Por Jeremy Corbyn
Reprodução de Jacobin América Latina
Tradução: Equipe Radar Internacional
Foto: Reprodução The Independent
É necessário que o Partido Trabalhista ponha um freio aos ataques do governo britânico aos direitos de greve, protesto e voto dos trabalhadores. Lamentavelmente, diz Jeremy Corbyn, um partido que não respeita a democracia dentro de sua própria organização é incapaz de defender ela para fora.
No dia 1 de fevereiro 500 mil trabalhadores se declararam em greve na maior jornada de mobilização do Reino Unido em mais de uma década. Docentes, servidores universitários, maquinistas de trem, condutores de ônibus e funcionários se uniram para protegerem-se mutuamente dos baixos salários e defender os serviços públicos dos quais todos nós dependemos.
A onda de solidariedade não ficou por aí. Na segunda feira seguinte, registrou-se a maior greve da história do Serviço Nacional de Saúde. Me juntei aos trabalhadores da saúde do University College Hospital de Euston Road, no piquete mais eufórico que me recordo. “Os aplausos não pagam as faturas” se escutou eu em Holborn & St. Pancras, mandando uma mensagem aos deputados que aplaudiram sua dedicação na pandemia, porém agora se negam a respaldar suas demandas de um merecido aumento salarial.
Os enfermeiros não só estão em greve por salário e condições dignas. Estão lutando por seu direito de o fazer. Em janeiro, o governo aprovou na Câmara dos Comuns seu projeto de lei antigreve, que obriga a determinadas indústrias a cumprir normas mínimas de segurança. Se os conservadores se importassem com os níveis mínimos de segurança em nossos hospitais, apoiariam aos trabalhadores em greve em suas reinvindicações por um NHS[1] totalmente financiado. Em vez disso, ao anular o direito fundamental a greve, estão impedindo que as pessoas lutam pela segurança de todos nós.
Essa não é a única liberdade democrática atacada. Com a aprovação da Lei de Ordem Pública, o governo restringiu o direito de protesto, dando à polícia mais poderes para reprimir qualquer pessoa “suscetível” de causar distúrbios graves. Em uma movimentação profundamente autoritária, os conservadores deveriam se perguntar se os manifestantes do passado que garantiram os direitos de hoje (as sufragistas são
um exemplo) enfrentariam a perseguição abaixo de seu atual reinado.
Mesmo o direito de voto está ameaçado. A partir de maio, os votantes devem mostrar um documento de identidade com foto ao colégio eleitoral. Segundo o governo, a identificação do votante é um meio necessário de combater a fraude. Negando-se a resolver os problemas reais que o povo enfrenta, o governo decidiu resolver um problema que não existe: a taxa de fraude eleitoral nas eleições gerais de 2019 foi de 0,000057%. Em um ato flagrante de supressão de votantes, a identificação de votantes privará de direitos aqueles que tem menos probabilidades de ter acesso a identificação requirida: votantes de baixos salários, pessoas mais jovens, pessoas com deficiência e aqueles que tem o inglês como segundo idioma.
Ao atentar contra nosso direito a greve, ao protesto e ao voto, os conservadores demonstram um perigoso nível de desprezo pelos fundamentos de nossa democracia. Já se passaram quatro meses desde que o sucessor de Liz Truss prometeu um novo amanhecer de política madura. O roubo de nossos direitos civis e democráticos por parte de Rishi Sunak diz tudo o que se precisa saber sobre nosso pragmático chefe do Executivo. Ao mesmo tempo, o recente comportamento dos dirigentes trabalhistas nos diz todo o que precisamos saber sobre sua vontade de recuperar esses direitos.
Em um momento em que os conservadores estão acelerando seu assalto a democracia, a direção trabalhista deveria fortalecer sua defesa. No entanto, não poderá defender a democracia se não está disposta a respeitá-la dentro de seu próprio movimento. Em todo o país estão impedindo membros da esquerda a se apresentar como candidatos, negando aos partidos locais a oportunidade de votar em pessoas populares, da classe trabalhadora e com talento em um processo de seleção justo e democrático. Como o próprio Keir Starmer disse em 2020, “os membros locais do Partido deveriam selecionar seus candidatos para cada eleição”. O fato de não cumprir essa promessa envia um sinal alarmante àqueles cuja confiança procura agora conquistar.
Também mostra uma falta de respeitopor aqueles que ocupam nosso lugar no Parlamento. Os trabalhistas são os que dedicam seu tempo a batendo de porta em porta sob chuva torrencial. Os trabalhistas são aqueles que mantém o partido funcionando. Os filiados trabalhistas são a alma do Partido Trabalhista: não se pode esmagar um sem o outro.
Só um partido democrático pode proporcionar o espaço necessáriopara empoderar aqueles que tem ideias criativas e soluções transformadores que este país necessita desesperadamente. Hoje, a divisão entre ricos e pobres e a ameaça do colapso ecológico são maiores do que nunca. Nosso objetivo deve ser nos unir as comunidades marginalizadas em torno a uma alternativa de esperança.
Isso significa dar as pessoas espaço para defender a ideia de democracia não só em seu partido, mas também em suas economias e comunidades. Não resolveremos a crise do custo de vida enquanto empresas privadas irresponsáveis controlarem como consumimos os recursos de que todos nós precisamos para sobreviver. Por isso, é hora de fazer com que a energia, a água, as ferrovias e o correio passem a ser propriedade democrática, para que as comunidades locais possam desfrutar desses bens públicos em comum. A verdadeira democracia consiste em transferir a riqueza, a propriedade e o poder econômico de quem o ostenta para quem os necessita.
Porém, como mínimo, a democracia consiste em dar as pessoasespaço para lutar pela redistribuição sem medo de censura. Por isso, seguirei lutando pelos direitos dos filiados locais de Islington North e pelos direitos dos trabalhadores nos piquetes. Aqueles que estão no caminho da mudança transformadora querem eliminar nossos direitos democráticos, pois sabem que, quando nos unimos, podemos vencer. Seu maior medo é a democracia, porque a democracia é nossa maior força.
[1] Sistema de clínicas e hospitais públicos ingleses.