quilos de cocaína entra num bar

Agora foi conhecida mais uma montagem policial que também visava indiretamente Iglesias mas teve como alvo o eurodeputado Miguel Urbán, principal rosto público do grupo político Anticapitalistas que fundou e entretanto saiu do Podemos em rota de colisão com os seus principais dirigentes. Urbán tinha sido eleito para o Parlamento Europeu em 2014 e na altura em que foi aberta a “investigação”, em novembro de 2015, era dos poucos dirigentes a ocupar cargos públicos. A chamada “operação Cardeal” baseou-se num testemunho fabricado de um informador a afirmar ter visto o eurodeputado a entrar num bar de Madrid com 40 quilos de cocaína vinda da Venezuela e a vendê-la no interior do bar com o objetivo de financiar o partido.

Apesar dos contornos escabrosos do relato que serviu para lhe dar vida, a “investigação” ao abrigo do combate ao narcotráfico deu aos polícias envolvidos o almejado acesso às contas bancárias do eurodeputado e de outras figuras do Podemos, com Miguel Urbán a admitir agora que esse seria o objetivo final da montagem que só agora foi tornada pública. Cumprido esse objetivo, o caso foi encerrado poucos meses depois e só foi agora conhecido ao saber-se que um polícia que teve então acesso aos dados de Pablo Iglesias numa base de dados confidencial justificou essa curiosidade com uma investigação em curso por narcotráfico a envolver Miguel Urbán.

As notícias divulgadas na imprensa espanhola colocam no centro da “operação Cardeal” o antigo diretor do Centro de Inteligência contra o Terrorismo e o Crime Organizado José Luis Olivera, que é também um dos principais acusados no caso da espionagem ilegal no “caso Kitchen”.

Investigação da Audiencia Nacional vai ouvir polícia que pesquisou por Iglésias a coberto da investigação sobre Urbán

Miguel Urbán ficou a saber do caso pela imprensa das últimas semanas e quer agora ver tudo esclarecido até às últimas consequências. Para já, o juiz da Audiencia Nacional que investiga os casos da guerra suja contra o Podemos recusou-se a juntar os documentos da “operação Cardeal”. No entanto, Santiago Pedraz chamou a testemunhar no próximo dia 3 de julho o polícia que teve acesso à base de dados para consultar informação sobre Iglesias com a desculpa de que era próximo de Urbán.

Esta investigação surgiu de uma queixa apresentada pelo Podemos que acusa dos crimes de organização criminosa, posse e revelação de segredos, prevaricação administrativa e falsificação de documentos uma equipa criada na órbita do então Secretário de Estado da Segurança Francisco Martinez, com o conhecimento do ministro Fernandez Diaz e o objetivo de abrir e conduzir “investigações prospetivas e alheias a qualquer interesse policial, sem controlo judicial ou do Ministério Fiscal sobre as pessoas que formavam a organização política”.

A investigação teve acesso a várias trocas de mensagens, entretanto publicadas na imprensa espanhola, entre Martinez e altos responsáveis da polícia e jornalistas, com o governante a pressionar os subordinados para conseguirem informações comprometedoras sobre os deputados do Podemos e a combinar a publicação das fugas de informação na imprensa..