Macron aumenta idade de aposentadoria por decreto e provoca revolta nas ruas

Foto Reprodução BBC Brasil

 

Esta quinta-feira, a primeira-ministra Elisabeth Borne foi ao Parlamento francês anunciar que a reforma da aposentadoria que aumenta a idade de reforma dos 62 para os 64 anos não iria afinal a votos no Parlamento, com o Governo recorrendo ao artigo 49-3 da Constituição que lhe permite aprovar iniciativas por decreto sem o aval dos deputados. E fê-lo pela décima primeira vez no seu mandato, batendo assim o recorde detido até agora pelo ex-primeiro ministro socialista Michel Rocard. Desde o início da V República em 1958, Borne é a governante com o recurso mais frequente a esta figura constitucional para aprovar medidas à margem do Parlamento: o fez uma vez a cada 28 dias no cargo para o qual foi nomeada no ano passado.

No seu discurso, inaudível dentro da sala onde decorria a sessão, devido aos constantes vaias e reclamações da oposição, Elisabeth Borne justificou a medida com o seu "apego ao nosso modelo social" e concluiu que "um voto irá ter lugar como deve ser" quando as oposições apresentarem as prometidas moções de censura.

A decisão de Emanuel Macron de fazer aprovar por decreto uma reforma que tem a oposição de mais de dois terços da população francesa foi mal recebida até entre os deputados do grupo macronista, que acreditavam poder segurar os votos da sua bancada e assim colocar a pressão na bancada da direita dos Republicanos, que negociaram a versão final do texto e contribuíram para a sua aprovação no Senado. Na oposição, a maior parte dos deputados acredita que a maioria já não tinha votos suficientes para fazer aprovar o texto, o que torna a decisão de o fazer passar por decreto uma afronta à democracia.

O sentimento geral entre os deputados é que este foi o primeiro dia do fim do quinquenato de Macron. Agora é o tempo de preparar as moções de censura, que podem surgir em textos separados ou numa iniciativa transpartidária, incluindo de alguns deputados dos Republicanos. A sua discussão deverá ocorrer nos próximos dias.

A líder parlamentar da França Insubmissa, Mathilde Panot, promete recorrer "a todos os meios à nossa disposição", incluindo a moção de censura transpartidária, criação de fundos de greves ou um referendo de iniciativa partilhada, que precisa do apoio de 185 deputados para obrigar o Governo a consultar os franceses. O recurso a este mecanismo suspenderia a lei durante os nove meses de recolha das 4,7 milhões de assinaturas, correspondentes a um décimo do eleitorado. O líder do partido, Jean-Luc Mélenchon, diz que a NUPES não apresentará uma moção de censura própria e vai apoiar a moção apresentada pelo grupo de deputados independentes (LIOT), por ter mais hipóteses de recolher o voto dos deputados da direita que estão contra a reforma das pensões "Quem não votar essa moção de censura, é porque é a favor da reforma", afirmou.

 

Noite de revolta nas ruas, estradas cortadas e ocupações de faculdades ao início da manhã

Para a secretária confederal da CGT Céline Verzeletti, que no fim do mês deverá substituir o líder histórico da organização sindical Phillipe Martinez, a aprovação à força desta lei veio "atiçar a raiva dos trabalhadores". Com o anúncio da aprovação por decreto da reforma das pensões, as centrais sindicais anunciaram mais uma jornada de greves e manifestações para a próxima quinta-feira, dia 23 de março, e plenários este fim de semana.

Mas muitos milhares de franceses não quiseram esperar nem mais um minuto e saíram espontaneamente às ruas para mostrar a sua indignação em frente às sedes dos seus municípios, continuando pela noite fora em manifestações espontâneas para reclamar a dissolução do Parlamento e a demissão de Macron. Em muitas delas houve vidraças de bancos quebradas e caixotes do lixo incendiados, além de alguns bloqueios de linhas ferroviárias. Os maiores protestos aconteceram em Paris, onde a greve de recolha de lixo já dura há duas semanas, com a polícia a anunciar a detenção de 258 pessoas durante a noite na capital e mais 62 no resto do país.

Os protestos continuam na manhã desta sexta-feira, com mais de 50 faculdades ocupadas ou fechadas pelos estudantes e o Boulevard péripherique, a estrada circular de Paris que é uma das mais movimentadas da Europa, cortada por centenas de manifestantes em três portas da cidade: Saint-Cloud, Montreuil e Clignancourt. Enquanto toneladas de lixo se acumulam nas ruas da capital, a polícia esteve nas incineradoras para obrigar ao cumprimento dos serviços mínimos que o Governo acaba de decretar aos trabalhadores em greve.