México busca evitar ‘guerra de tarifas’ imposta por Trump

Via Giro Latino

 

Claudia Sheinbaum não chegou a completar dois meses como presidenta do México; Donald Trump, por sua vez, sequer tomou posse para seu segundo mandato na Casa Branca. Mesmo assim, já deu tempo para os dois líderes vizinhos de fronteira se verem envolvidos em intensas discussões sobre uma possível ‘guerra de tarifas’ imposta por Washington a partir de 2025, quando as duas gestões passarão a coexistir.

Na quinta (28), Sheinbaum optou pelo pragmatismo: em um discurso dado em uma de suas mañaneras, a mandatária descartou um conflito tarifário com o parceiro comercial do norte, dizendo que conversou com Trump sobre o assunto por telefone. De acordo com ela (que havia reagido de forma bem mais enfática dias antes), o “potencial” embate “não vai acontecer”, ainda que o próprio governo mexicano projete “novas conversas” futuras para seguir tratando do tema.

As falas da mexicana vêm dias após o republicano eleito ameaçar impor taxas de até 25% sobre as importações de Canadá e México, seus aliados em tratados norte-americanos de livre-comércio. Além de potencialmente violar esses acordos, as medidas de Trump poderiam prejudicar o comércio internacional na região, como alertam autoridades dos dois países e também da China. Apesar do telefonema entre os dois líderes selar uma trégua pontual, o comportamento desaforado e imprevisível do próximo presidente dos EUA deve manter o clima de tensão comercial por muito mais tempo, mostrando uma missão difícil para Sheinbaum.

Mesmo com sinais de diálogo, o relacionamento entre os dois seguiu com ruídos, especialmente por parte do bilionário. Pelo Truth Social, uma rede social similar ao X (antigo Twitter) ainda mais povoada por usuários da extrema direita, Trump disse que a mexicana concordou em “parar a migração através do México e para os Estados Unidos, efetivamente fechando nossa fronteira sul”. Essas condições são colocadas na mesa pelos EUA para evitar a eventual imposição de tarifas.

Mas não foi bem isso que ela disse: em um tuíte, Sheinbaum explicou que mostrou ao futuro presidente “a estratégia abrangente que o México tem seguido para enfrentar o fenômeno migratório, respeitando os direitos humanos”. “Reiteramos que a posição do México não é fechar fronteiras, mas construir pontes entre governos e entre povos”, completou, garantindo que migrantes em caravana serão atendidos antes de chegar à requisitada fronteira.

A postura de Trump não é uma novidade. Em 2019, antes de entrar em uma fase mais amistosa com o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador (2018-2024), o empresário também prometeu taxar produtos mexicanos em represália ao fluxo migratório, obrigando AMLO a avançar no tabuleiro diplomático com bastante cautela.

Essa retórica republicana une dois princípios bastante populares entre os eleitores de extrema direita: por um lado, Trump usa o tema migratório para vender lei e ordem, mantendo-se fiel à furada tese do ‘America First’ (que ignora o impacto profundo da população latina na estrutura econômica dos EUA, entre outras coisas). Ao mesmo tempo, a ideia de usar tarifas como arma é parte do discurso protecionista ao qual o alaranjado político recorre desde a campanha – entre julho e agosto, ele subiu tanto o tom contra produtos importados ao ponto de Elon Musk (hoje o nome indicado por Trump para liderar o recém-criado ‘Departamento de Eficiência do Governo’) interromper planos de expandir suas plantas da Tesla no México em função de possíveis tarifas a itens produzidos abaixo do Rio Grande.

Trump, enquanto isso, bradava em comícios que fábricas deveriam ser “construídas nos EUA e comandadas pelo nosso povo”. Esse protecionismo também é um componente fundamental na chamada agenda anti China, outro pilar da diplomacia conservadora dos EUA a partir de janeiro. Recentemente, enquanto o presidente chinês Xi Jinping inaugurava na costa peruana o que será um dos maiores complexos portuários da América do Sul (com investimento e mão de obra chinesas) em 2025, a cúpula trumpista já falava em taxar em até 60% “qualquer produto que passe” pelo novo porto de Chancay.

Os debates sobre tarifas alfandegárias também acontecem com uma data importante no radar de Sheinbaum: mesmo que hoje exista alguma proteção nos termos do T-MEC (ou USMCA, em inglês), acordo de livre-comércio norte-americano que substituiu o velho Nafta, o tratado passará por uma revisão obrigatória até a metade de 2026, quando completa seis anos em vigor – podendo, até mesmo, ser simplesmente encerrado. Agora, essas negociações delicadas necessariamente terão que ser feitas com o governo Trump sentado à mesa, e a tendência é que Washington cobre ainda mais controles fronteiriços para pessoas como condição para manter as fronteiras relativamente abertas às mercadorias.

É esse o clima bélico que Sheinbaum deve esperar a partir de janeiro, quando a nação que mais impacta a vida do México voltará ao controle de um governo que nunca se mostrou interessado em ajudar o vizinho ao sul – a menos que tenha algo em troca.